RE - 1113 - Sessão: 11/02/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de SANTA VITÓRIA DO PALMAR e por ISTÊNIO RONEY PEREIRA, tesoureiro, contra a sentença (fls. 105-110) que desaprovou sua prestação de contas relativa ao exercício de 2016, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 1.050,00, determinando o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 20%, à razão de R$ 210,00, totalizando R$ 1.260,00, na forma de descontos das futuras quotas do Fundo Partidário distribuídas ao partido durante o período de doze meses.

Nas razões recursais, sustentam que os extratos bancários identificam adequadamente o nome e o CPF dos doadores que efetuaram os depósitos. Ponderam que o depósito de R$ 400,00, considerado de origem não identificada, foi realizado por erro e devidamente esclarecido nos autos, ausente má-fé. Afirmam que a multa fixada na sentença correspondeu ao grau máximo da penalidade, sem observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Invocam jurisprudência e requerem a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, ou a redução das sanções para multa de 5% e suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um mês (fls. 120-123).

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a preliminar de anulação da sentença por falta de aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e consequente determinação de suspensão de repasses do Fundo Partidário, requerendo o retorno dos autos à origem ou a aplicação do dispositivo de ofício. Arguiu, ainda, defeito de representação processual do recorrente ISTÊNIO RONEY PEREIRA, em virtude da ausência de procuração nos autos. No mérito, opinou pelo parcial provimento do recurso para reduzir o valor a ser recolhido, de R$ 1.260,00 para R$ 1.155,00, e a multa para 10% e, ainda, determinar, de ofício, a suspensão do Fundo Partidário (fls. 132-145).

Intimado (fl. 147), ISTÊNIO RONEY PEREIRA juntou procuração aos autos (fls. 154-156).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Antes de enfrentar a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, relativa à falta de aplicação da penalidade de suspensão de repasses do Fundo Partidário, prevista no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, cumpre examinar as razões de reforma da sentença alegadas no recurso.

Os recorrentes alegam que, ao contrário da conclusão da sentença combatida, foram identificadas todas as contribuições partidárias recebidas durante o exercício por meio dos extratos bancários das fls. 74-79, que apresentam o nome dos respectivos doadores, e da listagem de doações declarada pela agremiação às fls. 27-28, em que consta seus números de CPF, defendendo que tais documentos afastam o apontamento.

Sem razão.

O parecer técnico das fls. 68-72 é claro ao referir que apesar de haver depósitos bancários identificados apenas com o nome, era possível considerar regular o ingresso desses recursos, mas que 6 (seis) depósitos, no total de R$ 1.050,00, foram realizados sem identificação alguma do doador do recurso, ou seja, sem nome e sem CPF, a saber:

1. Depósito de: 04.8.2016

Valor: R$ 50,00

2. Depósito de: 04.8.2016

Valor: R$ 50,00

3. Depósito de: 05.9.2016

Valor: R$ 450,00

4. Depósito de: 05.9.2016

Valor: R$ 50,00

5. Depósito de: 05.9.2016

Valor: R$ 50,00

6. Depósito de: 05.9.2016

Valor: R$ 400,00

Total: R$ 1.050,00

A listagem das fls. 27-28, produzida unilateralmente pelo partido e sem comprovação alguma, é imprestável para a prova da origem dos recursos.

A legislação é clara ao estabelecer que compete ao partido manter em ordem a sua movimentação bancária, devendo receber recursos financeiros obrigatoriamente por intermédio de cheque cruzado ou depósito identificado pelo CPF do doador, nos termos dos arts. 5º, inc. IV, 7º, 8º, §§ 1º e 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[...]

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

 

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

 

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

A responsabilidade pelo recebimento de depósitos identificados é do partido político, pois as legendas partidárias têm o dever de zelar pela transparência e confiabilidade das contas.

O art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15 veda a arrecadação, direta ou indireta, sob qualquer forma ou pretexto, de recursos de origem não identificada, classificando nessa irregularidade o valor cujo nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte não tenha sido informado ou seja inválido.

Esse é justamente o caso dos autos.

Por sua vez, o art. 14 da norma determina que o órgão partidário recolha o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias, sendo vedada a devolução ao doador originário.

A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave que impede o controle da Justiça Eleitoral, prejudicando a transparência das informações contábeis.

Colaciono recente julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHAS DE REDUZIDA REPRESENTATIVIDADE FRENTE À MOVIMENTAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido de que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

2. Não é permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta quando detenham a condição de autoridades. Recursos procedentes de ocupantes de cargos de chefia e direção, todos considerados fontes vedadas, enquadrados na proibição do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

3. As receitas obtidas por meio de depósito com a indicação do CNPJ do próprio partido devem ser consideradas como de origem não identificada, uma vez descumprido o preceito do art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. As falhas apuradas totalizam 3,41% do total de recursos arrecadados pela agremiação. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento do valor recebido de forma irregular ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – PC 24-44.2017.6.21.0000, relator Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, julgado em 23.10.2018, unânime) (Grifei.)

Como se vê, não se trata de averiguar se a omissão do dado ou a ausência de recolhimento do valor até o último dia útil do mês seguinte ao depósito bancário foi realizada por má-fé - ou na intenção de ocultar receita sob a forma de caixa 2 -, mas de falta plena e insanável de confiabilidade na escrituração contábil.

Além disso, ressalto ser inviável afastar o apontamento do 6° depósito como não identificado, no valor de R$ 400,00 e efetuado em 05.9.2016, com base na singela alegação de equívoco, pois cabe ao partido demonstrar quem era o depositante que atuou por erro, ou seja, de qual fonte partiu a quantia, bem como, que efetivamente devolveu o valor a esse destinatário específico.

Ora, realmente, o extrato bancário aponta o ingresso do depósito e a emissão de cheque em igual valor, mas não há mínima prova de que o recurso, supostamente devolvido, foi repassado para a mesma pessoa, física ou jurídica, que o depositou.

À míngua de provas minimamente convincentes, impõe-se a permanência da conclusão pela desaprovação das contas por força de recebimento de recursos sem origem identificada no total de R$ 1.050,00, quantia que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, conforme determina o art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Quanto à sanção aplicável, entendo que o impacto da irregularidade não é demasiado consistente, alcançando tão somente 13,32% da contabilidade, dado que o total das receitas do exercício é de R$ 7.878,63 (fl. 87), sendo razoável enquadrar como diminuta a quantia correspondente aos depósitos bancários sem identificação do doador.

Tal raciocínio acarreta a redução do percentual da pena de multa fixada na sentença.

Ora, a multa de 20%, por ser o grau máximo de penalidade, deve ser fixada no caso de irregularidade que comprometa integralmente a demonstração contábil, ou seja, 100% dos recursos recebidos.

Na hipótese dos autos, a falha comprometeu cerca de 13,32% da movimentação financeira, então o percentual deve ser enquadrado em 5%, equivalente a R$ 52,50, sanção que se afigura proporcional e adequada às irregularidades constatadas.

Nesses termos, o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional deve ser reduzido para R$ 1.102,50 (R$ 1.050,00 + R$ 52,50).

Quanto às penalidades fixadas na decisão recorrida, observo que há carência recursal no tocante ao pedido de redução do prazo de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário para um mês, pois a julgadora a quo não aplicou essa sanção, limitando-se a determinar o recolhimento do montante devido ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 20%, no total de R$ 1.260,00, na forma de descontos das futuras quotas do Fundo Partidário distribuídas ao partido durante o período de doze meses.

Relativamente à preliminar de nulidade da sentença por falta de aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e consequente determinação de suspensão de repasses do Fundo Partidário, arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral, ressalto que andou bem a decisão a quo.

Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a penalidade é aplicável “até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito” (RE n. 2357, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS de 23.11.2018), “sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno” (RE n. 2481, da relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, DEJERS de 26.11.2018).

Assim, tendo em vista que o mérito das contas já foi julgado, não há que se falar em aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, razão pela qual afasto a prefacial suscitada pelo órgão ministerial.

Anoto, por fim, que, embora a magistrada singular tenha determinado que o valor de R$ 1.102,50 seja recolhido na forma de descontos das futuras quotas do Fundo Partidário distribuídas ao partido, durante o período de doze meses, é inviável a fixação dessa forma de adimplemento do valor.

O cumprimento da obrigação na modalidade de descontos mensais somente é possível quando comprovado nos autos que, mensalmente, há ingresso dessa receita na conta bancária da grei, tal como ocorre com os diretórios nacionais dos partidos políticos e parte dos diretórios estaduais de algumas agremiações.

No caso concreto, verifica-se que no exercício financeiro de 2016, objeto do presente exame, o PDT de Santa Vitória do Palmar não recebeu recursos do Fundo Partidário, a despeito de tratar-se de ano de eleição municipal.

Logo, evidencia-se que a manutenção da forma de cumprimento da sanção pode até mesmo inviabilizar o respectivo adimplemento.

Portanto, de ofício, afasto a determinação de cumprimento da condenação por meio de descontos das futuras quotas do Fundo Partidário distribuídas ao partido durante o período de doze meses.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar, reconheço a carência recursal quanto ao pedido de redução do prazo de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário, uma vez ausente fixação dessa penalidade; no mérito, VOTO pelo parcial provimento do recurso para manter a desaprovação das contas, reduzindo para 5% o percentual da multa aplicada aos recursos de R$ 1.050,00, recebidos de origem não identificada, à razão de R$ 52,50, totalizando em R$ 1.102,50 (R$ 1.050,00 + R$ 52,50) o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional; e, de ofício, afasto a determinação de cumprimento da condenação por meio de descontos das futuras quotas do Fundo Partidário distribuídas ao partido durante o período de doze meses, nos termos da fundamentação.