RE - 2498 - Sessão: 01/08/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo DEMOCRATAS (DEM) de MUITOS CAPÕES contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude da falta de registro de despesas e receitas e do encerramento da conta-corrente, determinando a suspensão da distribuição de novas quotas do Fundo Partidário ao diretório municipal pelo prazo de 06 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado da decisão (fls. 128-129).

Em sua irresignação (fls. 134-141), o recorrente sustenta que o partido está localizado em pequeno município do Rio Grande do Sul e que praticamente não tem recursos nem movimentação bancária, de forma que a manutenção de conta em instituição financeira representa despesa mensal, em razão da cobrança de taxas. Aduz que não teve receitas nem despesas no exercício, motivo pelo qual ocorreu o encerramento da conta. Defende que os extratos anexados comprovam o encerramento da conta por inatividade e que o recorrente não recebe e nunca recebeu recursos do Fundo Partidário. Requer o provimento do recurso para que a contabilidade seja aprovada com ressalvas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 148-149).

É o relatório.

VOTO

No mérito, trata-se de prestação de contas do Democratas (DEM) de Muitos Capões, relativa ao exercício de 2015, a qual foi desaprovada em razão da ausência de conta bancária aberta durante todo o exercício financeiro. A agremiação manteve conta bancária em funcionamento até março de 2015, transcorrendo o restante do ano sem conta-corrente.

As contas partidárias possuem natureza eminentemente declaratória. No entanto, para conferir segurança e confiabilidade aos registros dos partidos, a legislação de regência impõe algumas obrigações que se constituem em verdadeiros instrumentos auxiliares do controle exercido pela Justiça Eleitoral.

Assim, os partidos devem “proceder à movimentação financeira exclusivamente em contas bancárias”, cuja abertura é obrigatória, “realizar despesas em conformidade com o disposto nesta Resolução” e “manter escrituração contábil”, como estabelecem os arts. 4º e 6º da Resolução TSE n. 23.432/14.

Dentre os mecanismos destinados a conferir segurança à contabilidade apresentada, o registro da movimentação financeira por meio de conta bancária é de fundamental importância, pois o trânsito de recursos através dos órgãos do sistema financeiro retira o caráter unilateral das declarações, permitindo o rastreamento dos valores e a identificação da origem e do destino dos recursos.

Dessa forma, a ausência de conta bancária deve levar à desaprovação da contabilidade, conforme aponta a jurisprudência:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO. ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. AUSÊNCIA. NÃO APRESENTAÇÃO DE EXTRATO BANCÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, apresentados minimamente documentos na prestação de contas, que devem ser desaprovadas, e não julgadas não prestadas. (Precedentes: AgR-REspe nº 725-04/PR, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 18.3.2015; AgR-REspe n° 1758-73/PR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 26.4.2018).

2. A não abertura de conta bancária específica e, consequentemente, a não apresentação do extrato bancário de todo o período de campanha eleitoral constituem motivo para a desaprovação das contas, mas não ensejam, por si sós, o julgamento destas como não prestadas. (Nesse sentido: AgR-REspe n° 157-24/AP, de minha relatoria, DJe de 6.6.2018; AgR-REspe n° 432-59/SE, de minha relatoria, julgado em 1º.8.2018; AgR-REspe nº 3110-61/GO, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 20.9.2016; AgR-REspe n° 1910-73/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 5.8.2016).

3. Da moldura fática delineada pela Corte Regional, conclui-se que as contas foram julgadas desaprovadas, porquanto o balanço contábil foi acompanhado por outros documentos que permitiram a análise das contas. Rever tal entendimento demandaria nova incursão no acervo fático-probatório, providência vedada na estreita via do recurso especial, consoante entendimento sumular nº 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 14340, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 20.9.2018.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2015. AFASTADA A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE PARA O DESLINDE DO FEITO. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. MANUTENÇÃO DA REPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. REDUZIDO O PRAZO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Afastadas as preliminares de nulidade. Decisão prolatada sem que fosse oportunizada a oferta de alegações finais, conforme a disposição contida no art. 40 da Resolução TSE n. 23.432/14. Cerceamento de defesa no indeferimento de produção probatória. Provas consideradas desnecessárias ou protelatórias pelo julgador, dispensando o recorrente da apresentação de alegações finais. Ausência de prejuízo à defesa.

2. É obrigatória a abertura de conta bancária para o trânsito dos recursos recebidos pelo partido. A movimentação integral de todos os recursos por meio da conta bancária retira o caráter unilateral dos dados prestados, demonstrando corretamente a circulação das receitas pela conta e a origem dos valores recebidos.

3. Inexistência de conta bancária durante a maior parte do exercício financeiro em análise. Ingresso de valores de origem não identificada. Art. 24, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Recolhimento ao Tesouro Nacional. Reduzido o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

4. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 5170, ACÓRDÃO de 07.11.2018, Relator LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 09.11.2018, Página 7.)

Não se ignora, contudo, a existência de alguns precedentes, tanto desta Casa quanto do Tribunal Superior Eleitoral, que entendem pela aprovação da contabilidade, mesmo ausente conta bancária, conforme se verifica pelas seguintes ementas:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOLIDARIEDADE (SD). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. DESAPROVAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. NÃO APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHAS GRAVES QUE COMPROMETERAM A FISCALIZAÇÃO DAS CONTAS PELA JUSTIÇA ELEITORAL.

[...] 5. Conforme já explicitado, em sintonia o aresto regional com a jurisprudência deste Tribunal Superior, firmada a contrario sensu, a possibilidade de mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária pelo partido político apenas nos casos em que assentado, na Corte de origem, que as falhas detectadas não impedem o efetivo controle das contas pela Justiça Eleitoral: "A irregularidade atinente a não abertura de conta bancária possui caráter insanável [...]. Todavia, não se desaprovam as contas quando a falha não impede seu controle pela Justiça Eleitoral, dadas as circunstâncias averiguadas no caso concreto." (AgR-REspe n. 103-54/AC, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 18.10.2013). Agravo regimental conhecido e não provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 12745, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 245, Data: 19.12.2017, Página 72.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DA DOCUMENTAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE NA APRESENTAÇÃO DAS CONTAS. ABERTURA TARDIA DA CONTA BANCÁRIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Apresentação intempestiva da documentação. Constituição do diretório estadual no ano de 2013 e abertura de conta bancária apenas no exercício seguinte. Irregularidade que pode ser superada se os elementos dos autos possibilitarem a fiscalização da movimentação financeira. Fase pré-operacional da agremiação a permitir a aposição de ressalvas na contabilidade. 2. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n 060004971, ACÓRDÃO de 18.12.2018, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação: DJ - Diário de justiça.)

A leitura dos precedentes acima indica que os tribunais firmaram jurisprudência no sentido de que a ausência de conta bancária para a movimentação específica leva à presunção de prejuízo à confiabilidade dos registros contábeis.

A respeito das presunções judiciais, Cândido Rangel Dinamarco leciona:

São presunções judiciais (hominis) as ilações que o juiz extrai da ocorrência de certos fatos para concluir que outro fato tenha acontecido, com eficácia restrita a cada caso em que julga. Essas ilações são fruto de sua própria construção inteligente ou do alinhamento a outras anteriormente fixadas em casos precedentes pelos tribunais, com a constância suficiente para caracterizar determinadas linhas jurisprudenciais. (Instituições de Direito Processual Civil, vol III, 6ª ed., 2009, pp. 121-122.)

Quando há o cumprimento da disciplina legal e regulamentar acerca da movimentação financeira, as declarações do prestador estão respaldadas pelas formalidades e pelos mecanismos que imprimem transparência às contas, conferindo-lhes credibilidade.

Ausente um desses elementos – e especialmente a conta bancária –, as declarações perdem amparo e sofrem uma natural fragilização. Daí, presume-se prejudicada a confiabilidade das contas, e o juízo de desaprovação passa a ser o caminho a ser tomado.

Entretanto, essa presunção de prejuízo é relativa, podendo a parte suprir a falta desse importante mecanismo por outros meios de prova, de modo a demonstrar, de forma clara e segura, a credibilidade das declarações.

Nessa situação, é importante ter presente que o ônus de demonstrar a falta de prejuízo é do prestador. Este, ao observar adequadamente as normas de regência, goza da presunção de veracidade de suas declarações. Tal presunção não mais lhe assiste quando deixa de movimentar os recursos da agremiação por meio de conta bancária, assumindo a incumbência de comprovar ao juízo a confiabilidade das informações por outros meios de prova idôneos, capazes de proporcionar a mesma segurança que a conta bancária específica poderia conferir às contas.

Na mesma linha, Cândido Rangel Dinamarco destaca que as presunções decorrem da máxima da experiência, que deve orientar o julgador, por força do art. 375 do Código de Processo Civil, “e influem também no onus probandi, poque desse sujeito será o ônus de provar os fatos que vier a alegar contra a presunção” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 6ª ed., 2009, p. 125).

Esse ônus que recai sobre o prestador não tem relação com a presunção de sua má-fé, como é comumente alegado perante a Corte. O ônus é um encargo objetivo que recai sobre o prestador como reflexo processual do risco por ele assumido quando não mantém conta bancária para a movimentação de seus recursos, em contrariedade à disciplina legal. É atribuído ao prestador por força do art. 373, inc. I, do CPC, segundo o qual o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito.

Na hipótese, embora a agremiação tenha deixado de manter conta bancária durante todo o exercício financeiro, logrou demonstrar que a falta dessa providência não causou prejuízo ao julgamento das contas.

Inicialmente, há indícios claros nos autos de que o partido efetivamente não arrecadou recursos financeiros durante o exercício de 2015, como informam as anotações das folhas 03 e 04, recebendo somente doações estimáveis em dinheiro (fl. 21).

Ademais, há documento assinado pelo presidente do diretório e pelo contador no qual informam que a agremiação “não tem sede própria ou alugada” (fl. 11), situação confirmada pelas anotações do Livro Diário, com débitos estimáveis em dinheiro relativos ao aluguel de móveis, computadores, materiais e a casa do presidente (fls. 32-35).

Aliado a essas evidências, foi juntado aos autos extrato de conta bancária abrangendo o período de 1º.01.2014 a 08.3.2015, no qual não há registro de movimentação financeira (fl. 77). Assim, além das informações acima, coerentes entre si, o documento bancário, apontando para a ausência de movimentação financeira pelo período de mais de 1 ano, indica que, efetivamente, o diretório municipal não movimentou recursos financeiros durante todo o período de 2015.

A ausência de movimentação financeira é elemento relevante para definir se a falta de abertura de conta bancária causa maiores prejuízos à confiabilidade das declarações. Essa demonstração, a ser produzida pelo prestador, deve ser realizada mediante elementos indiciários, pelos quais se possa presumir um fato (inexistência de movimentação de recursos em espécie) a partir da prova de outros.

A respeito do assunto, é pertinente a lição de Marinoni, Arenhart e Mitidiero:

[…] o princípio do raciocínio presuntivo calca-se na verificação concreta de outro fato (do qual se extrairá a ocorrência do fato principal). Esse fato secundário, cuja verificação é possível pelos meios probatórios normais, é que se chama de indício (razão pela qual as presunções também são denominadas de "provas indiciárias", embora a presunção, em análise mais correta, não constitua nem fato nem prova, mas apenas a conclusão do raciocínio presuntivo). Como lembra Schõnke, "fala-se em prova imediata se está dirigida ao fato de cuja demonstração se trata; assim, por exemplo, no litígio sobre a celebração de um contrato, o interrogatório de uma testemunha que presenciou as negociações contratuais. Uma prova indiciária existe, ao contrário, quando se provam diretamente fatos dos quais se deduzam os de significação imediata para a prova. Assim, por exemplo, trata-se de uma prova indiciária se para provar que entre as partes concluiu-se um contrato, interrogam-se pessoas às quais aquelas referiram algo sobre a celebração do mesmo". (Curso de Processo Civil, vol. 2, 2015, p. 295.)

No caso, os indícios apontam que a sigla não recebia recursos financeiros há mais de um ano e não possuía sede própria, operando por meio de doações estimáveis em dinheiro, na sua maioria provenientes do presidente do partido, conforme os documentos juntados aos autos.

É razoável inferir desses elementos que o partido não movimentou recursos financeiros no exercício de 2015.

Em sentido semelhante, esta Corte já aprovou as contas de partido com ressalvas quando a conta bancária foi encerrada pela própria instituição financeira por ausência de trânsito de recursos:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Exercício financeiro 2014.

Matéria preliminar rejeitada. 1. Manutenção apenas do partido como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, e mais recentemente da Resolução TSE 23.464/15, não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários por se tratar de matéria afeta a direito material. Ausência de prejuízo e de resultado útil ao processo. 2. A intimação do órgão partidário pelo Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral afasta o alegado cerceamento de defesa. Regularidade do ato de comunicação

processual, nos termos do art. 43 da Resolução n. 23.432/14.

Encerramento automático da conta corrente pelo banco em função da falta de movimentação financeira. Demonstrada a realização apenas de despesas operacionais, de pequeno valor, documentadas nos autos, situação em que a ausência de extratos bancários não possui a magnitude necessária para atrair a desaprovação das contas.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, nas prestações de contas anuais de partido político, quando a falha não obsta o controle e a fiscalização da Justiça Eleitoral. Entendimento incorporado na Lei n. 13.165/15, que instituiu a reforma eleitoral, ao dispor no § 4º do art. 32 da Lei n. 9.096/1995, que os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral.

Reforma da sentença para aprovar a prestação de contas com ressalvas.

Provimento parcial.

(Julgado em 17.8.2016, publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 151, Data: 19.8.2016, Página 3.)

Além disso, o parecer técnico conclusivo certificou a inexistência de recebimento de recursos do Fundo Partidário e manifestou-se pela aprovação das contas com ressalvas (fl. 123), não indicando maiores prejuízos causados à análise contábil.

Dessa forma, o prestador logrou superar a presunção de prejuízo causado pela ausência de abertura de conta bancária, conforme acima analisado, merecendo ser aprovadas com ressalvas as contas do partido.

Ante todo o exposto, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas do DEMOCRATAS (DEM) de MUITOS CAPÕES referentes à movimentação financeira do exercício de 2015.