RE - 5565 - Sessão: 20/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de SAGRADA FAMÍLIA em face da sentença do Juízo da 32ª Zona Eleitoral – Palmeira das Missões – que desaprovou sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2016 (fls. 99-102).

Em suas razões, sustenta que a documentação juntada aos autos não foi observada. Defende que a prova colhida nos autos confirma que a prestação de contas está de acordo com a legislação, devendo a mesma ser aprovada, ainda que com ressalvas. Argumenta que a contabilidade foi justificada de forma suficiente e que as falhas não comprometem a totalidade das contas. Aduz tratar-se de pequenos valores, aplicável a insignificância, e que o valor de R$ 16.191,64 resta devidamente justificado. Postula o provimento do recurso e a reforma da decisão (fls. 106-109).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso, em virtude da ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida; pela anulação da sentença, devido à falta de aplicação do disposto no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, c/c art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15; e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 115-128v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é adequado e tempestivo.

Quanto ao conhecimento, deve ser enfrentada a questão da impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida, requisito que, não observado, determina o não conhecimento do recurso (art. 932 do Código de Processo Civil de 2015).

Na espécie, a prestação de contas foi desaprovada devido à ausência de informação sobre a existência de conta bancária que movimentara recursos de campanha eleitoral, omitindo valores no montante de R$ 13.252,78, e do recebimento de recursos de fonte vedada (R$ 240,25).

Conforme reportado no relatório, o recurso sustenta que a documentação juntada aos autos não foi observada; que a prova colhida confirma que a prestação de contas está de acordo com a legislação e que deve ser aprovada; que as contas foram justificadas de forma suficiente; que as falhas não comprometem a totalidade das contas; que os valores apontados são pequenos, aplicável a insignificância; e que o valor de R$ 16.191,64 resta devidamente justificado.

Como se percebe, nenhum dos fundamentos da sentença é enfrentado. Sequer a tese da insignificância e da justificação dos valores poderia, por sua amplitude de conhecimento, ser considerada fundamento do recurso, sobretudo se observado que o valor de R$ 16.191,64 não se refere somente a máculas apontadas na decisão, e sim ao somatório das irregularidades, acrescido da multa pela desaprovação, qual seja: R$ 13.252,78 oriundos da omissão de receitas, R$ 240,25 oriundos de fonte vedada e multa de 20% do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em outras palavras, o recurso sustenta que o montante de R$ 16.191,64 restou devidamente justificado, mas a sentença apontou que irregularidades em valor diverso e menor (R$ 13.493,03 = R$ 13.252,78 + R$ 240,05) justificavam a desaprovação das contas. O valor da multa é consectário da desaprovação e em nenhuma circunstância poderia ser justificado pelo prestador, razão pela qual se aponta o dissenso entre a decisão e o recurso no ponto específico.

Veja-se que o princípio da dialeticidade determina que as razões do recurso são elemento indispensável para que o tribunal possa apreciar-lhe o mérito, considerando que o julgamento nada mais é do que um cotejo lógico-argumentativo entre a motivação da decisão impugnada e os argumentos do recorrente.

Acerca da necessidade de enfrentamento dos fundamentos da sentença, trago lição doutrinária:

O princípio do contraditório exige do recorrente a exposição de seus fundamentos recursais, indicando precisamente qual a injustiça ou ilegalidade da decisão impugnada. Essa exigência permite que o recurso tenha efetivamente uma característica dialética, porque somente diante dos argumentos do recorrente o recorrido poderá rebatê-los, o que fará nas contrarrazões recursais. É de fato impossível ao recorrido rebater alegações que não existam, ainda que sabidamente as contrarrazões se prestem a defender a legalidade e a justiça da decisão impugnada. Significa dizer que a tônica da manifestação é presumível, mas os seus limites objetivos somente poderão ser determinados diante da fundamentação da pretensão recursal.

Por outro lado, o pedido se mostra indispensável na formulação de qualquer recurso porque, ao lado da fundamentação, limita a atuação e decisão do Tribunal, considerando-se a regra do tantum devolutum quantum appelatum (art. 1.013, caput, do Novo CPC). Em decorrência do princípio dispositivo, que norteia a existência e os limites - ao menos em regra - do recurso, a atuação jurisdicional do Tribunal estará vinculada à pretensão do recorrente, exposta em sua fundamentação e em seu pedido, o que demonstra claramente a importância do princípio da dialeticidade.

Todos os recursos deverão ser devidamente fundamentados, quando interpostos oralmente. Na verdade, a concisão é uma decorrência lógica da forma oral de interposição do recurso, mas não existe qualquer vício em fundamentação concisa em recursos escritos, desde que suficiente para demonstrar as razões do inconformismo do recorrente. É o que geralmente ocorre, por exemplo, nos embargos de declaração, que comumente são elaborados de forma concisa, ainda que obrigatoriamente devam ser interpostos sob a forma escrita (exceção feita aos Juizados Especiais Cíveis - art. 49 da Lei 9.099/1995, que admite a forma oral de interposição).

Segundo entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, a fundamentação recursal deve impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, sob pena de inadmissão do recurso.

(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil -Volume único. 9. ed. - Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 1590)

Ilustro a menção feita pelo doutrinador ao entendimento jurisprudencial com recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MP/SE EM DESFAVOR DE EX-PREFEITO DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO/SE, AO ARGUMENTO DE QUE O EX-ALCAIDE PROMOVEU CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO E CRIOU CARGOS PARA PROVIMENTO EM COMISSÃO EM QUANTIA DESPROPORCIONAL AOS SERVIDORES EFETIVOS, MOTIVO PELO QUAL TERIA INCORRIDO EM OFENSA AOS MAIS CAROS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS, CONDUTA QUE SE AMOLDARIA AO ART. 11, V (FRUSTRAR A LICITUDE DE CONCURSO PÚBLICO) DA LEI 8.429/92. CONDENAÇÃO À SANÇÃO DE MULTA CIVIL EM UMA VEZ O VALOR DO SUBSÍDIO PERCEBIDO PELO AGENTE POLÍTICO, EXCLUINDO-SE, POR RAZOABILIDADE, AS REPRIMENDAS DE SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS E DE PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO, IMPOSTAS EM SENTENÇA. DECISÃO UNIPESSOAL DESPROVEU O APELO NOBRE POR AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O PARADIGMA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA CONHECIMENTO.

1. A decisão monocrática ora recorrida negou provimento ao Apelo Nobre interposto sob o fundamento de que o acórdão impugnado trata de situação fática totalmente diversa dos arrestos apontados como paradigmas.

2. No entanto, verifica-se que o Agravo Interno interposto não apresenta qualquer elemento que infirme tal conclusão, isto é, não demonstra que a situação fática dos autos é semelhante à dos arrestos ditos como paradigmáticos.

3. Dessa forma, à luz do princípio da dialeticidade, não comporta conhecimento a pretensão recursal que não impugna especificamente todos fundamentos da decisão recorrida, a teor dos arts. 932, III e 1.021, § 1o do Código Fux.

4. Agravo Interno do Particular a que se nega conhecimento.

(AgInt no AREsp 254.890/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23.10.2018, DJe 30.10.2018.)

Analisando-se as razões recursais, observa-se que o recurso limitou-se a afirmar a regularidade das contas, sequer mencionando quais seriam as máculas que poderiam ser superadas, isto é, não impugnou especificamente a decisão contra a qual se insurge.

Como se sabe, compete ao recorrente demonstrar o desacerto da decisão combatida, sob pena de não conhecimento do recurso, ante a ausência de regularidade formal, conforme resta expresso no art. 932, inc. III, do Código de Processo Civil de 2015.

Ainda, não é caso de aplicação do art. 932, parágrafo único, do mesmo diploma processual, diante da impossibilidade de saneamento do vício – suplementação da fundamentação do recurso -, nos termos do entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE n. 953221 AgR/SP, em 07..6.2016.

Assim, não deve ser conhecido o recurso.