RE - 1284 - Sessão: 02/05/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a decisão proferida na fase de cumprimento de sentença (fls. 163-164), que determinou o arquivamento do processo de prestação de contas abrangendo a movimentação financeira do exercício de 2016 do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de São Francisco de Assis, em virtude da “impossibilidade de aferição real dos valores devidos pelo partido”.

Em sua irresignação (fls. 170-172v.), o recorrente sustenta que a unidade técnica identificou a existência de receitas e despesas omitidas na contabilidade do partido, relativas a eventos realizados durante o exercício a que se referem as contas. Argumenta que a sentença acolheu o parecer e entendeu caracterizada a existência de recursos de origem não identificada, mas não indiciou o valor correspondente. Alega que não é atribuição do Ministério Público Eleitoral apresentar memória de cálculo do valor irregular, conforme determinou o juízo a quo. Defende ser atribuição do órgão técnico a apuração da quantia que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 2º da Resolução TRE-RS n. 298. Requer a reforma da decisão, determinando-se a remessa dos autos ao Cartório Eleitoral para a apuração e atualização dos valores devidos pelo partido.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso, a fim de que seja realizada a liquidação da sentença (fls. 181-185v.).

É o relatório.

VOTO

O Juízo da 79ª Zona Eleitoral desaprovou as contas do Partido Democrático Trabalhista de São Francisco de Assis, reconhecendo o recebimento de recursos de origem não identificada, empregados na realização de um jantar em benefício do partido, condenando-o a recolher tais verbas ao Tesouro Nacional, sem precisar o valor devido, e determinando a notificação da AGU para promover a liquidação da decisão.

Após o trânsito em julgado da sentença, considerando que a AGU somente providencia o cumprimento de sentença com valores já liquidados, o juízo de primeiro grau remeteu os autos ao Ministério Público Eleitoral na condição de “fiscal da lisura do processo eleitoral”, para que adotasse as providências necessárias à quantificação do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Diante da recusa do órgão ministerial, por atribuir tal providência à Justiça Eleitoral, o juízo de primeiro grau determinou o arquivamento do processo, com fundamento na ausência de interesse do órgão ministerial em dar seguimento ao feito.

Dessa decisão recorre o Ministério Público Eleitoral, sob o argumento de que a definição dos valores movimentados de forma irregular pela agremiação é de competência da Justiça Eleitoral.

Com razão o recorrente.

O sistema processual impõe, como regra, a decisão líquida. Extrai-se essa conclusão do art. 324 do CPC, ao estabelecer que “o pedido deve ser determinado”, admitindo o pedido genérico apenas excepcionalmente nas hipóteses descritas em seu § 1º; e do art. 491 do CPC, o qual assenta que a decisão deve ser líquida, mesmo quando o pedido for genérico.

O Código de Processo Civil, assim, faz clara opção de preferência pela decisão líquida, que contenha todos os elementos definidores da condenação, como decorrência dos princípios da eficiência (art. 8º) e da celeridade (art. 6º).

Por força da aplicação subsidiária e supletiva do CPC ao processo eleitoral, essa opção deve ser observada também no processo de prestação de contas, de forma que a sua sentença deve ser líquida, definindo toda a extensão da obrigação imposta ao prestador, inclusive porque o partido é obrigado a prestar todas as informações a respeito de sua movimentação, sobre a qual é realizada análise técnica, sem a previsão de uma futura fase de liquidação em seu procedimento.

No caso, a sentença limitou-se a reconhecer que os valores empregados no jantar realizado pelo partido são oriundos de recursos arrecadados pela agremiação, cuja ausência de declaração os caracterizou como recursos de origem não identificada, a serem recolhidos ao Tesouro Nacional. Todavia, o juízo deixou de fixar o valor gasto para a realização do jantar, que deveria ser recolhido ao Tesouro.

Trata-se, portanto, de uma sentença ilíquida.

Ocorre que a fixação do quantum debeatur não pode ser exigido da AGU e tampouco do Ministério Público Eleitoral, como pretendeu a magistrada de origem. Como visto acima, o valor a ser recolhido deve ser fixado já na sentença, e o título é formado a partir das informações prestadas pelo partido, as quais subsidiam a decisão final após serem submetidas à análise técnica. A AGU não participa desse procedimento e o Ministério Público Eleitoral atua como fiscal do ordenamento, sem que se possa imputar a ele atribuições ou ônus na formação do título judicial.

Assim, se o juízo optar pela fixação do valor devido em etapa posterior, não pode pretender que tais sujeitos assumam a obrigação de liquidar o título, pois a AGU sequer participa da fase de conhecimento e o Ministério Público Eleitoral, na qualidade de custus legis, não pode assumir tal ônus.

Dessa forma, compete ao juízo de primeiro grau proceder à liquidação do título por iniciativa própria.

Considerando a natureza do objeto da liquidação, qual seja, o valor de um jantar realizado para promover o encontro de filiados, cujo valor real não poderá mais ser precisado, o juízo deverá adotar a liquidação por arbitramento (art. 509, inc. I, do CPC) para estimar os gastos do evento. Tal estimativa deve se dar de forma fundamentada, após oitiva da parte e do Ministério Público Eleitoral - como fiscal do ordenamento.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso, para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que o juízo proceda à liquidação da sentença por arbitramento.