RE - 3890 - Sessão: 19/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Santiago contra a sentença do Juízo da 44ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016 e determinou: a) o recolhimento da quantia de R$ 79.368,00, resultante da soma do valor considerado como proveniente de fonte vedada (R$ 66.140,00), acrescida de multa de 20%; e b) a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário pelo período de sete meses (fls. 389-392).

Em suas razões (fls. 399-424), o partido sustenta que os recursos considerados irregulares estão de acordo com a legislação vigente ao tempo do julgamento das contas. Informa que a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional compromete a continuidade do órgão partidário. Postula o afastamento da multa imposta ou a sua redução. Argumenta que a determinação de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário é indevida, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95. Invoca a aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, que admite a contribuição de filiado ao partido, porquanto mais benéfica. Defende a licitude das doações realizadas por ocupantes de funções de assessoramento, enquadrando-se nesta espécie os cargos de Oficial de Gabinete da Câmara de Vereadores, Assessor Especial da Defensoria Pública do RS, Assessor do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Procurador-Geral do Município. Assevera que os recursos recebidos no período eleitoral devem ser considerados regulares. Ao final, requer a reforma da sentença, para que as contas sejam aprovadas e afastadas ou reduzidas a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional, a multa aplicada e a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário.

Com contrarrazões (fl. 433), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas, determinando-se: a) o recolhimento do montante de R$ 79.182,00 ao Tesouro Nacional, correspondendo R$ 65.985,00 às doações oriundas de fontes vedadas e R$ 13.197,00 à multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c art. 49 da Resolução TSE n. 24.464/15; e b) a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, c/c art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15 (fls. 437-445).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

No mérito, a agremiação teve suas contas partidárias, relativas ao exercício de 2016, julgadas desaprovadas, em decorrência do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, sendo determinado o recolhimento do valor correspondente, acrescido de multa de 20%, e ordenada a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário pelo período de 7 meses.

Inicialmente, observo que este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17 - que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta, mediante juízo de ponderação de valores -, posicionou-se pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Assim, o referido regramento não é aplicável ao caso sob exame.

No caso dos autos, a vedação ao recebimento de recursos oriundos de autoridades públicas é veiculada pelo art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos, em sua redação original, e regulamentada pelo art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2016:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

IV – autoridades públicas.

Por sua vez, o conceito de autoridade previsto na legislação abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Grifei.)

A mesma inteligência é trazida pela norma interpretativa contida no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, tendo em vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão de desigualar o embate político-eleitoral entre os partidos que não contam com tal mecanismo.

O Ministro Cezar Peluso, redator da Consulta n. 1428, ao examinar o elemento finalístico da norma que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Na espécie, a sentença considerou irregulares os recursos apontados pelo parecer técnico como sendo procedentes de fontes vedadas, no exercício de 2016, no total de R$ 66.140,00, advindos de doações de pessoas físicas detentoras de cargos de chefia e direção demissíveis ad nutum.

Quanto às funções de assessoramento, pontuo que a sentença excluiu, de forma expressa, as doações realizadas por Aline da Silva Borba e Graziela Fortes da Rocha, por ocuparem, respectivamente, os cargos de Assessora Jurídica da Procuradoria Municipal e Assessora Jurídica.

Transcrevo o excerto da decisão:

À luz da Lei Municipal nº 44/2010 as doações efetuadas pelas servidoras públicas Aline da Silva Borba (Assessora Jurídica da Procuradoria Municipal - fl. 364) e Graziela Fortes da Rocha (Assessora Jurídica - fl. 363) nos valores respectivos de R$644,00 (seiscentos e quarenta e quatro reais) e R$908,00 (novecentos e oito reais) devem ser descontadas do montante apontado, haja vista que seus cargos são de assessoramento. Todos os outros cargos públicos apontados pela Unidade Técnica possuem natureza jurídica de chefia ou direção, o que indicam elementos de autoridade e por consequência fonte vedada da doação financeira. (Grifei.)

No que se refere aos demais cargos relacionados no apelo recursal, destaco que a Lei n. 44/10, do Município de Santiago/RS, considera como sendo de direção a natureza da função de Procurador-Geral do Município e de chefia a de Assessor do Prefeito e Vice-Prefeito, devendo prevalecer o regramento específico constante na legislação:

Art. 207 Descrição do cargo comissionado de Procurador-Geral do Município:

I - denominação: Procurador-Geral do Município

II - forma de investidura: AGENTE POLÍTICO ou FG;

III - padrão: Subsídios fixados em Lei específica, quando investido na forma de agente político; ou padrão 2-A, quando investido como FG;

IV - natureza da função: direção

V - vagas: 01

VI - Secretaria vinculada: Procuradoria Geral do Município.

Art. 171 Descrição do cargo comissionado de Assessor do Prefeito e Vice-Prefeito:

I - denominação: Assessor do Prefeito e Vice-Prefeito

II - forma de investidura: FG ou CC

III - padrão: 3

IV - natureza da função: chefia

V - vagas: 03

VI - Secretaria vinculada: Gabinete

(Grifei.)

A respeito da função ocupada por Alesson de Melo, a agremiação não logrou demonstrar que o cargo de Oficial de Gabinete da Câmara de Vereadores possui natureza de assessoramento.

Observo, no particular, que deve ser reputado escorreito o enquadramento realizado mediante o cotejo entre a nomenclatura atribuída à função e o plexo de atividades a ela imanente, sendo que a comprovação de que a presunção resultante desse raciocínio não corresponde à realidade fática é ônus que incumbe exclusivamente ao órgão partidário, o que não se verificou.

Para finalizar, considero regular a receita proveniente de Breno Pinto de Freitas, Assessor Especial da Defensoria Pública, no valor de R$ 155,00, por tratar-se de cargo de assessoramento.

No que se refere à arrecadação de valores no período eleitoral, destaco que, embora o rol de fontes vedadas de recursos para as campanhas não contemple as doações de “autoridades”, os regimes jurídicos aplicáveis a cada modalidade de contas, partidárias ou eleitorais, são material e procedimentalmente distintos, exigindo, por isso, contabilidades e processos individualizados e separados.

Logo, apenas podem ser consideradas regulares as quantias arrecadadas na conta de campanha e escrituradas na contabilidade específica, o que não se verifica na situação em comento.

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, tenho que o juízo de desaprovação das contas não comporta reforma, porquanto comprometidas substancialmente a transparência e a lisura da contabilidade, tendo alcançado a representação de mais de 60% do total arrecadado.

Por sua vez, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, não representa propriamente uma sanção, mas um consectário normativo cujo escopo é garantir a efetividade da proibição de recursos de fontes vedadas, os quais, se recebidos, não devem permanecer no patrimônio da agremiação. Por isso, apenas deve ser deduzida a importância proveniente de Breno Pinto de Freitas, no valor de R$ 155,00, remanescendo a quantia de R$ 65.985,00.

No tocante à sanção contida no art. 47, inc. I, da Resolução TSE 23.464/15, que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário por um ano, em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas, tenho que a fixação do período deve adequar-se à gravidade da irregularidade, mas sem inviabilizar a manutenção das atividades do partido, o que permite a redução do patamar fixado para o período de 05 (cinco) meses.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, p. 71.)

Destaco que referida penalidade não decorre da desaprovação das contas, mas do recebimento de recursos provenientes de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Por fim, em relação à multa incidente sobre o montante irregular, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15, considerando que as receitas do partido durante o exercício de 2016 foram de R$ 109.179,92 (fl. 05)  e o recebimento de recursos de fontes vedadas foi de R$ 65.985,00, tenho que a multa pode ser reduzida ao patamar de 5%, pois não há motivos para fixá-la no máximo de 20% como fez a decisão de piso. Ademais, foi verificada apenas essa irregularidade que, apesar de comportar valor absoluto significativo, não se revela grave.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a desaprovação das contas e: a) reduzir a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional à quantia de R$ 65.985,00; b) limitar a fixação da multa imposta em 5% do valor irregular, correspondendo a R$ 3.299,25; e c) diminuir o prazo de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário para o período de 5 (cinco) meses.