RE - 2813 - Sessão: 21/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra a sentença (fls. 96-97), que aprovou com ressalvas as contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT de ARARICÁ relativas ao exercício do ano de 2015.

O Ministério Público Eleitoral recorre (fls. 102-104), afirmando que o partido deixou de apresentar extratos bancários contemplando todo o exercício financeiro em análise, os quais demonstrariam a movimentação financeira ou a sua ausência. Também aponta a omissão na apresentação dos livros Diário e Razão. Aduz que restou inviabilizado o completo e seguro acompanhamento das finanças do partido e requer o recebimento e o provimento do recurso para o fim de desaprovação das contas apresentadas pelo diretório municipal.

O partido silenciou quando intimado para apresentação de contrarrazões (fl. 122).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, ante a ausência de aplicação da norma vigente à época – Resolução TSE n. 23.432/14, em detrimento da Resolução TSE n. 21.841/04. No mérito, opinou pelo provimento do recurso para desaprovar as contas, diante da ausência de apresentação dos extratos bancários correspondentes a todo o exercício em análise, determinando-se, assim, a suspensão do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de 12 (doze) meses e o recolhimento da quantia de origem não identificada ao Tesouro Nacional (fls. 126-131v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 12.6.2018 (fl. 100) e, em 14.6.2018, foi interposto o recurso (fl. 101).

Assim, o recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos, merece conhecimento.

Da nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral alega que o magistrado a quo laborou com erro em relação à norma aplicável ao mérito da presente prestação de contas, que se refere ao exercício de 2015, uma vez que aplicou a Resolução TSE n. 21.841/04 quando deveria ter empregado a Resolução TSE n. 23.432/14.

Destaca ainda que, diferentemente da resolução de 2004, a norma de 2014 impõe, em seus arts. 7º e 8º, que as doações sejam identificadas através do CPF dos doadores, não bastando a mera declaração partidária, o que não teria sido observado no presente processo, uma vez que a referida análise não foi efetuada.

Assim, entende que a sentença deva ser anulada para que nova seja proferida, observando os requisitos regulamentares.

Entretanto, na hipótese concreta, apesar dos judiciosos argumentos trazidos pelo Ministério Público Eleitoral, tenho por superar a preliminar.

Reconheço que a norma aplicável ao caso é a Resolução TSE n. 23.432/14 e que a sentença impugnada consignou que a “análise de mérito será realizada de acordo com a Resolução TSE n. 21.841/04” e que a aprovação com ressalvas se fundamentou “nos termos do art. 27  II da Resolução TSE nº 21.841/04” (fls. 96-97).

No entanto, a fundamentação da decisão vale-se de institutos comuns a ambos os regramentos, de forma a ser possível considerar que a indicação da norma equivocada possa ser tomada como simples erro material.

Vejamos:

Tempestivas as contas apresentadas, sucessivas análises foram feitas por servidores designados, com relatórios juntados aos autos, tudo em cumprimento ao rito da citada Resolução. Em que pese manifestação da equipe técnica estarem presentes os elementos mínimos para análise das contas quanto ao cumprimento das normas legais ou regulamentar de natureza contábil, restou parecer conclusivo pela aprovação das constas com ressalvas das contas, apesar de ter sido oportunizada manifestação e/ou juntada dos extratos bancários e documentação complementar. Irregularidade grave e passível de desaprovação. No entanto, entendo que o demostrativo de contribuições recebidas (fl. 20) e os extratos parciais apresentados estão coerentes com o restante da documentação, além de tratarem-se de contribuição do próprio presidente da agremiação partidária. Ainda, trata-se de valor irrisório, e não tendo sido constatado indícios de recursos de fontes vedadas, de origem desconhecida e recebimento de recurso do fundo partidário tenho por estarem presentes os requisitos para aprovação das contas com ressalvas.

Em especial, o caso dos autos é singular, em virtude de a análise técnica das contas ter sido realizada com base na resolução pertinente, ou seja, a Resolução TSE n. 23.432/14.

Em vários trechos do Parecer Conclusivo do Exame das Contas (fl. 50 e v.), existe menção expressa à resolução correta, como quando se afirma que a análise foi realizada “de acordo com as normas estabelecidas pela Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, regulamentada pela RESOLUÇÃO TSE N. 23.432, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2014”; que o edital foi publicado “nos termos do art. 32 da Lei 9.096/95 e Resolução  TSE n. 23.432/15”; “não sendo identificados gastos irregulares em relação […] a origem dos recursos para fins de observância das vedações previstas nos art. 12 da Resolução n. 23.432/14” e, finalmente, na conclusão quanto à “aprovação com ressalvas das contas, com fulcro no inc. I do art. 45 da Resolução TSE n. 23.432/14”.

Ademais, a própria sentença reconheceu que as receitas auferidas pelo partido no exercício – no total de R$ 167,00 - são oriundas “de contribuição do próprio presidente da agremiação partidária”, de forma que é possível afirmar que os recursos foram devidamente identificados.

Assim, quanto ao ponto específico, entendo não haver irregularidade que justifique a anulação da sentença, sendo que a equivocada indicação da legislação pertinente, no confronto com a fundamentação exarada, constituiu mero erro material. O retorno dos autos à origem representaria um ato desnecessário, desconforme com a economia processual e com o resultado útil do processo, pois não acarretaria modificação no julgamento do mérito.

Rejeito a preliminar.

Do mérito

No mérito, o Ministério Público Eleitoral recorre da sentença que aprovou com ressalvas as contas de exercício, ano 2015, do PT de Araricá. Em resumo, entende que a ausência de apresentação dos extratos bancários correspondentes a todo o exercício em análise compromete a confiança na contabilidade e deve refletir na rejeição das contas.

A tais razões, alinha-se o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Ocorre que, no caso em tela, a juntada de extratos pelo período integral do exercício não é possível, em virtude de a agremiação não ter mantido conta bancária durante todo o ano de 2015.

A nota explicativa da fl. 30 menciona que a conta-corrente do partido foi encerrada em 03.9.2013, havendo nova abertura apenas em 27.8.2015, o que é corroborado pelo documento fornecido pela instituição bancária (fl. 31) e pela proposta de abertura das fls. 32-33.

Os extratos bancários colacionados na instrução demonstram a movimentação financeira no período de 1º.8.2015 a 15.9.2015 (fl. 28) e 04.9.2015 a 31.12.2015 (fl. 29).

Da mesma forma, esses comprovantes evidenciam que os depósitos realizados na conta-corrente destinaram-se unicamente a quitar as despesas bancárias do exercício, que importaram em R$ 122,40, único gasto registrado no balanço contábil.

É sabido que esta Corte se posiciona pela imprescindibilidade da abertura de conta bancária para registro e verificação da movimentação financeira do partido político. Esse posicionamento, no entanto, pode ser excepcionado quando as circunstâncias do caso concreto demonstrem que a transparência e a confiança na contabilidade não foram maculadas pela omissão do prestador de contas.

Na hipótese, a conta bancária foi encerrada em 2013 e o partido apenas providenciou a abertura de outra quando já decorridos vários meses do exercício contábil de 2015.

Também está consignado, no contrato firmado com a instituição financeira, que “4.2 A Conta Será Encerrada Quando: Decorrido 120 dias da última movimentação e estando a conta com SALDO ZERO, sem pendência de encargos e/ou aplicações;” (sic) (fls. 32-33), o que é indício de que a grei não tem movimentação financeira efetiva, apenas mantém a relação bancária para atender à legislação eleitoral.

O Tribunal já teve a oportunidade de discutir profundamente caso bastante assemelhado nos autos do Recurso Eleitoral n. 32-33, de relatoria do Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes. Naquela ocasião, por maioria, decidiu-se que o encerramento da conta-corrente de partido político pelo banco, em função da falta de movimentação financeira, é situação que não contamina automaticamente a contabilidade em razão da ausência de extratos bancários do período integral, considerando a realização apenas de despesas operacionais de pequeno valor, devidamente documentadas, verbis:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Exercício financeiro 2014.

Matéria preliminar rejeitada. 1. Manutenção apenas do partido como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, e mais recentemente da Resolução TSE 23.464/15, não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários por se tratar de matéria afeta a direito material. Ausência de prejuízo e de resultado útil ao processo. 2. A intimação do órgão partidário pelo Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral afasta o alegado cerceamento de defesa. Regularidade do ato de comunicação

processual, nos termos do art. 43 da Resolução n. 23.432/14.

Encerramento automático da conta corrente pelo banco em função da falta de movimentação financeira. Demonstrada a realização apenas de despesas operacionais, de pequeno valor, documentadas nos autos, situação em que a ausência de extratos bancários não possui a magnitude necessária para atrair a desaprovação das contas.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, nas prestações de contas anuais de partido político, quando a falha não obsta o controle e a fiscalização da Justiça Eleitoral. Entendimento incorporado na Lei n. 13.165/15, que instituiu a reforma eleitoral, ao dispor no § 4º do art. 32 da Lei n. 9.096/1995, que os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral.

Reforma da sentença para aprovar a prestação de contas com ressalvas.

Provimento parcial.

(Julgado em 17.08.2016, publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 151, Data 19.08.2016, Página 3.) (Grifei.)

Nestes autos, o relatório conclusivo do exame das contas atestou a presença de elementos mínimos para a análise da contabilidade, bem como a sentença avaliou que a movimentação é coerente e que “trata-se de valor irrisório, não tendo sido constatados indícios de recursos de fontes vedadas, de origem desconhecida e recebimento de recurso do fundo partidário”.

A posição do Regional, que atenua excepcionalmente a exigência de manutenção da conta bancária por todo o exercício, está alinhada ao Tribunal Superior Eleitoral, que também admite a aprovação das contas com ressalvas quando, não obstante ausente a abertura de conta bancária, for possível por outros meios atestar a regularidade da movimentação financeira, como afirmado no REspe 1151-17, de relatoria do Min. Henrique Neves, publicado em 18.10.2013.

Penso que o juízo de aprovação com ressalvas é o mais adequado, sobretudo diante da movimentação de valores pouco expressivos, da escassez de recursos para manutenção do partido e por não haver recursos públicos envolvidos.

Repriso que o total arrecadado no exercício foi de R$ 167,00, reconhecido na sentença como sendo depósito realizado pelo presidente do partido, e que os gastos, que unicamente custearam tarifas bancárias, alcançaram o patamar de 122,40, com superávit de R$ 44,60 no ano-calendário (fls. 16-18).

As circunstâncias do caso - diretório de partido localizado em pequeno município do interior, escassa movimentação de recursos, ausência de recursos públicos - permitem afirmar que a falta de extratos do período integral não impediu o controle da contabilidade pela Justiça Eleitoral, dadas as circunstâncias assinaladas.

Cabe ressaltar, da mesma forma, que as ressalvas apostas na contabilidade e as teses desenvolvidas no recurso não estão amparadas na ausência de abertura de conta bancária, mas na falta de extratos do período integral, e que os documentos colacionados aos autos retratam toda a movimentação bancária no período em que a conta esteve ativa.

Ainda, a questão da omissão na apresentação dos livros Diário e Razão deve ser enfrentada.

Na verdade, embora o recurso afirme a omissão dos registros, o que de fato ocorreu nos autos foi a omissão na autenticação das peças contábeis, formalidade prevista no § 3º do art. 26 da Resolução TSE n. 23.432/14. A intimação da agremiação para o suprimento de tal falha, com base no § 4º da norma mencionada (art. 41), indica que o Município de Araricá não dispõe de registro digital nos Cartórios de Registro Público, de forma que a exigência poderia ser suprida pelo registro do Livro Diário físico, obtido a partir da escrituração digital.

Mesmo com a omissão no atendimento da intimação, é de se entender que a formalidade não prejudicou o exame da movimentação financeira, como se extrai do parecer conclusivo do exame de contas (fl. 50).

A falha pode ser considerada mera impropriedade, apontamento de natureza formal que não tem potencial para conduzir à inobservância da Constituição Federal ou à infração de normas legais e regulamentares, de forma que deve constituir ressalva na contabilidade e recomendação ao partido para que, nas próximas prestações de contas, observe os requisitos estabelecidos na legislação vigente em cada exercício financeiro.

Esse entendimento prestigia o precedente deste Regional estabelecido no julgamento que transcrevo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA ATINENTE AO EXERCÍCIO FINANCEIRO EXAMINADO. MÉRITO. NÃO APRESENTAÇÃO DO LIVRO RAZÃO. AUSÊNCIA DE AUTENTICAÇÃO DO LIVRO DIÁRIO. CONTA-CORRENTE NÃO DECLARADA. FALHAS DE NATUREZA FORMAL QUE NÃO CONDUZEM À DESAPROVAÇÃO DA CONTABILIDADE. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. CPF INVÁLIDO. FALHA DE PEQUENA MONTA EM RELAÇÃO AO QUANTUM ARRECADADO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DO VALOR AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. A teor do art. 65, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17, ao exame do mérito da contabilidade deve ser aplicada a legislação vigente à época do exercício financeiro examinado.

2. A não apresentação do Livro Razão, a ausência de autenticação no ofício civil do Livro Diário e a existência de conta-corrente não declarada na relação das contas bancárias, na qual verificou-se não haver movimentação financeira, são falhas de natureza formal que não caracterizam infrações de normas legais e regulamentares, devendo constituir-se somente em ressalva nas contas da agremiação partidária.

3. Contribuição de doador com CPF em formato inválido consubstancia-se em doação de origem não identificada que inviabiliza a fiscalização desta Justiça Especializada. Na espécie, em face do pequeno valor da irregularidade, que representa 8,14% da arrecadação, aliado à ausência de má-fé, é permitida a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

Aprovação com ressalvas.

(PC – 12030, Relator DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 66, Data 20.04.2018, Página 6.) (Grifei.)

O parecer da Procuradoria Regional Eleitoral ainda menciona a questão da identificação dos depósitos pela aposição do número de inscrição no CPF do doador e de suposta doação de fonte vedada.

Ocorre que essas questões, não tendo sido enfrentadas pela instância ordinária, não podem ser conhecidas mediante provocação em parecer ministerial, sob pena de supressão de instância.

Aqui, sequer é o caso de se cogitar de reformatio in pejus ou dos limites do tantum devolutum quantum appellatum, visto que não se trata de consectário de condenação ou decorrência lógica de decisão, mas sim do próprio conhecimento e enfrentamento de supostas irregularidades que não foram objeto de cognição em primeira instância.

Diante do exposto, VOTO para afastar a preliminar de nulidade e pelo desprovimento do recurso do Ministério Público Eleitoral, mantendo integralmente a decisão que aprovou com ressalvas as contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT de ARARICÁ relativas ao exercício do ano de 2015.