E.Dcl. - 964 - Sessão: 23/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo DEMOCRATAS (DEM) de PORTO ALEGRE, fls. 351-352. Entende que o acórdão constante nas fls. 341-347v. padece de “omissões relativamente à matéria sub judice”. Requer o acolhimento dos embargos, com a atribuição de efeitos modificativos.

É o relatório.

 

VOTO

São tempestivos os embargos de declaração.

A interposição ocorreu em 15.10.2018, fl. 351. O acórdão foi publicado em 9.10.2018, quarta-feira, no DEJERS (fl. 349).

Oposição de acordo, portanto, com o art. 275, § 1º, do Código Eleitoral.

 

No mérito, a agremiação embargante sustenta, fundamentalmente, que não houve a indicação da “totalidade dos cargos e funções arrolados para manter as condenações de piso”, asseverando que “a atribuição constante das nomenclaturas não traduz, necessariamente, poder de mando ou hierarquia”.

Consigna que o Código de Processo Civil inseriu "a boa-fé dentre as NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL" (a caixa alta vem no original) como "um instituto jurídico relevante e que merece valoração no campo probatório".

Indica o próprio atuar do processo, o qual entende dotado de "lisura e clareza" e de "constante interesse" em “elucidar os aspectos da lide perante o Judiciário Eleitoral”, para que seja admitida a possibilidade de aprovação das contas, com ressalvas, mormente porque no acórdão embargado há expressa exclusão de atos de má-fé pelos prestadores de contas.

Requer o saneamento dos vícios apontados e a atribuição de efeitos modificativos para “excluir outros cargos da rubrica de doadores vedados e, com isso, reduzir o valor da glosa”.

 

À análise.

1 – Inexistência, no corpo da decisão, do rol de todos os cargos entendidos como caracterizadores de fonte vedada

Sem razão o embargante. Os embargos afirmam, aliás de maneira incompleta, que a decisão consignou: “O Sistema de Prestação de Contas – PRESTCON, constante às folhas 83-125 dos autos”, o que teria sido realizado “sem decompor a totalidade dos cargos e funções arrolados para manter as condenações de piso”.

Referem, ainda, que “a atribuição constante nas nomenclaturas não traduz, necessariamente, poder de mando ou hierarquia”.

Além de tratar-se de tentativa de visita ao mérito da demanda, a conclusão de quais cargos foram considerados como fonte vedada ocorre mediante raciocínio simples, ora pela mera leitura, ora por interpretação em senso contrário - pois constam na decisão os cargos incluídos e os excluídos da referida caracterização.

Segue trecho da decisão, que vai por mim grifado, facilitando-se, assim, a leitura, verbis (fls. 344-345):

[...]

In casu, na esteira do parecer exarado pelo órgão técnico (fls. 151-153), verifica-se que a agremiação recebeu recursos oriundos de fonte vedada, por meio das contribuições/doações efetuadas por apoiadores ocupantes de diversos cargos públicos na Administração Pública Municipal, tais como supervisor de gabinete parlamentar, supervisor, gestor, diretor, oficial de gabinete, etc, além de detentores de mandatos eletivos de vereador e deputado estadual, no somatório de R$ 52.450,00, durante o exercício sob exame.

O recorrente também sustenta que alguns dos cargos interpretados como autoridades, seriam, em realidade, de mera assessoria, não incidindo na vedação legal.

Ocorre que há divergências entre a nomenclatura dos cargos enumerada nas razões recursais e aqueles extraídos do Sistema de Prestação de Contas – PRESTCON, constantes às folhas 83-125 dos autos.

Referido sistema foi alimentado a partir de resposta da Prefeitura e da Câmara de Vereadores de Porto Alegre a ofícios encaminhados pelo juízo de primeiro grau, nos quais se solicitou a lista de pessoas “que exerçam cargos de chefia ou direção” durante o ano de 2015.

Dessa forma, as fontes dos dados são órgãos públicos, de modo que se presume a veracidade das informações, como acertadamente procedeu o magistrado sentenciante.

Outrossim, a sentença, com amparo nos cálculos técnicos de folhas 25-26, já decotou diversos dos doadores enumerados pelo recorrente, reconhecendo serem detentores de funções de assessoramento exclusivo ou de cargos eletivos no Poder Legislativo, conforme se extrai do seguinte excerto: 

Indicado pelo exame técnico de fls. 152/153, o valor de R$52.480,00 (cinquenta e dois mil quatrocentos e oitenta reais), segundo o critério temporal de doação adotado para julgamento destes autos (doação enquanto no cargo de natureza de autoridade), como sendo vertido por fontes vedadas, é de ser subtraído desse montante as contribuições/doações de Vercílio Albarello no valor de R$ 3.350,00, Reginaldo da Luz Pujol, no valor de R$ 3.780,00; e de Edi Wilson José dos Santos, no valor de R$ 1.200,00, consubstanciando um total de R$ 8.330,00 diante da natureza de mandatários eletivos dos mesmos enquanto contribuintes/doadores,

Devem ser retirados do somatório total apontado no exame, em que pese a contestação da natureza de autoridade pública dos diversos doadores informados nas petições da defesa de fls. 231-248, apenas os doadores ocupantes dos cargos de Oficial de Gabinete, Responsável por Atividades II, Assistente CC e Assessor técnico, dentre os constantes na tabela de doadores fls. 48/49, indicados pela administração pública como ocupantes de cargo de direção e chefia, os quais tiveram a natureza de autoridade pública de seu cargo infirmada nos autos, denotando-se da definição da atribuição dos cargos juntada a fls. 231/248, ser cargo de apenas, e tão-somente, puro assessoramento, sem atribuições primárias ou secundárias de função de chefia ou direção inerentes ao cargo 'latu sensu''. Dessa forma consubstancia-se nestes autos um valor total de contribuições de cargos de natureza pura de assessoria, apontados como autoridades pela administração municipal desta capital, e que serviu de base para alimentação do sistema PRESTCOM, de R$ 5.890,00 (cinco mil oitocentos e noventa reais) valor este a ser descontado do total apurado no exame de prestação de contas como oriundo de doações de fontes vedadas no ano base 2015.

Portanto, a agremiação não possui interesse recursal pela subtração das doações realizadas por José Luiz Seabra Domingues, Ana Paula de Camargo Fraga, Angela Regina da Cruz Walbrohel, Carina de Oliveira Silva Salvia, Carlos Michel Silva Dutra, Fernanda Quadros da Silveira Pereira, Leonardo Machado Fontoura Luiz Felipe Vianna Mallmann, Raquel Pantalhão da Silva, Rosemarie Berger, Vania Severo Barbosa, Vercidino Albarello, Reginaldo da Luz Pujol, Edi Wilson José dos Santos e João Abilio dos Santos, tendo em vista o acolhimento da alegação pela sentença, que descontou do valor indicado pela unidade técnica a exata soma das cifras vertidas por tais autoridades, qual seja, R$ 14.220,00, sendo R$ 8.330,00 advindos de mandatários políticos e R$ 5.890,00 oferecidos por “assessores”.

Por outro lado, a magistrada a quo concluiu pela ilegalidade das contribuições ofertadas por Rosane Alves Pratini (R$ 750,00) e Jorge Armando de Oliveira Fragada (R$ 4.500,00), ambos detentores do cargo de supervisor de gabinete parlamentar da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

Deveras, note-se que o referido cargo insere-se na proscrição legal, porquanto a atividade desenvolvida se relaciona diretamente ao exercício de função de direção ou chefia, consoante se extrai do quadro de especificações de cargos e funções da Câmara Municipal de Porto Alegre, estabelecido pela Lei Municipal n. 5.811/1986, de Porto Alegre (fl. 229), no qual se destacam as atribuições de (…) supervisar a recepção e o atendimento de pessoas que procuram o Vereador; supervisar as atividades do gabinete, orientando-as, coordenando-as e distribuindo as tarefas aos funcionários nele lotados; prestar e visar informações relativas as atividades do gabinete; supervisar a elaboração e datilografia de expedientes, correspondências e proposições em geral, mantendo informado, a respeito, o respectivo Vereador; determinar rotinas internas e cursos de ação para operacionalizar os trabalhos no âmbito do gabinete; (…).

Sendo assim, irretocável a decisão combatida quanto à análise das falhas apontadas.

 

Ou seja, ou os cargos estão indicados – inclusive com definição do nome dos ocupantes - ou conclui-se, via interpretação a contrario sensu, que se trata de fontes vedadas.

 

2. Aplicação do princípio da proporcionalidade, atuar processual e ausência de má-fé. A boa-fé objetiva no processo civil

 

No ponto, além de (outra) revisita ao mérito da demanda, necessário esclarecer que o art. 5º do CPC, de fato, prestigia a boa-fé.

Ocorre, contudo, que a norma em questão traz conteúdo obrigacional relacionado à conduta dos atores do processo, não derivando, daí, nenhuma “promessa” de que haverá aplicação do “princípio da proporcionalidade” no que diz respeito à análise da questão de direito material veiculada no processo.

A tese é peculiar, mescla direito processual e direito material, e não merece guarida.

O conteúdo da norma, repito, é cogente, constitui obrigação:

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Nada mais.

Dito de outro modo, a “expectativa” do embargante de ter a prestação de contas aprovada com ressalvas, porque teve conduta que autoproclama clara, interessada e idônea durante a marcha processual, não encontra o mínimo suporte legal, mormente quando as falhas, como destacado na decisão embargada, somam quase a metade dos recursos obtidos pelo partido no exercício de 2015 – 46% (quarenta e seis por cento), para ser mais exato. Nenhuma aplicação do princípio da proporcionalidade poderia ser empregada aqui, na seara material, circunstância inviável em face das irregularidades praticadas.

Ademais, também houve manifestação expressa acerca da boa-fé (ou má-fé) do embargante e da respectiva importância para o desfecho da decisão:

Finalmente, saliento que elementos como “gravidade” ou “má-fé” não compõem a estrutura das irregularidades detectadas, de modo que sequer foram analisadas, para que se chegasse ao reconhecimento das irregularidades.

Por fim, acrescento que, segundo a jurisprudência do TSE, o recebimento de recursos de fonte vedada é irregularidade capaz de ensejar, por si só, a desaprovação das contas (TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14022, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. GILMAR MENDES, DJE de 05.12.2014), uma vez que compromete o controle, a confiabilidade e a transparência das receitas e despesas.

 

Diante do exposto, ausentes os vícios alegados e detectada a intenção de nova análise do mérito da demanda, VOTO  pela rejeição dos embargos de declaração.