RE - 1386 - Sessão: 04/12/2018 às 17:00

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de VICTOR GRAEFF, CLÁUDIO AFONSO ALFLEN e MARCOS NADIR VIEIRA DOS SANTOS contra sentença (fls. 246-259) que desaprovou as contas da agremiação referentes ao exercício financeiro de 2015, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores de R$ 4.836,46 (quatro mil, oitocentos e trinta e seis reais e quarenta e seis centavos) e de R$ 12.614,41 (doze mil, seiscentos e quatorze reais e quarenta e um centavos), nos termos do disposto no art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14, e a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses, em razão do recebimento de valores de origem não identificada e de fontes vedadas, além da impropriedade relativa à falta de contabilização de recursos estimáveis em dinheiro pertinentes a honorários advocatícios.

Os embargos de declaração (fls. 263-266) opostos contra a sentença foram rejeitados às fls. 268-269.

Nas razões recursais, sustentam que as contribuições consideradas como provenientes de fontes vedadas foram realizadas de forma voluntária, por transferência bancária, e que a maioria dos doadores são filiados ao PDT, estando os recursos legitimados pelo art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação conferida pela Lei n. 13.488/17. Alegam que o estatuto da agremiação dispõe sobre as contribuições de filiados tal como realizadas, determinação abrigada pelo princípio constitucional da livre associação. Afirmam que os doadores não são autoridades públicas ou ordenadores de despesas e que o fato não compromete a aprovação das contas. Invocam doutrina, jurisprudência e a Resolução TSE n. 23.546/17. Apontam que os depósitos bancários considerados como recursos de origem não identificada se referem somente aos meses de janeiro e fevereiro de 2015 e que as movimentações tiveram a origem esclarecida por meio de planilhas apresentadas pelo partido, nas quais foram informados os dados dos doadores. Assinalam que essas planilhas foram consideradas pelo exame técnico como idôneas para a análise de fontes vedadas, devendo ser adotada a mesma conclusão no tocante à identificação da origem dos recursos por coerência e medida de justiça. Requerem a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, a aplicação do disposto nos §§ 2° e 13 do art. 37 da Lei n. 9.096/95, o cancelamento da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e o afastamento ou redução do prazo de suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário fixado na sentença (fls. 274-296). Juntam documentos (fls. 298-315).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 323-333v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, quanto à irregularidade relativa ao recebimento de recursos de fontes vedadas, registro que, para o exame das presentes contas, deve ser considerado o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95 e seus incisos, vigente ao tempo do exercício financeiro em questão – 2015 – sem as posteriores alterações legislativas.

Por essa mesma razão, é incabível o julgamento das contas com base na Resolução TSE n. 23.546/17, dado que o exercício de 2015 é regido pela Resolução TSE n. 23.432/14.

O TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Seguindo essa diretriz, este Tribunal, por ocasião do julgamento do RE n. 14-97.2016.6.21.0076, debateu a respeito da incidência imediata da alteração introduzida no art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17, que considera lícitas as doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político, entendendo, mediante juízo de ponderação de valores, pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Colaciono a ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. (Grifei).

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE: 1497 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: DES. ELEITORAL LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 04.12.2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data: 15.12.2017, p. 6.)(Grifei.)

Dessa forma, a irregularidade não fica afastada pela justificativa de que a maioria dos doadores são filiados ao PDT.

Quanto à abrangência do termo “autoridade”, importa referir que, em 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), o TSE assentou não ser permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum de chefia ou direção da Administração direta ou indireta.

Após a consolidação da interpretação dada pelo TSE ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, os tribunais eleitorais de todo o país, inclusive este TRE, passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos em comissão de chefia ou direção na Administração Pública.

A previsão de dever de contribuição financeira entre as normas do estatuto do partido não torna lícito o recebimento de recursos de autoridades nem viola o princípio constitucional da livre associação, cabendo à agremiação zelar pelo cumprimento das regras eleitorais.

Ou seja, a imposição estatutária pertinente à contribuição financeira por parte de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos regular. O estatuto, diploma que normatiza as relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, a legislação prevê uma extensa lista de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, tendo relevo, no caso concreto, o rol constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.432/14. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido, ou inviabiliza o seu funcionamento, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos por diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

A proibição é reproduzida pelo art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2015, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

XII – autoridades públicas;

[…]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

É de frisar-se que a regra foi criada com intuito moralizador, na expectativa de que os partidos políticos não vislumbrassem uma contrapartida financeira com a ocupação de cargos em comissão da Administração Pública por pretensões de cunho financeiro e a partir de critérios meramente políticos.

Então, correto o entendimento adotado pela sentença no sentido de que as contribuições no total de R$ 12.614,41, efetuadas pelos ocupantes de cargos com poder de autoridade indicados no parecer das fls. 224-231, enquadram-se como fontes vedadas de arredação: secretário municipal, chefe de departamento, diretor de escola, diretor de obras e coordenador.

No exame técnico foi ressaltado que os nomes de autoridades e respectivos valores, considerados como fontes vedadas, não foram alcançadas com base nas planilhas das fls. 14 e 109, produzidas unilateralmente pelo partido sem identificação do doador originário.

De fato, o parecer das fls. 224-231 esclarece que o apontamento de fontes vedadas foi realizado exclusivamente com base nas planilhas, obtidas pelo banco Banrisul, das fls. 113, 115, 117, 119, 121, 123, 125, 127, 129, 131, documentos que trazem a identificação nominal dos doadores que forneceram recursos financeiros à agremiação por meio de depósitos efetuados entre março e dezembro de 2015.

Nesse sentido, transcrevo o seguinte excerto do exame técnico:

Os nomes lançados pelo Banrisul nessas planilhas demostram que a parcela de R$ 12.696,47 foi doada por autoridades que constituem fonte vedada. Isso significa que, do total de créditos depositados na conta bancária do partido de março a dezembro 2015, com origem identificada (R$ 21.630,97), podemos afirmar, a partir de informações registradas pelo próprio banco, que R$ 12.696,47 advieram de fonte vedada.

Portanto, na hipótese dos autos, há certeza e confiabilidade sobre o rol de doadores ocupantes de cargos de liderança que não podiam ter alcançado recursos financeiros ao partido, estando acertada a conclusão do juízo de origem ao referir que esses contribuintes se enquadram na vedação a que se refere o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

A argumentação recursal quanto à voluntariedade das contribuições e à ausência de ordenação de despesas por parte dos contribuintes não legitima o repasse dos recursos, porquanto não há na legislação essa exigência para que os doadores sejam considerados como autoridades e, consequentemente, fontes vedadas de arrecadação.

Dessarte, merece ser mantida a desaprovação das contas com base na captação de recursos oriundos de fonte vedada no total de R$ 12.614,41 e a determinação de recolhimento dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14, ressaltando-se que a quantia representa 47,44% dos recursos arrecadados por meio da conta bancária do partido no exercício 2015, no montante de R$ 26.585,37.

No tocante ao recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 4.836,46, é correto o apontamento do recorrente no sentido de que os depósitos bancários considerados sem indicação do nome e CPF do depositante se referem somente aos meses de janeiro e fevereiro de 2015.

Todavia, conforme já referido, não é verdadeira a afirmação de que o exame técnico utilizou as planilhas unilaterais produzidas pelo partido para verificar os recursos de fonte vedada, ou seja, para desabonar as contas, bem como não se valeu desses dados para identificar os doadores originários.

Ora, o parecer técnico, na fl. 226 dos autos, é expresso ao informar que as planilhas unilaterais produzidas pelo partido, no tocante a valores e dados de contribuintes, foram totalmente desconsideradas durante o exame técnico para a análise de fontes vedadas, em razão da falta de confiabilidade sobre a real origem dos recursos:

Ambas as planilhas (fl. 14 e fl. 109) são documentos produzidos unilateralmente pelo partido, sem identificação de doador originário por CPF. Logo, retificando o entendimento anterior, as planilhas de fls. 14 e 109 NÃO serão utilizadas para identificar autoridades que se enquadrariam na definição de fontes vedadas.

Com efeito, diante da existência de depósitos não identificados, impossível considerar, por ausência de força probante e transparência, as listagens fornecidas a posteriori pela agremiação.

Nesses termos, também corretas a conclusão de que o partido captou recursos de origem não identificada no total de R$ 4.836,46 e a determinação de recolhimento dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14, ressaltando-se que a quantia representa 18,19% dos recursos financeiros arrecadados por meio da conta bancária do partido no exercício 2015 (R$ 26.585,37).

As duas irregularidades, somadas, representam o impacto de 65,64% dos recursos financeiros do exercício e ensejam o recolhimento de R$ 17.450,87 (dezessete mil quatrocentos e cinquenta reais e oitenta e sete centavos) ao Tesouro Nacional, sendo R$ 4.836,46 correspondentes aos recursos de origem não identificada e R$ 12.614,41, aos recursos de fonte vedada.

Além disso, há de se levar em consideração que as contas também apresentaram impropriedade concernente à falta de contabilização de recursos estimáveis em dinheiro relativos a honorários advocatícios.

Assim, em virtude da relevância do valor irregularmente arrecadado e de seu impacto sobre as contas, merece ser mantida a sentença de desaprovação, sendo justo, razoável e proporcional o período de 6 (seis) meses de suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário fixado pelo juízo a quo.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.