RE - 4586 - Sessão: 13/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de Novo Hamburgo contra a sentença do Juízo da 172ª Zona Eleitoral que aprovou com ressalvas as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016 e determinou: a) o recolhimento da quantia de R$ 690,00, considerada como proveniente de fonte vedada; e b) a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário, “enquanto não adotada a providência de recolhimento ao Tesouro Nacional” e “pelo período de um ano” (fls. 304-309).

Em seu recurso (fls. 316-326), o partido sustenta, preliminarmente, o cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da diligência de intimação da Companhia Municipal de Urbanismo para informar as atribuições dos cargos cujos titulares são considerados autoridades pela unidade técnica. No mérito, discorre acerca do alcance da expressão "autoridade", presente no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, traçando uma retrospectiva histórica do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral a respeito do conceito. Afirma que a definição conferida pela Resolução TSE n. 23.432/14 restringe, injustificadamente, o direito de os servidores públicos participarem plenamente das atividades partidárias. Argumenta que a Lei n. 13.488/17, ao admitir como lícita a contribuição de filiado ao partido, atesta que a intenção da vedação é impedir o aporte de recursos por detentores de altos cargos públicos. Aduz que a permissão para o financiamento durante o período eleitoral afronta o princípio da proporcionalidade. Requer, preliminarmente, a anulação da sentença e a reabertura da instrução, ou, alternativamente, que seja afastada a irregularidade quanto à doação realizada por Iolita Oliveira Schneider. Subsidiariamente, postula a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas sem ressalvas e sem a ordem de recolhimento de valores.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, bem como pela reforma, de ofício, da sentença para que as contas sejam desaprovadas, em razão do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, devendo ser determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 690,00, acrescida de multa de até 20% e suspensão de repasses do Fundo Partidário pelo período de um ano (fls. 337-342).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Passo à análise da preliminar.

O recorrente suscita o cerceamento do direito de defesa, em razão do indeferimento da diligência de intimação da Companhia Municipal de Urbanismo para que informasse as atribuições do cargo cujo titular é considerado  autoridade pela unidade técnica. Alega a necessidade do atendimento ao pedido, por tratar-se de uma pessoa jurídica de direito privado integrante da Administração indireta do Município de Novo Hamburgo/RS, cujos cargos e competência não estão previstos em lei em sentido formal, dotada de publicidade.

Razão não assiste ao órgão partidário.

Nos termos do art. 39 da Resolução TSE n. 23.546/17 e art. 370 do CPC, incumbe ao magistrado verificar a pertinência da produção da prova, podendo indeferir aquelas que reputar inúteis ou protelatórias.

No caso dos autos, em decisão fundamentada (fl. 230), o juízo a quo entendeu que o feito encontrava-se devidamente instruído, sendo despicienda a prova requerida, tendo sido oportunizado prazo para o oferecimento de alegações finais, em sintonia com o rito regulamentar.

Por isso, não houve violação ao direito de defesa.

No mérito, o partido teve suas contas partidárias relativas ao exercício de 2016 julgadas aprovadas com ressalvas, considerando a diminuta expressão financeira da irregularidade, consistente no recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas.

Contudo, a caracterização do recebimento das referidas receitas ensejou a determinação de recolhimento do valor R$ 690,00 ao Tesouro Nacional e da suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário.

A vedação em tela é veiculada pelo art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos, em sua redação original, e regulamentada pelo art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2016:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

IV – autoridades públicas.

Por sua vez, o conceito de autoridade previsto nos dispositivos em comento abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. (Grifei.)

A mesma inteligência é trazida pela norma interpretativa contida no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, tendo em vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão de desigualar o embate político-eleitoral entre os partidos que não contam com tal mecanismo.

O Ministro Cezar Peluso, redator da Consulta n. 1428, ao examinar o elemento finalístico da norma que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Desse modo, tenho que os bens jurídicos tutelados pela referida restrição, especialmente a paridade entre as agremiações e a moralidade administrativa, justificam a vedação normativa. Logo, não se sustenta a afirmativa de que a proibição em comento representa injusto entrave ao direito dos servidores públicos de participar plenamente das atividades partidárias, não obstante tenha sido conferido ulterior regramento à matéria em sentido diverso.

No ponto, observo que este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta, mediante juízo de ponderação de valores, posicionou-se pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

No que se refere à arrecadação de recursos no período eleitoral, ainda que o rol de fontes vedadas de recursos previstas às campanhas não contemple as doações de “autoridades”, os regimes jurídicos aplicáveis a cada modalidade de contas, partidárias ou eleitorais, são material e procedimentalmente distintos, exigindo, por isso, contabilidades e processos individualizados e separados. Por tais razões, as peculiaridades e a especialidade de cada uma das normas em relação aos distintos objetos, finalidades e requisitos que disciplinam, afastam a aventada tese de ofensa ao postulado da proporcionalidade.

A título argumentativo, destaco que a existência de imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna o recebimento de recursos lícito, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar. Outrossim, não cabe indagar o caráter de liberalidade da doação ou qualquer outra circunstância de caráter subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Ademais, é de se ressaltar que a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, o constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos por diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

No caso dos autos, a sentença considerou irregulares os recursos apontados pelo parecer técnico como sendo procedentes de fontes vedadas, no exercício de 2016, no total de R$ 690,00, advindos de doações de pessoas físicas detentoras de cargos de chefia e direção demissíveis ad nutum, assim discriminados:

a) Iolita Oliveira Schneider – coordenador de equipe de limpeza – Companhia Municipal de Urbanismo – 01.01.2016 a 17.8.2016 – R$ 60,00;

b) Jocelaine Faustino da Silva – encarregado do setor de manutenção predial – Serviços de Água de Esgoto de Novo Hamburgo/RS – 20.7.2015 a 06.10.2016 – R$ 204,00;

c) Lucas Muller Robaldo dos Santos – encarregado do setor de acompanhamento de obras – Serviços de Água de Esgoto de Novo Hamburgo/RS – 02.3.2015 a 06.10.2016 – R$ 226,00; e

d) Sandra Luciana da Rosa – chefe do departamento de controle de estoque – Serviços de Água de Esgoto de Novo Hamburgo/RS – 16.4.2013 a 06.10.2016 – R$ 200,00.

Não prospera o argumento recursal de que o cargo de coordenador, desempenhado por Iolita Oliveira Schneider, demanda a verificação do plexo de atividades correspondentes para ensejar a sua caracterização como sendo de direção.

Tendo em vista que, do conceito de coordenar, se extraem as atividades de gestão, direção e orientação, deve ser reputado escorreito o enquadramento realizado mediante o cotejo entre a nomenclatura atribuída à função e o plexo de atividades a ela imanentes, sendo que a prova de que a presunção resultante desse raciocínio não corresponde à realidade fática é ônus que incumbia exclusivamente ao órgão partidário, com base na demonstração de elementos evidenciadores do desvirtuamento do art. 37, inc. V, da CF/88, o que não se verificou.

Assim, não há nos autos elementos probatórios capazes de infirmar a conclusão de que o referido agente público comissionado detinha, seja de fato ou de direito, atribuições diversas daquelas que lhe reserva o art. 37, inc. V, da CF/88, verbis:

Art. 37. (…).

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Grifei.)

Dessarte, deve ser mantida integralmente a decisão recorrida relativamente ao enquadramento das fontes vedadas.

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, não representa propriamente uma sanção, mas um consectário normativo cujo escopo é garantir a efetividade da proibição de recursos de fontes vedadas, os quais, se recebidos, não devem permanecer no patrimônio da agremiação, razão pela qual não comporta reforma.

Considerando que apenas o partido recorreu da decisão, o pedido formulado pela Procuradoria Regional Eleitoral de reforma, de ofício, da sentença para que as contas sejam desaprovadas, em razão do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, encontra barreira na proibição de reformatio in pejus, devendo ser mantido o juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Por fim, no tocante à sanção contida no art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15, que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário por um ano, em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas, pondero que este Tribunal não tem aplicado a referida penalidade quando a ausência da gravidade da falha admite a aprovação das contas com ressalvas, situação que se enquadra na hipótese dos autos.

Portanto, a sentença deve ser reformada no particular, para que seja afastada a penalidade de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário.

Nesse sentido, destaco recente precedente de minha relatoria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHAS DE REDUZIDA REPRESENTATIVIDADE FRENTE À MOVIMENTAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido de que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

2. Não é permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta quando detenham a condição de autoridades. Recursos procedentes de ocupantes de cargos de chefia e direção, todos considerados fontes vedadas, enquadrados na proibição do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

3. As receitas obtidas por meio de depósito com a indicação do CNPJ do próprio partido devem ser consideradas como de origem não identificada, uma vez descumprido o preceito do art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. As falhas apuradas totalizam 3,41% do total de recursos arrecadados pela agremiação. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento do valor recebido de forma irregular ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC: 2444 PORTO ALEGRE - RS, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 23.10.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 196, Data 26.10.2018, p. 5.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso, apenas para afastar a determinação de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário, mantendo a aprovação das contas com ressalvas e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 690,00 ao Tesouro Nacional.