RC - 1927 - Sessão: 08/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo Eleitoral da 52ª ZE, que julgou improcedente a denúncia oferecida para condenar o réu às sanções do delito previsto no art. 290 do Código Eleitoral – indução à inscrição fraudulenta de eleitor - oito vezes, pelos fatos assim descritos, por ocasião da sentença exarada nas fls. 948-949:

1º Fato:

Os denunciados Benone, Daniel da Silva Garcia, João Carlos da Silva Garcia, Gilberto Batista de Melo e Luiz Antônio Silva Xavier, associaram-se em quadrilha ou bando, para o cometimento reiterado de delitos de induzimento à inscrição de eleitores em infração às normas legais. Em 23 de março de 2012, os eleitores Daniel da Silva Garcia, João Carlos da Silva Garcia, José Carlos da Silva Garcia, Ioleides Sampaio Zardinello, Marilaine Farias Amaro, Gildo Neves da Rosa e Vera Tânia Garcia Barcelos tentaram inscrever-se fraudulentamente como eleitores em São Nicolau/RS, mediante declaração de residência ideologicamente falsa, uma vez que os eleitores descritos não residem no local em que pretendiam a inscrição. Na mesma data, Raquel da Silva Garcia, efetuou a inscrição fraudulenta em São Nicolau, declarando endereço falso perante a Justiça Eleitoral. Os eleitores teriam sido conduzidos por dois veículos, sendo um deles uma van, de propriedade de Daniel da Silva Garcia e João Carlos da Silva Garcia, que promoveram todo o esquema de captação e transporte dos eleitores conforme era do interesse do prefeito municipal BENONE. Os eleitores (residentes na região metropolitana de Porto Alegre/RS), munidos de declarações de endereços falsas, fornecidas pelos acusados João Ordones Garcia e Darmiro Garcia compareceram ao cartório da 52ª Zona Eleitoral, com o intuito exclusivo de realizar a transferência do domicílio, com o auxílio do advogado Gilberto, o qual providenciou a documentação necessária. Que as pessoas da região metropolitana de Porto Alegre foram aliciadas pelos acusados Daniel da Silva Garcia e Antônio da Silva Xavier, sendo o transporte promovido por João Carlos da Silva Garcia e o auxílio técnico para promover a transferência do domicílio eleitoral efetivado pelo advogado Gilberto Batista de Melo, tudo isto arquitetado por Benone de Oliveira Dias. Nestes termos, os denunciados Benone, Daniel, João Carlos da Silva Garcia, Gilberto Batista de Melo e Luiz Antônio da Silva Xavier incorreram nas penas do art. 288 do Código Penal.

2º Fato:

Trata-se, em tese, da solicitação de transferência de domicílio eleitoral pelos acusados José Carlos da Silva Garcia, Ioleides Sampaio Zardinello, Marilaine Farias Amaro, Gildo Neves da Rosa e Vera Tânia Garcia Barcelos, sendo que Raquel da Silva Garcia efetivou a transferência, incorrendo, todos nas penas do artigo 289 do Código Eleitoral.

3º Fato:

Neste fato, o agente ministerial enquadra os acusados João Ordones Garcia e Darmiro Garcia na modalidade de partícipes nas sanções do artigo 289 do Código Eleitoral, uma vez que teriam fornecido as declarações de endereços ideologicamente falsas para os eleitores.

4º Fato:

Descreve que João Carlos da Silva Garcia, além de ter postulado a transferência de seu próprio título eleitoral, efetuou o transporte até o cartório Eleitoral da 52ª Zona Eleitoral, juntamente com Daniel da Silva Garcia, incorrendo nas penas do artigo 289 do Código Eleitoral.

5º Fato:

Daniel da Silva Garcia, além de ter postulado a transferência de seu título eleitoral e promovido o transporte dos eleitores, reuniu, juntamente com o acusado, Luiz Antônio da Silva Xavier, o grupo de eleitores na região metropolitana de Porto Alegre/RS, atuando em interesse do Prefeito Benone. Ao reunir o grupo de eleitores, o acusado Daniel da Silva Gacia induziu estes à inscrição fraudulenta de eleitor, incorrendo nas penas dos artigos 289 e 290 do Código Eleitoral.

6º Fato:

Luiz Antônio da Silva Xavier reuniu, juntamente com o acusado Daniel, o grupo de eleitores na região metropolitana de Porto Alegre/RS, atuando em interesse do Prefeito Benone. O acusado Luiz Antônio pediu dinheiro emprestado para o Prefeito Benone, com a finalidade de custear o transporte dos eleitores. Luiz Antônio da Silva Xavier reu niu o grupo de eleitores, induzindo à inscrição fraudulenta, incorrendo nas sanções do artigo 290 do Código Eleitoral.

7º Fato:

Gilberto Batista de Melo, na qualidade de advogado, prestou auxílio técnico-profissional aos eleitores, preparando a documentação fraudulenta apresentada para as transferências indevidas, sendo que uma pasta apreendida contendo a documentação que serviria para providenciar a transferência do título era de propriedade de Gilberto. Ainda, a van com os eleitores, previamente a chegada no Cartório Eleitoral, teria efetuado uma parada no escritório do advogado em questão. Que, segundo declarações de um morador da cidade de São Nicolau, Sr. Sadi Garcia, este emitiu declarações de residência para um advogado com escritório profissional próximo à rodoviária da cidade, o qual seria vinculado ao prefeito “Chico” (alcunha de Benone). Assim agindo, o acusado Gilberto incorreu nas sanções do artigo 289 do Código Eleitoral.

8º Fato:

Benone de Oliveira Dias, prefeito de São Nicolau à época dos fatos, haveria sido quem promoveu o funcionamento de todo o esquema de captação acima descrito, visando favorecer-se dos votos dos eleitores que promoveram a transferência do título eleitoral. Ademais, João Neri Gomes da Luz, segundo declarações, teria atendido uma ligação efetuada para a Câmara de Vereadores, através da qual um interlocutor chamado Luiz, acreditando falar com Benone, pedia recursos financeiros e combinava o transporte para realizar a transferência fraudulenta do domicílio dos eleitores ora denunciados, em tal ocasião, Luiz haveria passado inclusive o número de uma conta bancária para o depósito dos valores referentes a empreitada. O acusado haveria mantido contato e reunido o grupo de eleitores, cometendo o crime de induzimento à inscrição fraudulenta de eleitor, incorrendo nas sanções do artigo 290 do Código Eleitoral. Acostou documentos (fls. 13/274).

A denúncia foi recebida no dia 20.5.2015 (fls. 444-451v.).

Após trâmite – contestação, oitiva de testemunhas e interrogatório do acusado –, o processo recebeu alegações finais nas fls. 923-936 (Ministério Público Eleitoral) e fls. 940-944 (Benone de Oliveira Dias).

Na sentença (fls. 948-952v.), o juízo considerou não se ter desincumbido o Ministério Público Eleitoral do ônus de demonstrar a prática delitiva, uma vez que “não se pode extrair que o réu induziu a inscrição fraudulenta dos eleitores”.

O recurso do Parquet (fls. 956-967v.) funda-se no argumento central de que a autoria e a materialidade restaram comprovadas ao longo da instrução processual, não havendo dúvida da responsabilidade do réu.

Nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo parcial provimento do recurso (fls. 973-980), para o fim de que o recorrido seja condenado pela prática do crime de indução à inscrição fraudulenta de eleitores (art. 286 do CE), oito vezes (art. 69 do CP), em concurso de pessoas (art. 62, incs. I e II, do CP).

Determinado que o Cartório da 52ª Zona Eleitoral informasse acerca da concessão de prazo para o oferecimento de contrarrazões (fl. 982), sobreveio resposta, por meio do ofício n. 238/2018 (fl. 990), noticiando que o prazo outorgado ao recorrido transcorreu in albis.

É o relatório.

VOTO

TEMPESTIVIDADE

O recurso é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 11.6.2018 (fl. 955) e o recurso foi interposto em 19.6.2018 (fl. 956), dentro do prazo de 10 (dez) dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral.

MÉRITO

O réu foi denunciado pela prática do delito tipificado no art. 290 do Código Eleitoral:

Art. 290. Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código:

Pena – reclusão até 2 anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa.

Narra a denúncia que Benone de Oliveira Dias, Prefeito de São Nicolau na época dos fatos, engendrou esquema de captação de eleitores por inscrição fraudulenta, visando à obtenção de seus votos, mediante a transferência do título eleitoral.

À análise da prova.

A fim de evitar tautologia, reproduzo excerto da sentença contendo o resumo da prova testemunhal produzida pela acusação (fls. 950v.-951v.):

A testemunha Edison Ricardo Engers Lisboa, na qualidade de policial, relatou, em breve síntese, que foi chamado para atender uma ocorrência onde haviam pessoas que chegaram em uma van e um veículo Fox, na Zona Eleitoral com o intuito de transferir domicílio eleitoral fraudulentamente e que, quando chegou no local, identificou os veículos, apreendeu documentos, com lista de nome das pessoas e pediu para acompanhar até a Delegacia. Que recorda ter um advogado no dia e que a pasta de documentos apreendidos era de um escritório de advocacia, embora não lembre o nome. Relatou que havia dentro da pasta um trecho escrito “preciso do dinheiro pra alugar outra van”. Disse que tinha a informação de que a placa do veículo não era da cidade e que pelo que recorda, o advogado estava no dia dos fatos dentro do cartório eleitoral com uma pessoa, o qual saiu do cartório, se identificou e explicaram a situação. Não sabe dizer quem era o advogado. Disse que quando foi feita a abordagem, Benone não estava junto, também não viu Benone conversando com tais pessoas ou reunindo elas. (Grifei.)

A testemunha Luiz Carlos Simon Krahl, compromissada, relatou que na época dos fatos era presidente do Partido dos Trabalhadores de São Nicolau e que o Partido Progressista pegou sua assinatura para levar ao conhecimento do Delegado os fatos objeto da demanda, não sabendo dos fatos. Relatou que não tinha conhecimento dos fatos e que estava trabalhando no dia dos fatos, não procurando saber do que se tratava. Que João Neri lhe disse que se tratava de captação de eleitores e que estavam transferindo título eleitoral. Disse nunca ter presenciado Benone captando eleitores, reunindo ou contratando van para fazer transferência de título. (Grifei.)

Sadi Garcia, ouvido como informante, arguiu que não sabe nada acerca dos fatos e que ninguém lhe pediu fornecimento de comprovante de residência. Disse que Daniel da Silva Garcia é seu sobrinho. Mencionou que conhece o advogado Gilberto.

João Neri Gomes da Luz, disse ser vereador à época dos fatos, pelo Partido Progressista e disse que atendeu ligação na Câmara de Vereadores, onde uma pessoa se identificou como Luiz, pedindo recursos financeiros e combinando transporte de eleitores, não recordando especificamente o conteúdo da ligação, onde o interlocutor dizia que tinha arrumado “uns cabeças” pra trazer pra São Nicolau e pedia dinheiro para tanto, não recordando se foi passado número de conta bancária. Disse que se fez passar, durante a ligação, pelo Prefeito Benone. Relatou que sua participação na representação foi levar os fatos até a Delegacia de Policia Civil e Promotoria, convidado pelo Abel e Luiz Carlos Krahl. Mencionou conhecer o advogado Gilberto, o qual tem escritório próximo a rodoviária e foi assessor jurídico da Câmara. Confirmou ter formulado a representação e atendido a ligação na Câmara de Vereadores, onde o interlocutor se identificou como João. Disse que João Abel lhe induziu a assinar a representação. Que não presenciou o Benone (Chico) conversando com as pessoas, embora tenha corrido bastante pra pegar ele envolvido, saindo inclusive com máquina fotográfica para tentar pegar o Benone conversando com os eleitores ou com o pessoal da van. (Grifei.)

Em seu depoimento, Abel da Veiga, disse ser verdade a denúncia, dizendo que saíram inúmeros carros que não constam no processo, sendo a van filmada e viram quando saíram do escritório de Gilberto, indo até a Promotoria para denunciar. Disse que a van foi filmada, mas não recorda a placa, sabendo que não era veículo de São Nicolau, era de João Carlos. Mencionou que a van juntou o pessoal todo ali no escritório de Gilberto, sendo que o fluxo de pessoas no escritório era muito grande, entravam e saíam. Sustentou que sabiam de tudo, que os eleitores viriam para fazer a transferência de título e acompanhou, de carro, a van vindo até São Luiz. Disse que a participação de Benone se deu em todos os fatos, tendo visualizado o Prefeito conversando com a turma que veio de van, na rua da rodoviária. Mencionou que a pessoa que ligou de Porto Alegre pensava estar falando com Benone, quando na verdade falava com João Neri e pedia para depositar dinheiro para despesa de viagens. Reiterou ter visto Benone conversando com o pessoal de Porto Alegre, mas não ouviu o teor da conversa. (Grifei.)

Nas razões do apelo, o recorrente alude aos elementos de informação colhidos na etapa investigativa, como reforço argumentativo às provas produzidas, para o fim de demonstrar a ocorrência do delito tipificado no art. 290 do Código Eleitoral. Sustenta, ainda, que a ação praticada preencheu os elementos do tipo previsto no art. 288 do Código Penal, consistente no crime de associação criminosa.

Conforme jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral (Ac.-TSE n. 68/2005), o art. 290 do Código Eleitoral pressupõe a prática da conduta de instigar, incitar ou auxiliar terceiro a alistar-se, fraudulentamente, aproveitando-se de sua ingenuidade ou de sua ignorância.

Requer, outrossim, a inocorrência de concurso de vontades entre o eleitor e o suposto autor da conduta (Ac.-TSE, de 26.2.2013, no REspe n. 198).

Compulsando os autos, concluo que não houve comprovação de que o recorrido Benone de Oliveira Dias tenha induzido os eleitores a promoverem a inscrição fraudulenta.

Isso porque as provas fundamentam-se em meras presunções construídas a partir de ilações que são insuficientes para ensejar o comando condenatório.

Veja-se que apenas a testemunha Abel da Veiga afirma ter visto o denunciado conversando com as pessoas transportadas. Todavia, a aludida informação não comprova a configuração do tipo penal, uma vez que não é capaz de demonstrar a prática de instigação, incitação ou auxílio aos eleitores, tampouco a ausência de concurso de vontades.

E as peças informativas, no mesmo trilhar, não permitem o alcance desse desiderato.

Do teor do documento reproduzido na fl. 52, é possível aventar a ocorrência de pagamento pelo serviço de transporte dos eleitores, mas não a conduta delitiva a que alude o art. 290 do Código Eleitoral, tampouco a existência de crime de associação a que se refere o art. 288 do Código Penal. Semelhante conclusão decorre da narrativa de João Neri Gomes da Luz quanto à ligação recebida na Câmara de Vereadores, cabendo ponderar que o depoente é adversário político do recorrido.

Da quebra de sigilo telefônico, também não foi possível identificar elementos de prova contundentes. Ressalto que não houve registro específico de ligação realizada ou recebida pelo recorrido, mas apenas deduções da ocorrência da comunicação, a partir de chamadas efetuadas da Prefeitura, que não se prestam para atestar a prática das condutas delitivas. Nesse sentido, acrescento o depoimento da pessoa identificada como titular da linha telefônica, Luiz Antonio da Silva Xavier, ocorrido na fase investigatória, no sentido de negar qualquer relação das chamadas com a finalidade eleitoral.

E os fatos verificados no Cartório Eleitoral, reproduzidos pela servidora Bianca Bevenuti e pelo policial que participou da ocorrência, Edison Ricardo Engers Lisboa, da mesma maneira não comprovam o envolvimento do recorrido na formação da vontade dos eleitores. Ao contrário disso, não há demonstração sequer de que tenha comparecido ao local ou sido referenciado pelos eleitores na ocasião.

Por conseguinte, não cabe cogitar a comprovação do crime de associação criminosa.

Destaco que a jurisprudência deste Tribunal se assenta na necessidade da existência de provas robustas para ensejar um juízo condenatório, uma vez que o Direito Penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico e só se opera quando expressamente previsto e necessário para a proteção do bem jurídico violado.

Nesse sentido:

Recurso criminal. Induzimento à inscrição fraudulenta. Art. 290 do Código Eleitoral. Eleições 2012. Suposto recrutamento indevido de eleitores para inscrição eleitoral. Exigência de dois elementos para consumação do delito, consistentes no induzimento à inscrição e na infringência às normas eleitorais. Insuficiência probatória para embasar um juízo condenatório. Sentença de improcedência da denúncia mantida. Provimento negado.

(TRE-RS - RC: 12547 IMBÉ - RS, Relatora: DESA. ELEITORAL MARIA DE LOURDES GALVÃO BRACCINI DE GONZALEZ, Data de Julgamento: 27.07.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 137, Data 29.07.2016, p. 3.)

Ou seja, as provas não ostentam conteúdo ou firmeza para suportar um juízo de condenação.

Logo, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com acerto o conjunto probatório, concluindo pela improcedência da denúncia.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.