RE - 6309 - Sessão: 13/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RAFAEL VENICIO BRANCHER ASCOLI (fls. 99-106) contra sentença proferida pelo Juízo da 91ª Zona Eleitoral (fls. 91-94) que, nos autos de representação por doação de recursos acima do limite legal proposta pelo Ministério Público Eleitoral, o condenou ao pagamento de multa no valor equivalente a cinco vezes o valor excedido, que foi de R$ 950,09, com fundamento no art. 23 da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais, suscita preliminar de nulidade da decisão ao argumento de que teria ocorrido inversão na ordem de apresentação das alegações finais do Ministério Público – as quais teriam servido de base para a condenação –, além de terem sido apresentadas fora do prazo. No mérito, aduz que a doação não se consumou, pois teria sido devolvida pelo donatário, tanto que consta apenas na prestação de contas parcial, situação reconhecida na decisão que aprovou as respectivas contas.

Ao final, postula o acolhimento da preliminar e, quanto ao mérito, o provimento do recurso para o fim de ser julgada improcedente a representação. Sucessivamente, requereu seja a penalidade fixada de acordo com a atual regra do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Com contrarrazões (fls. 109-112v.), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 125-129).

Acompanham os autos documentos sigilosos na forma de Anexo, de acordo com o disposto no art. 7º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.326/10.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

A intimação do recorrente ocorreu em 30.5.2018 e o recurso foi protocolizado em cartório no dia 01.6.2018, dentro do tríduo legal (fls. 95v. e 99).

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar de nulidade da sentença

O recorrente alega nulidade da sentença por ausência de intimação da defesa após a apresentação extemporânea das razões finais pelo Ministério Público Eleitoral de origem. Sustenta que tal medida “sanaria a nulidade decorrente da inversão na intimação das partes”.

Sem razão o recorrente.

Consultando-se os autos, verifica-se que, de fato, o recorrente foi intimado para apresentar alegações finais em 20.4.2018, por meio de nota de expediente publicada no Diário de Justiça Eletrônico da Justiça Eleitoral. Somente em 24.4.2018, depois de juntadas as alegações finais da parte representada, é que se abriu vista ao Ministério Público para a mesma finalidade, tendo aquele órgão apresentado a sua manifestação apenas em 07.5.2018.

O despacho judicial era claro no sentido de que o prazo deveria ser comum, de dois dias (fl. 77).

Todavia, tenho que o modo como foi procedida a intimação das partes não acarreta a nulidade da sentença, pois não houve propriamente uma inversão, mas apenas a intimação sucessiva, iniciando-se pelo recorrente.

A jurisprudência do Tribunal Superior consolidou-se nos mesmos termos do disposto no art. 219 do Código Eleitoral no sentido de que a decretação de nulidade requer comprovação do prejuízo (Prestação de Contas n. 26054, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 363, Data 14.11.2017, pp. 89-90).

De igual forma, nos Embargos Declaratórios- Pet. n. 2756, julgado em 19.8.2008, Rel. Ministro FÉLIX FISCHER do TSE, encontram-se elementos pela conclusão de inexistência de nulidade diante do entendimento de que “no processo eleitoral, assim como no processo civil em geral, não se declara nulidade se não houver efetiva demonstração de prejuízo”. (Grifei.)

Nesse sentido, anoto que o recorrente não logrou êxito em demonstrar o alegado prejuízo, tendo feito apenas menção genérica de que o magistrado embasou a condenação nas alegações do Parquet.

De uma detida análise nos termos da sentença, verifica-se que o juízo a quo embasou a condenação nas provas existentes nos autos, essencialmente documentais, que prescindiam de maiores demonstrações.

Ademais, o próprio recurso eleitoral, no que diz respeito ao mérito, não trouxe nada diferente do que foi argumentado nas alegações finais do recorrente, fato que demonstra claramente a ausência de prejuízo.

Com essas considerações, afasto a preliminar.

Mérito

Cuida-se de recurso interposto por RAFAEL VENICIO BRANCHER ASCOLI contra sentença proferida pelo Juízo da 91ª Zona Eleitoral, o qual julgou procedente a representação por doação acima do limite legal, condenando o recorrente ao pagamento de multa correspondente a cinco vezes o valor em excesso, o que equivale à quantia de R$ 4.750,45.

Veja-se o teor da Lei n. 9.504/97, vigente à época da doação:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

[...]

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

(Grifei.)

Segundo consta na inicial, o recorrente doou a quantia de R$ 3.200,00 para a campanha eleitoral de José Elias Paz, porém, não tendo apresentado declaração de imposto de renda no exercício anterior, teria excedido o limite legal, de 10% do limite de isenção.

O presente caso apresenta uma peculiaridade. Explico.

O principal argumento do recorrente, quanto ao mérito, é o de que a doação não teria se consumado, tendo ocorrido apenas uma tentativa frustrada de alcance de valores, os quais não constaram na prestação de contas final do donatário e foram devolvidos em 10.11.2016.

Para comprovar a sua tese, apresenta extrato de conta-corrente de sua titularidade no qual, de fato, consta um crédito no valor de R$ 3.200,00 proveniente de José Elias Paz, beneficiário da doação objeto desta representação.

O Juízo sentenciante entendeu que a devolução foi tardia, uma vez que a quantia permaneceu à disposição do então candidato, e julgou procedente o pedido do Ministério Público Eleitoral.

Considerando que o recorrente trouxe aos autos apenas informações parciais relativas às contas de José Elias Paz, pelo benefício da dúvida, acessei os dados da prestação de contas no sítio do TSE na internet (http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2016/2/85707/210000017689/integra/receitas) para o fim de verificar se, efetivamente, o valor teria sido utilizado na campanha eleitoral do então candidato.

Isso porque o fato de o recurso ter ficado à disposição do candidato não significa, por si só, que tenha sido utilizado.

Adotada tal providência, constatei que, ao contrário do alegado, a prestação de contas final de José Elias Paz contabiliza doação no valor de R$ 3.200,00 recebida de Rafael Venício Brancher Ascoli, na data de 28.9.2016, valor que foi contabilizado e utilizado na campanha eleitoral.

O crédito na conta bancária do recorrente, realizado em 10.11.2016 e atribuído à suposta devolução do valor, além de ter sido efetivado depois da eleição, quando todos os valores creditados na conta de campanha do donatário já haviam sido utilizados e a respectiva conta bancária zerada, é proveniente de conta-corrente particular de José Elias, do Banco Sicredi, enquanto a conta de campanha era no Banrisul.

A devolução do recurso só restaria caracterizada como tal se tivesse ocorrido de imediato e por meio de estorno do valor da mesma conta de campanha. O documento juntado pelo recorrente mostra apenas uma transferência recebida da conta particular de José Elias, do banco Sicredi (transferência entre contas), efetivada quinze dias depois de o candidato ter protocolado a sua prestação de contas no cartório eleitoral (fl. 38) com a conta bancária de campanha, essa do Banrisul, obviamente, zerada.

Em face de tais circunstâncias, resta cristalino que o recurso não foi recusado pelo donatário, mas utilizado em sua totalidade na campanha eleitoral do beneficiário. O crédito de R$ 3.200,00 efetivado na conta do recorrente 43 dias depois da data da doação, pode se prestar a qualquer outro título, menos devolução do recurso.

Em relação ao ofício oriundo da Receita Federal (fl. 73), invocado pelo recorrente e segundo o qual não teriam sido localizados dados sobre doações do representado para a campanha eleitoral de 2016, nessa linha, também não o socorre.

Isso porque a Receita Federal só detém tais informações quando os próprios contribuintes as mencionam, nas respectivas declarações de imposto de renda, não tendo aquele órgão fazendário outro meio de obtê-las.

Oportuno referir que, diferentemente do apregoado nas razões recursais, não há certidão da Receita Federal referente à “inexistência de doação”, mas apenas declaração de que “não foram localizados dados sobre doações do citado para campanha eleitoral de 2016”. Ora, tais dados só existiriam se tivessem sido declarados pelo contribuinte, como já mencionado, não havendo demonstração nos autos nem sequer de que, em relação ao ano-calendário 2016, tenha o recorrente apresentado declaração de imposto de renda.

Assim, entendo correta a sentença de procedência e acrescento que o valor em questão não só ficou disponível à campanha, como consignado pelo juízo a quo, como foi efetivamente utilizado.

Quanto à aplicação retroativa das alterações legislativas promovidas pela Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.2017, destaco que esta Corte já se manifestou, seguindo a diretriz jurisprudencial firmada pelo TSE, no sentido da sua impossibilidade, conforme se verifica na ementa a seguir transcrita:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ELEIÇÕES 2014. PRELIMINAR AFASTADA. NÃO CARACTERIZADA A INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. CONFIGURADO O EXCESSO NO VALOR DOADO. CONTROVÉRSIA SOBRE A SANÇÃO APLICÁVEL. ALTERAÇÃO DA PENALIDADE PELA LEI N. 13.488/17. IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIO "TEMPUS REGIT ACTUM".

ADEQUADA A MULTA APLICADA NA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. Inicial em regular condição de ser analisada. Dados supostamente omitidos estão referenciados nos documentos que instruem a peça. A falta da precisa descrição do valor excedido apenas pode ser suprida durante a instrução probatória, não havendo mácula na inicial. Inépcia da petição não caracterizada.

2. Mérito. A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Caracterizada a infringência ao parâmetro legal.

3. Penalidade. Controvérsia sobre a sanção adequada. Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17 aos processos de exercícios anteriores a sua vigência, em prestígio à lei vigente à época dos fatos e ao princípio da segurança jurídica. Irretroatividade. Aplicação do princípio "tempus regit actum". Mantida a condenação imposta na sentença, de acordo com a penalidade prevista na época dos fatos. Provimento negado.

(TRE-RS – RE n 2115 – Rel. DES. ELEITORAL JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA – DEJERS de 22.01.2018.) (Grifei.).

Por essa razão, entendo que o feito merece idêntico tratamento, devendo ser mantida a condenação imposta na sentença, de acordo com a sanção prevista para as doações acima do limite legal na época dos fatos, sem aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17.

Em matéria de doação acima do limite legal, há acórdãos do TSE que são expressos em assentar que a penalidade aplicável no processo é aquela vigente ao tempo da doação, por força do princípio de que o tempo rege o ato.

Nessa inteligência, a Corte Superior Eleitoral não acolheu o pedido de afastamento da pena de multa por doação excessiva de pessoas jurídicas, realizadas no pleito de 2014, em face do advento da Lei n. 13.165/15. Referido diploma legal, ao excluir das hipóteses de doação para campanha os recursos repassados por empresas, suprimiu da Lei das Eleições a sanção, até então prevista, de multa no patamar de cinco vezes a quantia excedida. Segundo o TSE, “a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores à Lei nº 13.165/15, não havendo falar em retroatividade da lei mais benéfica”.

Portanto, dentro desse contexto, no caso concreto, impõe-se a manutenção da sentença no que se refere à aplicação da lei vigente à época da doação, mas com correção de erro material, de ofício, em relação ao valor do excesso. Esclareço.

O magistrado considerou, para a apuração do valor excedido, o valor de R$ 22.499,13 como o limite máximo para a isenção da obrigatoriedade de declaração de imposto de renda no ano-calendário de 2015.

Todavia, consultando-se o site do Ministério da Fazenda (http://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2016/declaracao/obrigatoriedade), constata-se que no exercício de 2016 estavam desobrigados a apresentar declaração de imposto de renda as pessoas físicas que receberam rendimentos de até R$ 28.123,91.

O valor utilizado como parâmetro na sentença refere-se ao limite do valor para incidência de tributação, que não se confunde com a isenção da obrigatoriedade de declarar os rendimentos.

Logo, tem-se que o recorrente, não tendo apresentado declaração de imposto de renda relativa ao ano-calendário 2015, poderia ter doado para campanha eleitoral a quantia de R$ 2.812,39, correspondente a 10% do valor estipulado pela Receita Federal como limite à isenção.

Tendo o recorrente doado o montante de R$ 3.200,00, o valor do excesso é de R$ 387,61 e não R$ 950,09, como constou na sentença.

Feita essa correção, fixo o valor da condenação em R$ 1.938,05, equivalente a cinco vezes a quantia doada em excesso, nos termos do disposto na redação então vigente do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por RAFAEL VENICIO BRANCHER ASCOLI e, de ofício, pela redução do valor da multa aplicada para R$ 1.938,05 (mil novecentos e trinta e oito reais e cinco centavos), nos termos da fundamentação.