RE - 2566 - Sessão: 22/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de TIO HUGO, por VERNO ALDAIR MULLER e ADEMAR ALTHAUS contra a sentença do Juízo da 117ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 685,57, recebidos sem identificação do doador originário, e de R$ 3.404,97, oriundos de fontes vedadas, bem como fixou a suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 4 meses (fls. 220-231).

Em suas razões (fls. 247-266), os recorrentes sustentam que as verbas consideradas oriundas de fontes vedadas representam doações voluntárias realizadas, em sua grande maioria, por filiados. Afirmam que as contribuições têm amparo no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17. Asseveram que o Estatuto do PDT expressamente dispõe sobre as contribuições obrigatórias dos filiados quando titulares de mandatos eletivos e ocupantes de cargos de confiança nos Poderes Executivos. Argumentam que a proibição viola o direito de livre associação e a autonomia do filiado de dispor de sua remuneração. Citam doutrina administrativista para fundamentar a alegação de que os contribuintes não são autoridades públicas ou ordenadores de despesas, mas meros agentes públicos sem poder decisório. Referem que este posicionamento foi acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral por meio do art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17. Defendem, assim, que apenas sete dos doadores relacionados não eram filiados ao partido. Consideram que as alterações legislativas benéficas têm aplicação imediata e retroativa, sob pena de extinção das agremiações que sobrevivem das contribuições de seus filiados. Ao final, requerem seja julgado procedente o recurso, a fim de aprovar as contas, ou, alternativamente, aprovar com ressalvas, bem como seja afastada qualquer responsabilidade dos dirigentes partidários e canceladas as penalidades aplicadas ou, ao menos, reduzidas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 291-299v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

No mérito, o partido teve suas contas relativas do exercício de 2016 julgadas desaprovadas em razão do reconhecimento de duas irregularidades. A primeira refere-se ao recebimento de recurso sem identificação do CPF ou CNPJ dos doadores originários, no somatório de R$ 685,57. A seguinte consiste no crédito de doações auferidas de fontes vedadas de recursos, representadas por pessoas físicas detentoras de cargos demissíveis ad nutum na Administração Pública, no montante de R$ 3.404,97.

Inicialmente, registro que o recorrente limitou objetivamente o seu apelo à impugnação do capítulo da sentença concernente ao recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas. Desse modo, a teor do art. 1.013 do CPC, não estando pendentes outras questões de ordem pública, a apreciação recursal circunscreve-se ao ponto expressamente impugnado, estando preclusa a discussão acerca das receitas de origem não identificada.

No tocante à irregularidade contestada, o órgão técnico de análise identificou doações originárias de pessoas físicas em exercício de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, no montante de 3.404,97, conforme discriminado às fls. 194-201 do parecer técnico conclusivo.

A vedação em tela é veiculada pelo art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos, em sua redação original, e regulamentada pelo art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2016:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

IV – autoridades públicas.

 

Por sua vez, o conceito de autoridade previsto nos dispositivos em comento abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Grifei.)

 

A mesma inteligência é trazida pela norma interpretativa contida no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

 

Sustentam os recorrentes que os doadores eram meros agentes públicos, sem poder decisório e sem atribuições de ordenadores de despesas, não se enquadrando, por isso, na moldura normativa.

Contudo, a incidência de regra contenta-se com o exercício de função de chefia e direção, ou seja, com a ascendência hierárquica sobre outros servidores. Essa característica funcional está ínsita nas próprias nomenclaturas dos cargos em comissão, quais sejam, Diretor de Cultura, Turismo e Eventos, Diretor de Escola, Diretor de Programas Sociais, Diretor de Departamento de Saneamento, Diretor de Obras Públicas, Diretor de Ações da Melhor Idade, Chefe de Gabinete do Prefeito, Diretor Pedagógico, Diretor de Desenvolvimento Rural, Diretor de Licenciamento Ambiental, Diretor de Vigilância em Saúde, Diretor de Patrimônio, Diretor de Defesa Civil, Chefe de Departamento, Diretor de Trânsito e Mobilidade Urbana, Diretor de Assistência Social, Diretor de Produção e Sanidade Animal e Diretor de Programas do Desenvolvimento.

Considerando que, nos termos do art. 37, inc. V, da Constituição Federal de 1988, os cargos comissionados e as funções de confiança existentes na Administração Pública são apenas para desempenho de três funções, direção, chefia ou assessoramento, cumpriria ao interessado demonstrar que as designações funcionais não correspondem à realidade das atribuições, do que não se desincumbiu nestes autos.

No aspecto teleológico da norma, a proscrição busca manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, tendo em vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte adicional de recursos, com aptidão de desigualar o embate político-eleitoral entre os partidos que não contam com tal mecanismo.

O Ministro Cezar Peluso, redator da Consulta n. 1428, ao examinar o elemento finalístico da vedação às doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

 

Desse modo, tenho que os bens jurídicos tutelados pela referida restrição, especialmente a paridade entre as agremiações e a moralidade administrativa, justificam a proscrição da receita. Logo, não se sustenta a afirmação de que a proibição em comento representa injusto entrave ao direito dos servidores públicos de participar plenamente das atividades partidárias ou de livremente dispor de sua remuneração, não obstante tenha sido conferido ulterior regramento à matéria em sentido diverso.

No ponto, observo que este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta, mediante juízo de ponderação de valores, posicionou-se pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.)

(Grifei.)

 

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Diante desse regime jurídico, a existência de imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Outrossim, não cabe indagar o caráter de liberalidade da doação ou qualquer outra circunstância de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Ademais, é de se ressaltar que a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, o constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não impede a sobrevivência do partido nem agride sua autonomia financeira, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos por diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, não representa propriamente uma sanção, mas um consectário normativo cujo escopo é garantir a efetividade da proibição de recursos de fontes vedadas, os quais, se recebidos, não devem permanecer no patrimônio da agremiação, razão pela qual não comporta reforma.

Outrossim, diante do montante arrecadado de fontes vedadas ser expressivo (R$ 3.404,97), representando o percentual de 41,95% das receitas do partido, deve ser mantida a desaprovação das contas na origem, não sendo viável a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

No tocante à sanção contida no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, reproduzido pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE 23.464/15, tenho que o período de 4 meses fixado na sentença é adequado à gravidade e ao quantum da irregularidade, sem inviabilizar a manutenção das atividades do partido, não merecendo reforma.

Entendo igualmente acertada a multa incidente sobre o valor irregular, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15, estipulada no percentual de 9%, sendo consentânea com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e suficiente para punir a infração cometida, considerando a natureza das falhas e suas repercussões sobre o conjunto das contas.

Por fim, os recorrentes pugnam pelo afastamento de qualquer responsabilidade pessoal, civil ou criminal dos dirigentes da agremiação. Entretanto, não há interesse recursal no pedido, posto que a sentença está claramente exarada no sentido de aplicar os sancionamentos exclusivamente à esfera partidária responsável pela irregularidade, nos exatos termos do art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/97, sem impingir condenação pessoal ou tornar devedores os integrantes da direção partidária.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.