RE - 1471 - Sessão: 19/12/2018 às 10:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra decisão que desaprovou a prestação de contas, relativa ao ano de 2015, apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) do Município de Tio Hugo (RS).

Segundo a sentença, foram encontradas falhas insanáveis que comprometeram a regularidade das contas, em virtude de: a) recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 213,86; b) receita proveniente de fontes vedadas na quantia de R$ 5.921,99; e c) gasto partidário de R$ 3.800,00 em desacordo com a legislação.

Por essas razões, foram as contas desaprovadas, em consonância com o parecer ministerial, e, como consequência, determinada a suspensão das quotas do Fundo Partidário por 5 meses, com o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores recebidos indevidamente, no montante de R$ 213,86, acrescido de R$ 5.921,99.

Contra tal decisão, foram opostos embargos de declaração (fls. 242-245) devido à suposta contradição na sentença. O juízo a quo entendeu pela rejeição da insurgência (fls. 247-248), em virtude de o ponto questionado ser mera repetição de texto legal.

Os recorrentes contestam a irregularidade do recebimento do valor de R$ 5.921,99, proveniente de fontes vedadas, reiterando a validade das receitas oriundas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, com fundamento na nova redação trazida pela Lei n. 13.488/17.

Argumentam que o partido, de forma clara, explicou e comprovou as doações voluntárias, no montante de R$ 5.921,99, realizadas, na maioria das vezes, por transferências bancárias de filiados à agremiação partidária e ocupantes de cargos de chefia e direção, autorizados a contribuir, conforme o art. 31, inc. V, da Lei  n. 9.096/95, alterada pela Lei n. 13.488/17.

Alegam que apenas 8 (oito) dos doadores não eram filiados ao PDT (fls. 86-87), sendo os demais vinculados à agremiação, motivo pelo qual não incide sobre eles a vedação. Além disso, argumentam que o estatuto do PDT, aprovado pelo TSE, permite as referidas contribuições.

Aduzem, ainda, que a sentença violou o direito constitucional de livre associação, que nenhum dos filiados se enquadra no conceito de autoridade definido por Hely Lopes Meirelles e que os recursos não dizem respeito à verba do Fundo Partidário. Por fim, defendem que a retroatividade da norma mais benéfica é plenamente possível.

Com esses argumentos, pugnam pela aprovação das contas do PDT de Tio Hugo, exercício de 2015, e, alternativamente, pela aprovação com ressalvas. Pedem, ainda, o afastamento de qualquer responsabilidade civil ou criminal dos dirigentes partidários, bem como que seja afastada a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.921,99 ou, alternativamente, que o montante seja readequado às razões recursais apresentadas. Por fim, postulam a redução da sanção de suspensão das quotas do Fundo Partidário determinada na sentença.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, quanto às verbas recebidas de fontes vedadas, argumentou ser pacífica na jurisprudência pátria a impossibilidade de contribuições oriundas de detentores de cargos de chefia ou direção demissíveis ad nutum da Administração. Quanto aos recursos de origem não identificada, defende que, apesar de ser possível verificar a titularidade dos CPFs apresentados, não há garantia de que eles tenham sido os responsáveis pelos depósitos nas contas bancárias. Por fim, ratificou a irregularidade apresentada no parecer conclusivo quanto à realização de despesas pela agremiação partidária no valor de R$ 3.800,00, em desacordo com o que prevê o art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.432/14, e opinou pela suspensão das quotas do Fundo Partidário por 1 ano, na forma do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, bem como pelo recolhimento dos valores oriundos de contribuições de fontes vedadas e não identificadas.

É o relatório.

VOTO

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

A sentença está fundamentada em três fatos que levaram à desaprovação das contas do PDT, quais sejam: a) recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 213,86; b) receitas provenientes de fontes vedadas na quantia de R$ 5.921,99; e c) gasto partidário de R$ 3.800,00, em desacordo com a legislação.

Os recorrentes não se insurgiram contra o ponto que diz respeito ao recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 213,86, bem como em relação ao gasto partidário no valor de R$ 3.800,00, em desacordo com a legislação.

Assim, a irresignação restringe-se a defender a regularidade do recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, no valor de R$ 5.921,99 e a redução da sanção da suspensão das quotas do Fundo Partidário.

Nessa perspectiva, percebe-se nos autos que alguns créditos declarados nas planilhas contábeis (demonstrativo de contribuições recebidas às fls. 13-14 e Livro Razão), totalizando R$ 5.921,99, são oriundos de contribuintes considerados, para fins legais, “autoridades públicas”, proibidos de doar, segundo disposição da norma aplicável à época, conforme transcrevo:

Res. TSE 23.432/2014:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

XII – autoridades públicas;

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Nesse ponto, entendem os recorrentes que o estatuto do PDT, aprovado pelo TSE, apresenta disposições prevendo as doações de ocupantes de cargos públicos, razão pela qual deve ser afastada a irregularidade aventada.

Malgrado tal argumento, o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder a Consulta n. 35664 – Acórdão TSE de 5 de novembro de 2015 -, definiu que os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta obrigatoriamente ao filiado.

Dessa forma, não podem ser consideradas ratificadas as doações oriundas de autoridades públicas, em virtude de previsão em estatuto partidário que contraria norma abstrata do próprio TSE à época, conforme transcrição do texto normativo.

Outro argumento defendido pelos recorrentes diz respeito à retroatividade da lei mais benéfica, em razão da alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.488/17, que alterou a Lei n. 9.096/95.

Essa matéria não é nova, sendo que esta Corte e o TSE, quando chamados a apreciá-la, posicionaram-se no sentido de que o tempo rege o ato e que, mesmo se tratando de norma mais benéfica, não é aplicável a retroatividade ínsita aos feitos de natureza criminal.

Foi assim quando, recentemente, o TSE examinou a questão das doações realizadas por pessoas jurídicas após a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Por oportuno, cito jurisprudência consolidada do TSE que agasalha a máxima do tempus regit actum, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ADI Nº 4650. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE APLICA A DOAÇÕES CONSOLIDADAS NAS ELEIÇÕES ANTERIORES À DATA DO JULGAMENTO. IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.165/2015. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97 operou os seus efeitos a partir da sessão de julgamento da ADI nº 4650, a saber, 17 de setembro de 2015, alcançando as doações de campanhas a se realizarem no prélio eleitoral de 2016 e os subsequentes, não sendo essa a hipótese dos autos, que versa sobre doação realizada no pleito de 2014.

2. A revogação do art. 81 da Lei das Eleições não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, notadamente por se tratar de atos jurídicos perfeitos consolidados sob a égide de outro regramento legal eleitoral, situação que se equaciona pela incidência do princípio do tempus regit actum, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 13029, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 16.10.2017.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA.

1. A jurisprudência desta Corte já assentou que "o critério utilizado para aferição do limite para doações de campanha é o faturamento bruto da pessoa jurídica no ano anterior à eleição, declarado à Receita Federal" (AgR-REspe 264-47, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 3.6.2014).

2. A Corte de origem, fundamentadamente, decidiu, à míngua da ausência de declaração de Imposto de Renda, que o demonstrativo de resultado do exercício financeiro não é documento apto, por si só, a comprovar o faturamento da empresa no ano anterior da eleição, considerando se tratar de documentação não oficial e não revestida de presunção de veracidade nem tampouco de fé pública, principalmente ao confrontar com a certidão expedida pela Receita Federal quanto à doação sucedida e tendo em vista, ainda, a ausência de outros documentos de natureza fiscal que corroborassem tal informação.

3. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97 operou os seus efeitos a partir da sessão de julgamento da ADI nº 4650, a saber, 17 de setembro de 2015, alcançando as doações de campanhas a se realizarem no prélio eleitoral de 2016 e os subsequentes, não sendo essa a hipótese dos autos, que versa sobre doação realizada no pleito de 2014" (AI 82-59, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9.2.2017). No mesmo sentido: AgR-REspe 44-41, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 27.9.2016; e AgR-AI 36-14, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.7.2016.Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 4952, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 163, Data: 23.8.2017, pp. 105-106.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. DECADÊNCIA. NÃO OPERADA. ADI Nº 4650. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE APLICA A DOAÇÕES CONSOLIDADAS NAS ELEIÇÕES ANTERIORES À DATA DO JULGAMENTO. IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.165/2015. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER CONFISCATÓRIO DA MULTA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O prazo para o ajuizamento da representação por doação acima do limite legal é de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da diplomação, conforme entendimento firmado por este Tribunal Superior.

2. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97 operou os seus efeitos a partir da sessão de julgamento da ADI nº 4650, a saber, 17 de setembro de 2015, alcançando as doações de campanhas a se realizarem no prélio eleitoral de 2016 e os subsequentes, não sendo essa a hipótese dos autos, que versa sobre doação realizada no pleito de 2014.

3. A revogação do art. 81 da Lei das Eleições não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, notadamente por se tratar de atos jurídicos perfeitos consolidados sob a égide de outro regramento legal eleitoral, situação que se equaciona pela incidência do princípio do tempus regit actum, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

4. O TSE já se pronunciou no sentido de que a multa por doação de campanha acima do limite legal não tem natureza confiscatória, já que não possui origem tributária, mas, sim, de penalidade aplicável em decorrência de prática de ato ilícito.

5. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

6. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 8259, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data: 09.02.2017, pp. 52-53.) (Grifei.)

Igualmente, esta Corte, no dia 07 de novembro de 2017, examinou a questão em debate, decidindo, à unanimidade, pela irretroatividade da norma, inclusive do próprio dispositivo legal ora examinado.

Transcrevo trecho do voto do eminente relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol (RE 60-91) que, ao início do voto, analisou a irretroatividade do art. 37 da Lei n. 9.096/95 e, depois, fez expressa remissão à Lei n. 13.488/17 (Reforma Eleitoral):

Considerando a natureza da irregularidade e o montante apurado (R$ 78.716,35), o qual não se enquadra como insignificante – considerado de forma absoluta ou proporcional –, com esteio nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade largamente adotados neste Tribunal, fixo em 02 (dois) meses a suspensão, com perda, do recebimento das quotas do Fundo Partidário, tal como prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, em vigor durante o exercício financeiro de 2013, antes do advento das alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15.

Explico.

A defesa requereu, em caso de sanção, a aplicação da nova redação do caput e do § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, dada pela Lei n. 13.165/15, sob o argumento de se tratar de “lei mais benéfica”, excluindo-se, por via de consequência, a pena de suspensão de quotas do Fundo Partidário, in verbis:

"Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

[…]

§ 3º A sanção a que se refere o caput deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de um a doze meses, e o pagamento deverá ser feito por meio de desconto nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, desde que a prestação de contas seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, em até cinco anos de sua apresentação. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)"

Na linha da jurisprudência deste Tribunal, as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, que suprimiu a sanção de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes de sua vigência, merecendo relevo o acórdão de relatoria do Des. Paulo Roberto Lessa Franz, julgado em 08.10.2015, nos autos do RE 31-80.2015.6.21.0008.

"Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das cotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Provimento negado. (TRE-RS. RE 31-80, relator Des. Paulo Roberto Lessa Franz, J. Sessão de 08.10.2015.) "

De forma mais recente, o Tribunal Superior Eleitoral também já se manifestou:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO REGIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. DESAPROVAÇÃO.

Agravo regimental

[…]

6. A título de obiter dictum e para efeito de orientação, a regra do novo caput do art. 37 da Lei nº 9.096/95, introduzida pela Lei nº 13.165/2015, somente pode ser aplicada na hipótese de desaprovação de contas por irregularidades apuradas nas prestações de contas apresentadas a partir da vigência do novo dispositivo, ou seja, a partir daquelas que vierem a ser prestadas até 30 de abril de 2016 em relação ao exercício atual (2015), ao passo que as sanções aplicáveis às prestações de contas referentes aos exercícios anteriores devem seguir a legislação vigente no momento da sua apresentação.

Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE. Recurso Especial Eleitoral n. 6548, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume, Tomo 164, Data 25.08.2016, Página 35.) (Grifei.)"

Trago à colação trecho do referido acórdão do TSE, cujos fundamentos agrego à presente decisão:

"Na espécie, a nova regra do caput do art. 37 da Lei n. 9.096/95 não traz nenhuma indicação de sua aplicação às prestações de contas já julgadas pelas instâncias ordinárias, razão pela qual não há como reconhecer a sua aplicação às situações já consolidadas que foram apreciadas pelo Poder Judiciário de acordo com as regras vigentes, tanto no momento da consolidação dos fatos que estão retratados (ou não) nos demonstrativos apresentados pelas agremiações partidárias, quanto no momento da prestação jurisdicional caracterizada pela prolação das sentenças e dos acórdãos que examinaram e decidiram as mencionadas prestações de contas.

Também nesse ponto, a alegação de que a matéria seria de ordem pública não tem importância para a análise da questão, visto que “o disposto no art. 50, inc. XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF.” (ADI n° 493, rei. Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 4.9.1992)."

A impossibilidade de a lei nova ser aplicada aos fatos consolidados antes da sua edição - não para deles retirar efeitos futuros, como ocorre no caso da retrospecção da norma, mas, sim, para considerá-los ou não passíveis de sanção de natureza administrativa - torna-se mais forte ainda no âmbito do Direito Eleitoral, em que o princípio previsto no art. 16 da Constituição Federal aponta que as alterações legislativas que tenham reflexo no processo eleitoral somente são aplicáveis às eleições futuras que ocorrerem um ano após a edição da norma. De outro lado, o Direito Eleitoral - que também é composto pelas regras partidárias - tem como princípio fundamental a igualdade de chances entre os candidatos e entre os partidos políticos, de modo a assegurar que os direitos e deveres sejam respeitados e aplicados de forma igualitária nos pleitos eleitorais.

Assim, a aplicação de uma lei nova, para reduzir as sanções aplicadas aos partidos políticos cujas prestações de contas relativas aos exercícios passados ainda não foram examinadas ou acobertadas pela coisa julgada, atrairia desequilíbrio e desigualdade em relação àquelas agremiações que, conformando-se com as decisões proferidas pela Justiça Eleitoral, se submeteram às suspensões que lhes foram impostas em processos jurisdicionais.

Portanto, por esses fundamentos, a orientação possível de ser adotada caminha no sentido de considerar que a regra do novo caput do art. 37 da Lei no 9.096/95, introduzida pela Lei no 13.165/15, somente pode ser aplicada na hipótese de desaprovação de contas por irregularidades apuradas nas prestações de contas apresentadas a partir da vigência do novo dispositivo, ou seja, a partir daquelas que vierem a ser prestadas até 30 de abril de 2016 em relação ao exercício atual (2015), ao passo que as sanções aplicáveis às prestações de contas referentes aos exercícios anteriores devem seguir a legislação vigente no momento da sua apresentação.

Idêntica solução também se aplica à tese da retroação da Lei n. 13.488/17, haja vista que as recentes alterações promovidas envolvem regras de direito material e não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. (Grifei.)

Destarte, não obstante os respeitáveis argumentos apresentados pelos recorrentes, tenho que a orientação que assegura igualdade - e é consentânea com os princípios processuais constitucionais e com o ato jurídico perfeito - é aquela que aplica a nova disposição prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, levada a efeito pela Lei n. 13.488/17, a doações realizadas apenas a partir da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017. Dessa forma, apenas as normas de direito processual aplicam-se às prestações de contas passadas e só agora julgadas, devendo prevalecer o direito material previsto à época dos fatos.

Com efeito, as razões dos recorrentes não se sustentam, devendo os recursos recebidos de fonte vedada ou de origem não identificada ser recolhidos, conforme prevê o art. 14, caput, combinado com o § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14, que determina a transferência dos valores irregulares recebidos ao Tesouro Nacional, por meio de GRU, até o último dia do mês subsequente à efetivação do crédito em conta bancária específica, sendo vedada a devolução aos doadores originários.

No entanto, no caso concreto, percebe-se que, mesmo após ter sido informado sobre o recebimento de valores de origem vedada durante todo o processo de prestação de contas, não cuidou o partido de estorná-los, fato que, de pronto, atrai a aplicação do art. 46 da Resolução TSE n. 23.432/14, in verbis:

Art. 46. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o órgão partidário sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12 desta resolução, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 desta resolução, o órgão partidário ficará sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano; e

Não obstante a previsão do art. 46 da Resolução n. 23.432/14, a sentença, utilizando-se de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, definiu a suspensão das quotas do fundo partidário durante 5 meses, período que deve ser mantido, pois a agremiação partidária recebeu contribuições de fontes vedadas que perfazem o percentual de 49,72% das receitas do partido.

Tais doações afrontam ao art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, pois provenientes de pessoas que desempenham funções de autoridade perante a Administração Pública.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, assim prescrevia, por ocasião do julgamento da demanda e da interposição do recurso:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[….]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Nesse diapasão, também disciplina o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

XII – autoridades públicas;

(…)

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

No que diz respeito ao argumento do recorrente quanto ao conceito de autoridade traçado por Helly Lopes Meireles e sua distinção quanto aos doadores do partido, mencionados nos autos, cabe considerar que a vedação da doação de autoridade decorre de dispositivo da Lei dos Partidos Políticos vigente ao tempo dos fatos. As resoluções sobre prestação de contas editadas pela Justiça Eleitoral apenas reproduzem, nesse ponto, a disposição legal.

Vale lembrar que a definição de “autoridade” vem sendo dada pela jurisprudência eleitoral, o que, de nenhum modo, implica a violação do princípio da legalidade ou da separação dos poderes. Nas palavras de Dinamarco (A Instrumentalidade do Processo, 14ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiro Editores, 2009, p. 132), “a força que tenha a tomada de posição do juiz, ou que tenham as repetidas decisões coincidentes (tanto maior quanto mais elevado for o órgão jurisdicional), é mera influência moderada, ou seja, influência que não chega a caracterizar-se como poder”.

É o caso do Recurso Especial Eleitoral n. 4930, da relatoria do Min. Henrique Neves da Silva, publicado em 20.11.2014, onde se estipulou que o “(…) conceito de autoridade pública deve abranger os agentes públicos e servidores públicos, filiados ou não a partidos políticos, investidos de funções de direção ou chefia (...)” (Grifei.)

Quanto a contribuições advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, permanece o consenso jurisprudencial de que configura falha o recebimento de doações de ocupantes de cargos aos quais são conferidas prerrogativas de direção e chefia, tal qual demonstra o entendimento desta Corte:

Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012.

Verificada a existência de recursos de origem não identificada, bem como de arrecadações oriundas de fontes vedadas, realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, na condição de autoridades e desempenhando funções de direção ou chefia. No caso, Chefe de Gabinete, Coordenador-Geral e Diretor.

Nova orientação do TSE no sentido de que tais verbas - de origem não identificada e de fontes vedadas - devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15.

(...)

Desaprovação.

(Prestação de Contas n. 7242, Acórdão de 04.5.2016, Relatora DESA. MARIA DE LOURDES GALVÃO BRACCINI DE GONZALEZ, Publicação: DEJERS – Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 79, Data 06.5.2016, Página 3.) 

No que diz respeito à tese dos recorrentes quanto à violação à liberdade constitucional de livre associação, não há o que se ponderar, uma vez que não se pode confundir a associação por meio da filiação partidária com a doação de recursos para o partido. Além disso, é certo que os filiados a partidos políticos podem dispor livremente de seus rendimentos, mas na medida em que a lei define como sendo de fonte vedada as contribuições provenientes de autoridades, ao juiz cabe tão somente delimitar os limites do comando normativo e aplicar a lei, não constituindo a suposta natureza privada das contribuições argumento suficiente para afastar sua ilegalidade. Se assim o fosse, a figura da fonte vedada seria letra morta, pois em muitas hipóteses estão arroladas pessoas ou entidades de natureza privada.

Ao contrário do que defendem os recorrentes, a limitação é impositiva e possui eficácia erga omnes: detentor de cargos de chefia ou direção na Administração Pública direta ou indireta não pode repassar valores a partidos políticos, não havendo conflito algum entre a vedação e o disposto nas normas constitucionais e infraconstitucionais, nem em relação aos princípios invocados na peça recursal.

Menciono, por cabível, que a análise aqui estampada se dá na estrita consideração das normas vigentes por ocasião do julgamento na instância a quo e do recurso.

Ante o fato de serem incontroversas as práticas irregulares, impõe-se a manutenção da sentença, visto que se trata de vícios de natureza grave e insanável, capazes de, singularmente, resultar na desaprovação das contas, conforme entendimento do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. DESPROVIMENTO.

(…)

6. Segundo a jurisprudência do TSE, o recebimento de recursos de fonte vedada, em regra, é irregularidade capaz de ensejar, por si só, a desaprovação das contas.

7. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14022, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 230, Data 05.12.2014, Página 86.)

Diante do exposto, voto pelo desprovimento do recurso, ao efeito de confirmar a sentença no que concerne à desaprovação das contas, suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 5 meses, recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores recebidos (a) de origem não identificada, na quantia de R$ 213,86 (duzentos e treze reais e oitenta e seis centavos), e (b) de fonte vedada, no montante de R$ 5. 921,99 (cinco mil, novecentos e vinte e um reais e noventa e nove centavos), com fulcro nos arts. 46, inc. II, c/c art. 48, § 2º, ambos da Resolução TSE n. 23.432/14, bem como no art. 60, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, totalizando-se o valor de R$ 6.135,85 (seis mil, cento e trinta e cinco reais e oitenta e cinco centavos).