RE - 30829 - Sessão: 19/12/2018 às 10:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença do Juízo da 19ª Zona Eleitoral que aprovou com ressalvas as contas de RENAN ANDRADE DE SOUZA referentes às eleições municipais de 2016, por entender que a omissão de doação estimada não comprometeu a regularidade das contas (fls. 39 e v.).

Em suas razões recursais (fls. 42-44), afirma que a falta de registro da receita, ainda que represente 4,7% dos valores arrecadados em campanha, enseja a desaprovação da contabilidade. Alega ser irrelevante a demonstração de prejuízo a terceiro, enriquecimento ilícito e desvio de caixa, bastando a ocorrência de omissão para configurar a irregularidade. Argumenta que a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não atendeu aos parâmetros delineados na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Assevera que a aprovação das contas estimula o descumprimento das obrigações regulamentares. Aduz que a omissão caracteriza recurso de origem não identificada, atraindo, como consequência, o dever de recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional. Requer a reforma da sentença para desaprovar as contas.

Em contrarrazões, Renan Andrade de Souza alega a intempestividade do recurso e, no mérito, postula a manutenção integral da sentença recorrida (fls. 49-56).

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso, com a determinação, de ofício, da transferência do valor de origem não identificada, no total de R$ 100,00, ao Tesouro Nacional (fls. 61-63v).

É o breve relatório.

VOTO

A preliminar de intempestividade recursal, suscitada em contrarrazões, não merece prosperar. O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias, previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. O Ministério Público Eleitoral foi intimado em 04.6.2018 (fl. 41), segunda-feira, e o apelo foi interposto no dia 07 do mesmo mês (fl. 42), três dias após o começo do prazo recursal.

No mérito, As contas foram aprovadas com ressalvas em razão da existência de uma única irregularidade, consistente na omissão de doação estimável realizada pelo diretório estadual, no montante de R$ 100,00.

O juízo de primeiro grau entendeu que a falha apontada não comprometeu a regularidade do balanço contábil, por abranger valor absoluto irrelevante.

O Ministério Público Eleitoral, por sua vez, insurge-se da decisão ao argumento de que a omissão da receita, ainda que represente 4,7% dos valores arrecadados em campanha, é irregularidade grave que enseja a desaprovação da contabilidade.

O art. 48, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15 dispõe acerca das informações que devem ser registradas nas contas:

Art. 48. Ressalvado o disposto no art. 57, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta, cumulativamente:

I - pelas seguintes informações:

a) qualificação do candidato, dos responsáveis pela administração de recursos e do profissional habilitado em contabilidade;

b) recibos eleitorais emitidos;

c) recursos arrecadados, com a identificação das doações recebidas, financeiras ou estimáveis em dinheiro, e daqueles oriundos da comercialização de bens e/ou serviços e da promoção de eventos;

A declaração de todas as receitas arrecadadas, ainda que estimáveis em dinheiro, é imprescindível para que a Justiça Eleitoral possa realizar a correta fiscalização dos recursos movimentados na campanha.

A omissão no atendimento dessa determinação pode caracterizar irregularidade de natureza grave quando a falta impactar na confiabilidade do lançamento contábil.

No caso dos autos, entretanto, a representação percentual da irregularidade alcançou apenas 4,73% das receitas arrecadadas na campanha (R$ 2.112,90).

Ademais, em razão do montante ínfimo da doação (R$ 100,00), inferior ao patamar estabelecido pela norma eleitoral como sendo de pequeno valor, na exegese do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 (R$ 1.064,10), não se verifica a ocorrência de prejuízo à análise da contabilidade, tampouco extrapolação do limite de gastos.

Registro que a ausência de emissão de recibos, não obstante caracterize falta de natureza formal, não inviabilizou a identificação do doador, porquanto a quantia foi devidamente registrada como despesa nas contas do órgão de direção estadual.

Saliento, outrossim, que a caracterização de recursos de origem não identificada e a consequente determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional pressupõem a impossibilidade de identificação segura do doador, o que não se verifica no particular.

Por isso, entendo que o rigor da previsão normativa deve ser arrefecido, a fim de que a punição não se torne desproporcional à relevância da infração.

Ressalta-se que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral e este Tribunal admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual frente a movimentação total, em torno de 10% dos recursos, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, pp. 48-49.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15)

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.4.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.4.2011, p. 01.)

Dessarte, pondero que o juízo a quo agiu com acerto ao considerar que a falta de escrituração da doação representa apenas uma ressalva na contabilidade.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a aprovação das contas do candidato com ressalvas.