RE - 160 - Sessão: 05/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de análise em conjunto de três recursos eleitorais, interpostos contra sentenças do Juízo da 142ª Zona Eleitoral, em ações movidas contra DIVALDO VIEIRA LARA e MANOEL LUIZ GONSALVES MACHADO, respectivamente Prefeito e Vice-Prefeito, eleitos em 2016, para o Poder Executivo de Bagé. São eles os seguintes:

1. AIME n. 1-60.2017.6.21.0142: recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL – PCdoB de Bagé (fls. 2358-2366) em face de sentença (fls. 2348-2352), que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de abuso de poder político e econômico. Apresentadas contrarrazões (fls. 2372-2381), foram os autos para a Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 2386-2399);

2. Representação n. 4-15.2017.6.21.0142: recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL –PCdoB de Bagé (fls. 533-545) em face da sentença (fls. 526-528v.), que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento da prática de “Caixa Dois” e de abuso de poder político e de autoridade. Com as contrarrazões (fls. 550-553), a Procuradoria Regional Eleitoral posiciona-se pelo desprovimento do recurso (fls. 557-563);

3. AIJE n. 643-67.2016.6.21.0142: recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 998-1003) em face de sentença (fls. 985-993), que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de prática de condutas vedadas e abuso do poder político e de autoridade. Apresentadas contrarrazões (fls. 1008-1021), a Procuradoria Regional Eleitoral, nesta instância, opina pelo provimento parcial do recurso (fls. 1025-1035v.).

É o relatório.

Em virtude da presença de recurso em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, submeto à d. revisão.

 

VOTO

DESTAQUE: Questão de ordem. Julgamento conjunto.

Trata-se de recursos em três ações: (1) o RE AIME n. 1-60.2017.6.21.0142 e (2) o RE Rp n. 4-15.2017.6.6.21.0142, nos quais é recorrente o Partido Comunista do Brasil, e (3) o RE AIJE n. 643-67.2016.6.21.0142, no qual é recorrente o Ministério Público Eleitoral.

E, em todos, os autos vieram após pareceres em que o d. Procurador Regional Eleitoral suscita preliminarmente a necessidade de julgamento conjunto, por entender aplicável o art. 96-B da Lei n. 9.504/97.

De fato.

O art. 96-B da Lei n. 9.504/97 determina que serão reunidas para julgamento as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, sendo competente para apreciá-las o relator que tiver recebido a primeira.

A identidade dos fatos é nítida, como adiante será esmiuçado, de forma que se impõe o julgamento conjunto. Além, friso que as demandas comungam também do mesmo momento processual – fase de interposição de recurso perante este Regional.

Cabem apenas observações relativamente a algumas peculiaridades – os recursos em AIME, por exemplo, comportam desembargador-revisor, art. 41 do Regimento Interno do TRE/RS. Ainda, tal normativo assegura, em cada um dos processos, tempo para sustentação oral dos procuradores – 10 minutos, art. 58 do RITRE/RS.

Dessa forma, faço constar que: (1) procedi à remessa dos feitos ao Exmo. Revisor, Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, precedentemente à inclusão em pauta, em virtude da AIME n. 1-60.2017.6.21.0142; (2) o presente voto abordará os três processos, ainda que especificando a análise em apartado de cada um deles.

Manifesto-me, portanto, para acolher a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, pelo julgamento conjunto das demandas.

Destaco.

À análise.

Tempestividades

Os recursos são, todos, tempestivos.

1. AIME n. 1-60.2017.6.21.0142

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral - DEJERS em 02.03.2018 (fl. 2353), sexta-feira. O prazo teve contagem iniciada na segunda-feira, 05.03.2018, e o recurso foi interposto em 07.03.2018 (fl. 2358), quarta-feira, dentro do tríduo a que alude o art. 258 do Código Eleitoral.

2. RP n. 4-15.2017.6.21.0142

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral - DEJERS em 24.04.2018 (fl. 529), e o recurso foi interposto em 27.05.2018 (fl. 533), dentro do tríduo a que alude o art. 258 do Código Eleitoral.

3. AIJE n. 643-67.2016.6.21.0142

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral - DEJERS em 02.03.2018 (fl. 994), sexta-feira. O prazo teve contagem iniciada na segunda-feira, 05.03.2018, e o recurso foi interposto em 07.03.2018 (fl. 998), quarta-feira, dentro do tríduo a que alude o art. 258 do Código Eleitoral.

Presentes os demais pressupostos, merecem, todos, conhecimento.

Aos exames de mérito.

I. AIME n. 1-60.2017.6.21.0142

A sentença entendeu pela improcedência total do pedido do PCdoB de Bagé. A grei requereu a cassação dos mandatos de DIVALDO LARA (Prefeito de Bagé) e MANUEL MACHADO (Vice-Prefeito de Bagé), com suporte no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal.

O PCdoB de Bagé recorre da decisão. Em resumo, sustenta que:

a) houve aumento do número de cargos em comissão, para que fossem utilizados servidores públicos na campanha dos recorridos;

b) utilizou-se a equipe de TV da Câmara de Vereadores de Bagé na campanha eleitoral dos recorridos, além de ocultar-se, na prestação de contas, tais serviços;

c) DIVALDO VIEIRA LARA aproveitou-se da condição de Presidente da Câmara para prestar homenagens e distribuir benesses, com o fito de angariar votos à sua candidatura para o cargo de Prefeito de Bagé;

d) ocorreu, por parte de DIVALDO, abuso na utilização dos meios de comunicação social e na contratação de empresas, para acomodar simpatizantes da campanha eleitoral;

e) o impugnado DIVALDO VIEIRA LARA obteve apoio político indevido ao aumentar a remuneração de servidores; e

f) houve o favorecimento da candidatura de Graziane Lara, sobrinho de DIVALDO.

De início, ressalto que não se operou a decadência, pois a presente AIME observou o prazo de ajuizamento. Foi proposta no dia 09.01.2017, primeiro dia útil após o recesso forense, conforme, portanto, a jurisprudência do TSE para as eleições de 2016. Vide, nessa linha, o REspe n. 224, Relator o Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicado no DJE em 24.9.2018, páginas 13 e 14.

Ademais, e como apontado pela PRE, o e. TSE tem se manifestado pela possibilidade de que, em sede de AIME, sejam aferidos fatos que, hipoteticamente, possam caracterizar abuso de poder político e conduta vedada, entrelaçados com o abuso de poder econômico, motivo constitucional para as Ações de Impugnação de Mandato Eletivo, art. 14, § 10, da Constituição Federal (por exemplo, REspe n. 405, Relatora Min. MARIA THEREZA MOURA, DJE de 10.6.2015, p. 53).

Para mais, o abuso de poder, sob os vieses econômico e político, está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

Note-se que a vedação se vale de norma composta por conceitos indeterminados, não definidos taxativamente, e sim pela finalidade de impedir comportamentos irregulares nas posições públicas dos candidatos, desequilibrando o certame eleitoral.

Por seu turno, a quebra da normalidade do pleito é ligada à gravidade da conduta. É o que consta no art. 22, XVI, da Lei Complementar 64/90:

Art. 22. [...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Grifei.)

Nesse sentido, José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Relativamente aos fatos, colho trecho da decisão do 1º grau, pela clareza e análise da prova, evitando-se a modificação de palavras para repetir o já escrito. Peço licenças pela extensão e friso que adoto a transcrição como razões de decidir, não se tratando de fundamentação per relationem, mas de adesão integral ao raciocínio empreendido pelo magistrado a quo (fls. 2350v.-2351v.):

[...]

O autor imputa aos requeridos, especialmente ao então candidato a prefeito Municipal, Divaldo Lara, a prática de diversos atos que importariam em abuso do poder econômico.

Abuso de poder econômico pelo uso, na campanha, de pessoal pago pelo Poder Legislativo Municipal.

O autor refere que houve uma reforma administrativa na Câmara de Vereadores, com profundas mudanças na área de pessoal, reforma essa promovida pelo presidente da Casa, Vereador Divaldo Lara, coma nítida "intenção de utilizar a estrutura financeira e de pessoal da Câmara de Vereadores com visitas às eleições".

É possível que o Presidente do Legislativo, vereador Divaldo Lara, quando da reforma administrativa implantada na Câmara de Vereadores, efetivamente tivesse a intenção de candidatar-se a Prefeito Municipal e já estivesse montado sua máquina eleitoral; todavia, não é possível asseverar, com certeza, que a reforma implantada com base na Lei Municipal 5.503, de 24 de julho de 2015 foi realizada com a precípua intenção de "organizar quadros" para a campanha política que se desenrolaria no ano de 2016.

Não se pode olvidar que a Lei 5.503/15 foi aprovada pela Câmara de Vereadores, o que em princípio, é suficiente para descaracterizar a legislação como possível ato abuso de poder econômico ou político praticado pelo requerido Divaldo Lara.

De outro lado, nestes autos, não há comprovação de que os servidores do Legislativo Municipal, contratados com base na nova legislação, tenham trabalhado na campanha política do candidato Divaldo Lara, até porque aqui não foi produzida prova testemunhal.

Todavia, na ação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral ficou evidenciado o uso de máquina pública, bens e serviços da Câmara de Vereadores, em prol da Candidatura de Divaldo Lara a Prefeito Municipal.

Aliás, as fotografias das fls. 150-151, de funcionárias comissionadas preparando presentes para serem entregues no denominado "Domingo Alegre" pelo vereador Divaldo Lara, vem ratificar o sustentado pelo Ministério Público.

Quanto à entrega de diplomas, troféus, placas e medalhas a pessoas de destaque na sociedade local, em sessões solenes na Câmara Municipal de Vereadores, especialmente no ano de 2015, entende-se que essa prática não se revela suficientemente grave para caracterizar abuso de poder, em matéria eleitoral, pois, à evidência, não teve o condão de prejudicar a normalidade do pleito realizado em 2016.

É verdade que a matéria pode ser questionada sob outra ótica, como da improbidade administrativa, mas, como já referido, tem-se como insuficiente para prejudicar a normalidade do pleito.

Com relação ao abuso de poder econômico através dos meios de comunicação, com a devida vênia, não se vislumbrou configurado abuso de poder político ou econômico em matéria eleitoral. Inclusive houve acompanhamento pelo Ministério Público das matérias jornalísticas publicadas durante a campanha eleitoral, não se observando que os jornais locais, de alguma forma, tenham privilegiado quaisquer candidaturas.

Eventuais contratos celebrados pelo Presidente do Poder Legislativo, vereador Divaldo Lara, com empresas jornalísticas ou pessoas físicas, com já referido, podem ser examinados sob ótica da improbidade administrativa, mas com certeza não foram capazes de produzir influência no pleito eleitoral de 2016, já que as matérias veiculadas na imprensa escrita mantiveram um padrão elevados e não favoreceram ou prejudicaram, ao menos de forma visível, nenhum dos candidatos.

Abuso de poder econômico e uso de empresa s terceirizadas. A opção do administrador público de contratar ou não serviços terceirizados, desde que dentro da legalidade, está na esfera de suas atribuições administrativas, não importando, a priori, em abuso de poder.

De outra banda, não há prova nos autos, como referido na inicial, de que a nomeação dos trabalhadores das empresas terceirizadas tenha sido realizada mediante indicação do então vereador Divaldo Lara, e, mais, que tais contratações tenham influenciado na eleição para Prefeito Municipal.

Por fim, também nesse particular, ressalta-se que eventuais irregularidades na contratação de empresas terceirizadas pode ser examinada sob ótica da improbidade administrativa já que não se observa, ao menos em princípio, uma conotação eleitoral nessas contratações.

Questiona o autor, e aponta como sendo ato de abuso de poder econômico, a própria formação da Coligação Todos pela Mudança, coligação formada pelos partidos que apoiaram a candidatura de Divaldo Lara a Prefeito Municipal.

O abuso derivaria da realização de nomeações de pessoas vinculadas a esses partidos políticos, além da distribuição de vantagens aos integrantes dos partidos políticos coligados.

As composições entre os partidos políticos com vistas às eleições, a negociação de futuras nomeações de pessoal para as secretarias municipais e demais cargos em comissão, dentre outras práticas que não contrariem a legislação, de forma algum podem ser taxadas com atos de abuso de poder econômico ou político. Esses são atos normais da vida política, e se o candidato Divaldo Lara conseguiu contar com o apoio de uma ampla coligação de partidos políticos, aos vencidos, com a máxima vênia, cabe apenas reconhecer sua capacidade de articulação política.

Finalmente, também é apontado como possível abuso de poder econômico por parte do requerido Divaldo Lara o favorecimento de parentes na campanha eleitoral, especialmente o apoio dado ao candidato a vereador Graziane Lara, seu sobrinho.

Essa questão não tem qualquer pertinência com o objeto da presente AIME, já que não está em exame a prestação de contas da campanha do candidato a vereador Graziane Lara, que sequer é parte nesta ação.

Do conjunto de fatos imputados na inicial ao candidato Divaldo Lara, quase todos são relacionados a atos de ofício praticados no exercício da Presidência da Câmara de Vereadores de Bagé, e que, em última análise, envolveriam o uso da máquina pública da Casa Legislativa em proveito da sua candidatura.

É muito possível, como já mencionado, que o candidato Divaldo Lara tenha articulado sua candidatura a Prefeito Municipal, bem como promovido sua imagem de gestor público, usando a visibilidade do cargo de Presidente do Legislativo.

Todavia entender como sendo atos abusivos, a ponto de tornar insubsistente o mandato eletivo do atual Prefeito Municipal, a nomeação de CCs na Câmara de Vereadores, a aprovação de projeto de lei tratando da reforma administrativa da Casa, a contratação de serviços terceirizados, a própria composição da Coligação Todos pela Mudança (como se o candidato tivesse "comprado" os demais partidos políticos), a distribuição de medalhas e placas, a suposta utilização da imprensa escrita, sem dúvida alguma, afrontaria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Muitas das conclusões da parte autora, que serviram para fundamentar a presente ação, por certo partem de sua percepção sobre a política local e da forma como é exercida essa política por seus diversos atores.

Irretocável.

Note-se a ausência de provas contundentes das condutas mais graves atribuídas aos recorridos, em especial ao impugnado DIVALDO LARA. Nessa linha, a alegação de que o incremento de cargos em comissão se deu para o aproveitamento da máquina administrativa na campanha eleitoral perde força quando se identifica a aprovação de Lei Municipal, n. 5.503/15, o que, por si só, já retira de DIVALDO a responsabilidade pessoal pela “reforma administrativa” ocorrida.

Ora, DIVALDO era, de fato, presidente do Legislativo; contudo, não operou individualmente o aumento no número de cargos em comissão (de 66 para 75). Tratou-se de um ato do Poder Legislativo local.

Nesse sentido, não procede a afirmação de utilização de cargos em comissão, pertencentes à “TV Câmara”, pois está comprovado que os servidores foram exonerados pouco antes do período eleitoral, circunstância que cumpre a norma de regência. Se Daniel Romero, Gladimir Aguzzi de Oliveira, Vitor Edinei de Oliveira Garcia, Paulo Sérgio Ferreira e João Paulo Batista foram exonerados dos cargos ocupados (aliás, a própria TV Câmara teve suas atividades suspensas durante o período eleitoral), não é possível concluir pela prática de abuso.

Como bem salientado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, fl. 2393, não tendo havido o labor na campanha de parte de detentores de cargos em comissão na Câmara Municipal no horário de expediente, descabido se falar em abuso do poder político ou econômico. Ademais, as afirmações de ocultação de valores, receitas e despesas, na prestação de contas dos recorridos, são objeto de representação ajuizada também pelo PCdoB de Bagé, e merecerão exame na sequência do presente voto.

Situação semelhante diz com a distribuição de presentes e a realização de homenagens em sessões solenes na Câmara de Vereadores de Bagé. Houve contratos com empresas para a compra de placas, medalhas e diplomas, fls. 153-166, bem como locação de tendas, palco, capas para cadeiras, materiais para eventos, fls. 168-174.

Novamente, como asseverado pela PRE, os fatos provados não discrepam daquilo que usualmente é realizado no legislativo municipal na maioria das cidades (fl. 2393v.). Os autos trazem, inclusive, requerimentos de sessões solenes feitos por vereadores pertencentes a partidos dos mais variados matizes ideológicos, reforçando o quão comum é tal prática, que possui a presunção de legalidade ínsita aos atos administrativos.

Em resumo, a conduta não é vedada ou abusiva, sobretudo com os elementos dos autos – poderia ser considerada dispensável, mas não pode ensejar o provimento do recurso.

Note-se, ainda, a questão do abuso dos meios de comunicação social. Trago trecho do parecer da Procuradoria Regional, que bem descreve a situação (fl. 2394):

Alega o partido recorrente que o impugnado DIVALDO VIEIRA LARA utilizou de forma abusiva dos meios de comunicação social, contratando os jornais locais para prestarem serviços na Câmara Municipal, notadamente o Jornal Folha do Sul Gaúcho, a fim de obter promoção pessoal nos mesmos. Salientou que um dos proprietários do referido jornal, o Sr. JÔNIO TAVARES FERREIRA SALES, era assessor parlamentar do gabinete da Presidência, exatamente para assegurar, em troca, a utilização do periódico em favor do impugnado DIVALDO LARA. Referiu que o outro proprietário do Jornal Folha do Sul, FABIANO MARIMON, assumiu como Secretário de Cultura na gestão iniciada pelos impugnados à frente da Prefeitura de Bagé. Menciona que os dois proprietários do Jornal Folha do Sul contribuíram para a campanha de DIVALDO LARA.

Ocorre que, forma comprovada, Jônio e Fabiano se retiraram da sociedade em 25.11.2015, conforme documentação acostada às fls. 1832-1839 – Alteração e Consolidação do Contrato Social da Editora Jornalística Folha do Sul Gaúcho Ltda.

De fato, é clara a proximidade de DIVALDO com os antigos proprietários do periódico. Todavia, ainda que Jônio e Fabiano tenham permanecido à frente, ao menos de fato, da referida editora, não há provas de favorecimento à candidatura dos recorridos: por exemplo, uma matéria tendenciosa beneficiando os recorridos ou prejudicando os adversários.

Ademais, as nomeações de Jônio e Fabiano aos cargos de assessor e secretário não podem ser consideradas, por suposição, ilegais. A prova do abuso haveria de ser (bem) mais forte do que as alegações constantes nos autos.

Note-se, nessa ordem de argumentação, que o Ministério Público de 1º grau prestou serviço de relevo durante as eleições municipais de 2016 em Bagé, ao acompanhar as publicações dos periódicos locais, e manifestou-se no sentido de que não houve favorecimento ou prejuízo, ao menos de forma visível, a qualquer candidato.

Ainda, teriam sido usados equipamentos e servidores da TV Câmara em festa de virada de ano (Réveillon), ocorrida na casa noturna “Reina”, cujo proprietário é Fabiano Marinon, antigo proprietário do jornal “Folha do Sul Gaúcho”, e ligado a DIVALDO.

O evento teria o objetivo de promover o nome de DIVALDO. A festa recebeu divulgação no jornal "Folha do Sul Gaúcho".

Acerca de tais acontecimentos foram apresentadas imagens, fls. 260 e 262, nas quais DIVALDO está acompanhado de outras pessoas, incluídos Fabiano e servidores (uniformizados) da TV Câmara.

Aqui se verifica o proveito do julgamento conjunto, pois essas ocorrências também são objeto da AIJE ajuizada pelo MPE.

De qualquer forma, saliento que a distância temporal entre os fatos (Réveillon) e a data das eleições, aliada à relevância do evento por si mesmo, retira o elemento da gravidade das circunstâncias, o qual deve estar presente para a constatação do abuso de poder pelo malferimento do bem jurídico tutelado, qual seja, a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme o texto constitucional, replicado na legislação complementar, inc. XVI, arts. 22, c/c 19, parágrafo único, ambos da LC n. 64/90.

Dito de outro modo, não há espaço, aqui, para a cassação de mandatos, sobretudo se considerado que a chapa encabeçada por DIVALDO LARA sagrou-se vencedora com 75,04% dos votos válidos, pois, como apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, sem que seja afetada a legitimidade e normalidade do pleito, deve prevalecer o resultado das urnas, assegurando-se assim os princípios da democracia representativa e soberania popular insculpidos no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal (fl. 2399).

Em mais um fato apontado como abusivo, o partido recorrente acusa DIVALDO LARA, então Presidente da Câmara, de contratar empresa de terceirização de mão de obra (empresa Paula Lopes Groeger) com o intuito de lá acomodar simpatizantes de sua campanha. As pessoas envolvidas seriam CLÁUDIA BERENICE SOARES LACERDA MESSIAS e MOZART RIBEIRO DE QUADROS, nos seguintes termos:

- Cláudia: no cargo de recepcionista, com salário de R$ 1.750,00, esposa de Roberto Rivelino Messias, servidor do Gabinete de Luís Augusto Lara, deputado estadual, irmão de DIVALDO. Ainda, Cláudia ocupou cargo em comissão na Câmara Municipal.

- Mozart: no cargo de motorista, com salário de R$ 2.763,89, consta na lista de doadores de Graziane Lara Martins, sobrinho de DIVALDO.

A documentação juntada como prova é constituída pelo contrato com a empresa PAULA LOPES GROEGER (fls. 264-273) e por dados da folha de pagamento de ROBERTO RIVELINO MESSIAS como Assessor na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (fl. 275).

Fatos que, diante da ausência de provas, não configuram irregularidade, quer na celebração dos contratos, quer do aproveitamento eleitoral.

Em primeiro lugar, trata-se de 2 (duas) contratações, número que afasta a identificação de abuso de poder político. Doações para candidatos não são proibidas. São, na realidade, permitidas e regradas. Novamente, presumem-se lícitas.

A doação de Mozart, nessa toada, é absolutamente razoável.

Ademais, o então candidato Graziane não é parte nos presentes processos, de modo que eventuais irregularidades devem ser averiguadas nos processos condizentes com aquela candidatura.

Some-se não haver prova fundamental: a de que Mozart tenha, em algum momento, feito campanha para DIVALDO, o que poderia fornecer indícios de que o cargo na empresa terceirizada seria, na verdade, moeda de troca. 

No que diz respeito à Cláudia, a situação é semelhante. Ainda que se considerem verossímeis as circunstâncias, de Cláudia ser casada com servidor do Gabinete do Deputado Estadual irmão de DIVALDO, poderia se entender como início indiciário (do direcionamento na contratação) a demonstração de que ela, Cláudia, laborou na campanha de DIVALDO. Não há prova de tal fato nos autos, como aliás tampouco da relação conjugal indicada, ou de que Roberto Rivelino Messias, suposto esposo, ocupou cargo no Gabinete de Luís Augusto Lara. A prova é, somente, de que ele é servidor da ALRS.

Aqui, peço vênia para não me alinhar à posição externada pela d. PRE, que entende que a contratação de Cláudia pela empresa terceirizada teria afrontado o princípio da impessoalidade, caracterizaria abuso de poder e objetivaria a busca de apoio financeiro.

Isso porque a relação é demasiado indireta, note-se: Cláudia comporia uma relação conjugal com um servidor do gabinete do irmão do Presidente da Câmara, que contratou a empresa terceirizada na qual Cláudia, ela novamente, obteve emprego com salário de R$ 1.750,00.

Não há gravidade, relevância nos valores para que se possa concluir pela busca de aporte financeiro. A doação eleitoral de Cláudia a DIVALDO, no valor de R$ 1.600,00, mostra a ausência de relevo. A campanha de DIVALDO arrecadou R$ 246.247,26, ou seja, a doação de Cláudia compõe 0,65% do total.

Finalmente, alega o partido recorrente que DIVALDO VIEIRA LARA obteve apoio político mediante o aumento de remuneração dos servidores. O caso emblemático seria o do Presidente do MDB de Bagé, Eduardo Deibler, Assessor Jurídico, o qual teria recebido aumento de quase 100%, conforme contracheque à fl. 2.311.

Mais uma vez, meramente indiciário. Sobre o item, colho trecho do parecer do d. Procurador Regional Eleitoral, o qual tomo, expressamente, como razões de decidir:

[...] fato serve apenas como indício de que eventual aumento excessivo de remuneração poderia ter sido utilizado para angariar o apoio político do MDB. Mas não serve como prova, pois o indício deveria ser corroborado por prova testemunhal ou direta (gravação ambiental, etc.), que demonstrasse essa utilização indevida do cargo por parte do impugnado Divaldo Lara.

Por outro lado, o apoio político dado pelo MDB e, notadamente, pelo seu Presidente, pode ser explicado não pelo referido aumento de remuneração, mas sim pelos cargos no governo acertados pelos candidatos impugnados com o referido partido. Nesse sentido, é esclarecido na petição inicial que, ao anunciar a composição do futuro governo, o prefeito eleito, DIVALDO LARA, informou que EDUARDO DEIBLER, Presidente do MDB local, assumiria a Secretaria de Gestão, Planejamento e Captação de Recursos (fl. 32). Ainda outro integrante do MDB, BAYARD PÁSCOA PEREIRA, assumiria a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (fl. 32).

Ao que consta, na formação de coligações para pleitos majoritários, é normal uma divisão das secretarias/ministérios entre os partidos coligados, sendo exatamente essa composição que viabiliza a coligação. Destarte, não é possível concluir que a coligação com o MDB tenha sido efetivada em virtude do aumento de remuneração do seu Presidente, mas sim diante das secretarias oferecidas ao aludido partido.

Em resumo, o recurso interposto na AIME n. 1-60.2017.6.21.0142 não merece provimento. Eventuais práticas de abuso de poder deveriam ter sido amparadas, no contexto probatório, por elementos de maior vulto, ônus do qual o partido recorrente não se desincumbiu, pois sempre apontou atos que fruem de presunção de legalidade.

Tal dinâmica (a necessidade de razoável força comprobatória) é consectário do próprio princípio da proporcionalidade, uma vez que as sanções são bastante graves.

Nessa linha, precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). PREFEITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA. RELATÓRIO DE AUDITORIA. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. NATUREZA INDICIÁRIA. RECURSO PROVIDO.

1. Na dicção do art. 128 do Código de Processo Civil, o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Desse modo, é vedado ao magistrado decidir com base em fatos não constantes da petição inicial.

2. A cassação do mandato em sede de ação de impugnação de mandato exige a presença de prova robusta, consistente e inequívoca, o que não ocorreu nos presentes autos. Precedentes.

3. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo.

O Tribunal, por unanimidade, proveu o recurso, nos termos do voto do Relator.

RESPE n. 428765026 – PE. Acórdão de 0602.2014. Relator Min. Dias Toffoli. DJE 10.03.2014, Página 93/94.) Grifei.

Ou seja, para o reconhecimento de que foi ilicitamente obtido o mandato de Prefeito, é mister que haja provas concretas do abuso de poder, acima de alegações. Não há dúvidas, como asseverado no parecer da PRE, de que reformas legislativas poderiam trazer comandos normativos mais eficazes. Contudo, à míngua de regras expressas de vedação de práticas, elas não podem ser consideradas ilegais, sobremodo para acarretar a grave consequência da cassação de mandatos.

À análise da Rp n. 4-15.2017.6.21.0142.

II. Rp n. 4-15.2017.6.21.0142

Aqui, trata-se de recurso do PCdoB de Bagé (fls. 533-545) em face da sentença (fls. 526-528v.) que julgou improcedentes os pedidos contidos na representação. Atribui-se a DIVALDO VIEIRA LARA e MANOEL LUIZ GONSALVES MACHADO, candidatos eleitos a Prefeito e Vice-Prefeito do município de Bagé nas eleições de 2016, as práticas de arrecadação e gastos ilícitos de recursos de campanha eleitoral, enquadráveis no art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

O recurso traz, em resumo, como fatos irregulares:

a) o aumento do número de cargos em comissão com o fito de utilizar-se de servidores públicos e aportar recursos na campanha, pois os referidos servidores doaram o total de R$ 25.750,00 aos recorridos; e

b) que os servidores detentores de cargos em comissão da “TV Câmara” foram exonerados antes do período eleitoral para participarem da campanha dos representados, sem que tenham constado, como despesas na prestação de contas, os valores gastos pela Câmara de Vereadores nas rescisões.

A demanda se funda no art. 30-A da Lei das Eleições:

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

 

Portanto, para a aplicação do art. 30-A, o ingresso e o dispêndio do recurso financeiro na campanha eleitoral há de ser realizado em desacordo com o disposto na Lei n. 9.504/97, especificamente no que concerne às regras reguladoras da arrecadação e dos gastos de recursos durante a campanha: a ilicitude poderá estar na forma de recebimento de recursos que seriam, em princípio, lícitos – por exemplo, valores que não tenham transitado pela conta do candidato, consoante o art. 22, caput, da Lei n. 9.504/97, ou, ainda, no recebimento de recursos ilícitos em si mesmos, v.g., doação efetuada por concessionário de serviço público - fonte vedada, conforme o art. 24 do mesmo diploma.

O comando legal visa evitar o desequilíbrio na disputa entre os candidatos. De modo reflexo, há o prestígio da transparência na arrecadação e nos gastos dos participantes do processo eleitoral com obediência à Lei n. 9.504/97.

Nesse viés, tanto a doutrina aponta que o art. 30-A objetiva “atacar irregularidades ocorridas especificamente na arrecadação e gastos ilícitos de recursos” (ZÍLIO, 2018, p. 748 e seg.) quanto a jurisprudência do TSE refere que o bem jurídico tutelado no mencionado dispositivo é a moralidade das eleições (TSE, RO n. 1540, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 01.06.2009).

O julgado assentou que a procedência da representação por captação e gastos ilícitos de recursos deve ser pautada pelo princípio da proporcionalidade, pois “a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2° do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido”.

A partir de então, a praxe de julgamento da Justiça Eleitoral – para sancionamento por desobediência ao art. 30-A - passa por juízo de ponderação frente ao quadro probatório. Tal raciocínio se presta para afastar a pena de cassação (TRE/RS, RE n. 254-30, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 02.08.2017; TRE/RS, RE 451-58, Relator Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 02.08.2017) ou aplicar a reprimenda mais gravosa (TRE/RS, Rp n. 4-63, Relator Dr. Hamilton Langaro Dipp, julgado em 10.05.2011).

E há critérios para mensurar a gravidade da conduta.

A jurisprudência do TSE indica: para a aplicação da severa pena de cassação do registro ou diploma, devem estar evidenciados dois requisitos - a comprovação da arrecadação ou gasto ilícito e a relevância da conduta praticada:

Representação. Arrecadação ilícita de recursos.

1. Comprovada, por outros meios, a destinação regular dos saques efetuados em espécie na conta bancária específica, ainda que em dissonância com o disposto no § 1º do art. 21 da Res.-TSE nº 23.217/2010, resta evidenciada a possibilidade de controle dos gastos pela Justiça Eleitoral.

2. Este Tribunal tem decidido pela aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no julgamento das contas de campanha, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade.

3. Para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 274641, Acórdão de 18.09.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 15.10.2012, Página 3.)

 

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N° 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO. 1. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. 2. No caso dos autos, as omissões relativas a determinados gastos de campanha não possuem gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente, na medida em que no ficou comprovada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de caixa dois. 3. Recurso ordinário provido.

RECURSO ORDINÁRIO n. 393-22.2011.6.04.0000/AM Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 01.08.2014.)

 

Mais, a ponderação é de ser feita no momento do sancionamento da conduta, pois a caracterização da infração do art. 30-A independe de prova da lesão.

 

E o TSE consolidou o entendimento de que é desnecessária a prova da potencialidade da conduta em influir no resultado do pleito, pois a exigência tornaria “inócua a previsão contida no art. 30-A, limitando-o a mais uma hipótese de abuso de poder”.

Para a Corte Superior, “o bem jurídico tutelado pela norma revela que o que está em jogo é o princípio constitucional da moralidade (CF, art. 14, incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97”, sendo necessária a prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato, e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral.

Ao caso concreto.

Como indicado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, apesar do inconformismo do recorrente, a sentença não merece reparos.

No que concerne ao aumento do número de cargos em comissão para, alegadamente, viabilizar a utilização de servidores públicos na campanha dos representados, não procedem as razões recursais. Note-se que a Lei Municipal n. 2.468/88 concedia 66 cargos em comissão à Câmara de Vereadores de Bagé (fl. 92), número aumentado para 72 pela Lei n. 5.503/15, fls. 49-50, o que importa em um aumento de 9 cargos em comissão. Os servidores efetivos permaneceram em número de 26 (fls. 47-48 e 91).

Mas, para além dos números em si, e conforme explicitado no presente voto, o aumento foi aprovado por lei municipal, e não pelo recorrido DIVALDO individualmente.

O mesmo ocorre com as doações realizadas por detentores de cargos em comissão, no sentido de que se encontram albergadas pelo ordenamento jurídico. É bem verdade que a redação original do art. 31 da Lei n. 9.096/95 vedava as doações por autoridades públicas, dentre as quais poderiam se enquadrar cargos como de chefia e de direção; contudo, não há vedação na Lei n. 9.504/97 (art. 24).

Em consulta (CTA n. 89-73), este Regional já se manifestou sobre a possibilidade de doação, no período eleitoral, por parte de cargos comissionados. Houve unanimidade ao acompanhar o relator, Des. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, para, em 06.7.2016, concluir-se que, “no interregno do período eleitoral, não são proibidas as doações para as contas dos partidos e dos candidatos, realizadas por detentores de cargos eletivos e ocupantes de cargos de chefia e direção na administração pública, desde que respeitadas as disposições atinentes às doações para campanhas eleitorais previstas na Resolução TSE n. 23.463/15”.

No caso, o valor total de R$ 25.750,00 foi devidamente contabilizado, de forma que não há arrecadação ilícita de recursos.

Sigo.

Ainda, o partido recorrente afirma que teria havido uma espécie de exoneração massiva de servidores, os quais compunham os quadros da TV Câmara e da Rádio Web da Câmara de Vereadores, antes do período eleitoral, para que trabalhassem na campanha dos representados. Seriam os servidores Daniel Romero, Gladimir Aguzzi de Oliveira, Vitor Edinei de Oliveira Garcia, Paulo Sérgio Ferreira e João Paulo Diogo Batista.

Ainda, os valores pagos a essas pessoas teriam sido ocultados da prestação de contas de DIVALDO e MANOEL.

Sem razão.

Em primeiro lugar, como já salientado por ocasião da análise das razões de recurso da AIME n. 1-60.2017.6.21.0142, está comprovado que os servidores foram exonerados pouco antes do período eleitoral, circunstância que cumpre a norma de regência, até mesmo porque a TV Câmara teve suas atividades suspensas durante o período eleitoral.

Ainda, sobre a ocultação de valores, receitas e despesas, a sentença é irretocável, de modo que a adoto como razões de decidir (fl. 528):

Acerca da omissão de despesas de campanha apontadas na inicial, consistente nos valores pagos a título de rescisão a servidores ocupantes de cargos em comissão, pelo Poder Legislativo Municipal, com a devida vênia, a tese não merece a mínima credibilidade.

Ora, se ocupantes de cargos em comissão foram exonerados pelo Poder Legislativo, é evidente que deveriam receber as verbas rescisórias a que têm direito.

Não se verifica, a priori, nenhuma irregularidade nos pagamentos das verbas indenizatórias devidas aos funcionários exonerados, e tampouco havia qualquer razão legal para que os valores pagos a título de indenização, pelo Legislativo Municipal, fossem lançados como despesas na prestação de contas da campanha eleitoral dos requeridos.

A inconformidade do autor, ao que parece, guarda vinculação com o fato de esses mesmos funcionários, após a exoneração, haverem trabalhado na campanha politica de Divaldo Lara e Manoel Machado. Também nesse aspecto não há impedimento legal para que essas pessoas, uma vez exoneradas, trabalhassem na campanha política de qualquer candidato.

 

Dito de outro modo, não há exigência legal que faça constarem, em prestação de contas de campanha, as verbas pagas a servidores exonerados. Nessa toada, a manifestação do d. Promotor Eleitoral, ainda quando o processo tramitava no 1º grau de jurisdição (fls. 520-521):

 

Por fim, a readmissão ou nomeação de funcionários que trabalharam na campanha política, após as eleições, por si, não configura abuso de poder. É normal, no meio político, que o então candidato, uma vez eleito, realize a nomeação de correligionários ou apoiadores para os cargos em comissão que estão disponíveis na Administração Pública. Todos os partidos e políticos assim agem, e a discussão, no caso, teria que ser mais ampla, ou seja, envolver a limitação dos cargos de livre nomeação na Administração Pública.

Alias, a questão de pessoal no setor público é uma das questões, dentre tantas, que deveria ser objeto de profundo estudo e séria reformulação na Administração Pública brasileira. (fls. 516-521 do processo 4-15.2017.6.21.0142)

Assim, não tendo havido o labor na campanha por parte de detentores de cargos em comissão na Câmara Municipal no horário de expediente, descabido se falar em abuso do poder político e arrecadação e gastos ilícitos de recurso.

 

Ademais, a empresa de Daniel Romero foi contratada por DIVALDO LARA para fazer a campanha política pelo valor de R$ 75.000,00, devidamente contabilizados; e, mediante depoimento na Polícia Federal, João Paulo Diogo Batista afirmou ter sido remunerado pela Daniel Romero ME (fl. 668 do IPL 79-88). Não houve produção de provas – por quem era incumbido de tal ônus (o PCdoB de Bagé) – de que, em relação às outras três pessoas, não tenham ocorrido as mesmas circunstâncias ou, ainda, tenham elas trabalhado voluntariamente, como apontado no parecer.

Por todo o exposto é que, alinhado à sentença e aos pareceres do Ministério Público de 1º e 2º graus, entendo que a ação não é procedente e, portanto, o recurso do PCdoB relativo à Rp n. 4-15.2017.6.21.0142 deve ser desprovido.

III - AIJE n. 643-67.2016.6.21.0142

Trata-se de recurso do Ministério Público Eleitoral, fls. 998-1003, com atribuições perante a 142ª ZE, contra sentença que julgou improcedente, fls. 985-993, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta em desfavor de DIVALDO VIEIRA LARA e MANOEL LUIZ GONSALVES MACHADO.

Nas razões, o Parquet, em resumo, aduz que:

a) DIVALDO teria utilizado a equipe da TV Câmara de Bagé para cobrir festa de Réveillon na entrada do ano de 2016, com o fito de divulgar a sua imagem;

b) DIVALDO, na época em que ocupou o cargo de Presidente da Câmara de Vereadores de Bagé, teria utilizado servidores e estagiários para a realização de evento periódico, denominado “DOMINGO ALEGRE”, de cunho assistencialista e eleitoreiro;

c) DIVALDO teria se utilizado de servidores para a confecção de um impresso, denominado “DIVALDO LARA – PRESTAÇÃO DE CONTAS”, com tiragem de, no mínimo, 15.000 exemplares.

Com as contrarrazões, fls. 1008-1021, e a vinda dos autos para a instância recursal, a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo parcial provimento do recurso, fls. 1025-1034v.

À análise.

Em tese, as práticas poderiam ser enquadradas em abuso de poder político e econômico e, forma específica, no cometimento de condutas vedadas.

Saliento, inicialmente, que o argumento trazido em contrarrazões, no sentido de que o recurso do MPE configuraria “demonstração absoluta de querela política em face dos Recorridos”, fl. 1009, é de ser firmemente afastado.

Com frequência, tal jaez de argumento é utilizado.

No caso, basta que se constate a seguinte situação: o Ministério Público Eleitoral, acusado na AIJE n. 643-67 de ter “querela política” com os recorridos, é o mesmo que opina, na AIME n. 1-60 e na Rp 4-15, pelo desprovimento do recurso do PCdoB e, portanto, pelo juízo de improcedência dos pedidos apresentados contra os mesmos recorridos.

Com tais esclarecimentos, aos elementos da demanda.

No relativo à filmagem ocorrida na casa noturna “Reina” e à caracterização de abuso de poder, já houve manifestação no presente voto, no recurso interposto pelo PCdoB na AIME N. 1-60, momento no qual salientei que o lapso temporal compreendido entre o evento alegadamente irregular, Réveillon, e a data das eleições, retira o elemento da gravidade das circunstâncias, o qual deveria estar presente para a constatação do abuso de poder diante do malferimento dos bens jurídicos tutelados pelas normas de regência, quais sejam, a normalidade e a legitimidade das eleições.

Ademais, as alegações defensivas são razoáveis - de que o evento foi promovido por uma associação de funcionários (AFUNCAB), e não pela Câmara de Vereadores. Ainda que houvesse servidores uniformizados, não há esclarecimento sobre as circunstâncias. Não se conseguiu comprovar, por exemplo, que seriam falsas as afirmações de que a cobertura do evento pelos funcionários da TV Câmara foi iniciativa e promoção dos próprios servidores.

Há, nos autos, raciocínio igualmente razoável esgrimido pelo Ministério Público Eleitoral, no sentido de que, se o evento de réveillon não era um evento institucional, mas sim privado, da associação de funcionários, não faz muito sentido a presença de servidores da TV Câmara, com a utilização dos equipamentos da câmara municipal, para cobertura do mesmo.

Contudo, não se pode afirmar ser “evidente” que a cobertura do evento tenha se dado em desvio de ato administrativo praticado por DIVALDO (uma ordem de cobertura da festa), em decorrência da ausência de provas para tanto. Lembro que, nas contrarrazões oferecidas na AIJE 643-67.2016.6.21.0142, é confirmado que DIVALDO LARA era homenageado no evento (fl. 1020).

Desse modo, a situação não pode ser caracterizada como grave, sobremodo se considerada, como já dito, a distância temporal entre os fatos e a eleição.

Restam, portanto, a análise do evento “DOMINGO ALEGRE” e da confecção de 15.000 exemplares de impresso denominado “PRESTAÇÃO DE CONTAS”.

Antecipo que, aqui, o recurso merece parcial provimento.

Há irregularidades nas condutas narradas e comprovadas, as quais caracterizam a prática de conduta vedada, especificamente as constantes no art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9.504/97.

Um dos fundamentos para se concluir pela caracterização da conduta ilegal é, exatamente, a circunstância de que o “DOMINGO ALEGRE” é uma prática ocorrente desde o ano de 2009, desvinculada da atuação de DIVALDO como vereador.

Explico.

O recurso, fls. 999 a 1002, sustenta que:

Quanto ao projeto DOMINGO ALEGRE, a prova colhida nos autos, de modo incontroverso, demonstrou que se trata, desde sempre, de um projeto fundamentalmente eleitoral, visando captar a confiança e o apoio da população, especialmente a camada mais pobre e menos esclarecida, em troca de pequenos favores, que viriam a se traduzir em votos no dia da eleição.

[…]

Quando o representado Divaldo Lara assumiu a Presidência do Poder Legislativo Municipal, no ano de 2015 (véspera de ano eleitoral), o projeto DOMINGO ALEGRE ganhou maior visibilidade, inclusive a utilização de equipamentos, serviços, estagiários e servidores do Legislativo

[…]

De frisar, ainda, que estando perfeitamente ciente de que o DOMINGO ALEGRE sempre foi um projeto eleitoreiro, o recorrido Divaldo Lara, no ano de 2016, suspendeu o aludido projeto […]

Suspenso estrategicamente o projeto DOMINGO ALEGRE no ano eleitoral de 2016, era importante que o recorrido Divaldo Lara mantivesse sua propaganda política em pleno desenvolvimento. A alternativa encontrada foi elaborada o impresso publicitário DIVALDO LARA – PRESTAÇÃO DE CONTAS, com tiragem de 15.000 exemplares, publicado no mês de março de 2016.

A mera leitura do aludido impresso, que se encontra encartado às fls. 469-474, bem define sua natureza de propaganda eleitoral. Esse impresso foi elaborado a mando e sob o patrocínio econômico de Divaldo Lara, por funcionários da Câmara Municipal de Vereadores, por ele nomeados.

Veja-se como a revista define o Domingo Alegre: “… O evento anual ganhou amplitude e se tornou o “Domingo Alegre” PRESENTE NOS BAIRROS A CADA 15 DIAS, levando diversão e serviços gratuitos aos quatro cantos de Bagé” (fl. 471, infra). Ao mesmo tempo refere que mais de vinte mil pessoas já participaram das ações levadas aos bairros de Bagé e coordenadas por Graziane Lara desde 2009.

[…]

E não se trata de uma prestação de contas impessoal, como devem ser os atos administrativos; ao contrário, é um panfleto evidentemente eleitoreiro, custeado pelo próprio interessado e beneficiário.

[…]

E mais, a revista foi elaborada por funcionários que exerciam cargos em comissão na Câmara Municipal de Vereadores, nomeados pelo próprio beneficiário da propaganda.

E na distribuição da revista, reitera-se, o representado, além de funcionários ocupantes de cargos em comissão, utilizou-se dos serviços de estagiários na Câmara Municipal de Vereadores, como ficou patente nos autos. (Grifos no original)

 

Acerca dessas circunstâncias, os recorridos apresentaram, nas contrarrazões, alguns argumentos pela manutenção da sentença recorrida, quais sejam (fls. 1009-1019):

 

Não prosperam as afirmações do recorrente, haja vista a total inexistência de amparo legal, bem como a demonstração de absoluta querela política em face dos Recorridos, pelos fatos e fundamentos a seguir alinhavados.

[…]

Eméritos julgadores, primeiramente cumpre registrar que o evento “Domingo Alegre” é promovido há mais de 09 (oito) ‘sic’ anos, antes mesmo do primeiro mandato eletivo do Representado, e, a exemplo de outros projetos promovidos por agentes políticos de todas as instâncias, trata-se de um que tem a pretensão de ser um instrumento de resgate de pessoas vítimas da omissão, do abandono, da exploração econômica e social.

Mais, conforme o próprio prenome especifica, “Domingo Alegre”, o evento acontecia sempre aos domingos, o que rechaça de pronto a maldosa acusação de uso da máquina pública através de servidores públicos e cargos comissionados […] sendo todas atividades feitas de forma gratuita e voluntária através dos empreendedores privados parceiros do evento, tanto pessoas físicas quanto jurídicas.

[…]

Ora doutos julgadores, o vasto conjunto probatório por parte dos depoimentos acima transcritos, demonstra que não ouve qualquer forma de abuso de poder político ou econômico na realização do evento Domingo Alegre.

Consigne-se, ainda, por oportuno e verdadeiro, que o evento Domingo Alegre não é promovido com a regularidade mencionada na inicial e no recurso (quinzenalmente), eis que não tem data fixa e, no ano de 2016, como muito bem salientou o Juízo ‘a quo’ e o Ministério Público Federal em razões de recurso, justamente por ser ano eleitoral, não foi realizada nenhuma edição, o que se confirma com os depoimentos dos agente da Polícia Federal.

[…]

Atentem que a instrução deixou claro que a predita revista impressa denominada “DIVALDO LARA – PRESTAÇÃO DE CONTAS”, foi custeada pelo próprio Recorrido com a ajuda de seus colaboradores, fora do horário de trabalho, sendo também feita por outros vereadores, senão vejamos:

[…]

Se a propaganda institucional, paga com erário, para divulgação da prestação de contas, é legal, mais legal ainda é a prestação de contas pagas com recursos próprios. O Representado está sendo punido por economizar o dinheiro público! É inconcebível.

[…]

Portanto, para arrematar, sob qualquer enfoque que se enfrente a acusação ministerial, esta não se sustenta, pois: (a) incontroverso que o material não foi custeado com recurso público; (b) inexiste qualquer comprovação de que tenha ocorrido a alegada ‘distribuição massiva’ com uso de servidores; (c) não foi confeccionado com uso de materiais gráficos da Casa Legislativa; (d) é, à luz da doutrina, jurisprudência e legislação eleitoral, não só lícito, como dever do parlamentar a prestação de contas de seu respectivo mandato eletivo; (e) não existe parâmetro ou, sequer, orientação do Tribunal Superior Eleitoral de que seja realizada somente ao final do mandato eletivo.

 

Pois bem.

Tenho como incontroversos os seguintes fatos: o evento “Domingo Legal” é prática pessoal de DIVALDO LARA, iniciada antes de ocupar cargos eletivos. Além disso, ocorria aos domingos (a denominação já indica) e foi suspensa no ano eleitoral de 2016.

Para levar à população as informações sobre os eventos realizados nos bairros de Bagé, DIVALDO, às suas expensas e a partir do mês de março de 2016, imprimiu, no mínimo, 15.000 exemplares de um informativo que denominou “DIVALDO LARA – PRESTAÇÃO DE CONTAS”, inclusive com um personagem – “Larinha”.

O município de Bagé conta com, aproximadamente, 91.000 eleitores. Tal prática não foi considerada propaganda eleitoral antecipada, conforme decidido na Rp n. 13-28, no ano de 2016 – repito, a “revista” Domingo Alegre foi publicada em março de 2016, e nos autos não há prova da utilização de recursos públicos para a elaboração e impressão.

Inegável que o “Domingo Alegre” se trata de um projeto PESSOAL de DIVALDO: iniciado antes de ocupar o cargo de vereador, é apoiado por pessoas jurídicas (situação atualmente vedada em campanhas eleitorais), teve a elaboração do informativo custeado de forma particular.

Ou seja, até aqui nada há desobediente à legislação de regência.

Contudo, não se pode ignorar que DIVALDO auferiu, com o passar dos anos, dividendos eleitorais com a realização do Domingo Alegre. Os números impressionam: conforme o informativo, desde 2009, mais de 45.000 pessoas teriam frequentado os eventos em suas diversas edições, entre crianças e adultos, fl. 192.

E, considerados os testemunhos, que indicaram a distribuição do informativo nas dependências do Gabinete do então vereador DIVALDO, nota-se a prática de conduta vedada.

Como apontado pelo parecer do d. Procurador Regional Eleitoral, basta a oitiva da mídia constante à fl. 828 dos autos para perceber que o Gabinete se prestou como local de distribuição direta a quem chegasse nas dependências e, também, de fonte para a entrega nos bairros. Nessa linha, os depoimentos de Alexandre Camargo, Chefe de Gabinete à época dos fatos, e Alice Garcia Navarro e Débora Ferreira, então estagiárias.

Transcrevo trechos dos testemunhos:

Débora Ferreira

Eu vi a revista no Gabinete dele, do Divaldo, em cima de uma mesa. Mas elas eram dadas para as pessoas que estavam ali […] As pessoas iam ali e as gurias davam. […] Eu já peguei prestação de contas do gabinete dele. [...] E vi as pessoas ganhando no gabinete dele. […]

Alexandre Camargo

Ela era distribuída no gabinete, então como eu trabalhava no gabinete, a gente fazia a distribuição às pessoas que faziam visita ao gabinete. […] No gabinete e eventualmente visitas, algumas demandas que a gente tinha no bairro. […] Quando a gente era solicitado, a gente ia e levava por que era um material informativo. Período também da ouvidoria, nas casas, quando a gente tinha alguma visita, deixava alguma prestação de contas. […] Ele fazia um material de prestação de contas e distribuía no gabinete. […] Ela era objetivamente para distribuir no gabinete e alguma visita que a gente fazia, até porque era uma quantidade pequena. […] Quando a gente ia fazer atendimento da demanda, a gente fazia a entrega da revista sim, na porta da pessoa. […] Quem fazia essa entrega era o pessoal que trabalhava no gabinete.

Alice Navarro

Como eu trabalhava dentro do gabinete do vereador, nós tínhamos as revistas ali, nós entregávamos ali dentro do gabinete para quem fazia visita. […] Tinha bastante gente, o vereador era muito procurado. […]

 

Perceba-se o inarredável paradoxo: o Domingo Alegre já existia antes mesmo de DIVALDO tornar-se parlamentar, e o “informativo” sobre o Domingo Alegre seria, pretensamente, para prestar contas sobre as atividades de vereador, como afirmado pelas contrarrazões. Os fatos não confirmam as alegações defensivas.

Ou seja, não se tratava de prestação de contas da atividade parlamentar, mas sim de promoção pessoal, a qual não poderia se utilizar de bem imóvel, ou de servidores públicos para a distribuição, sob pena da prática de conduta vedada.

Ainda que os depoimentos de Débora e Alexandre, em juízo, tenham sido bem mais modestos do que aqueles prestados perante a Polícia Federal, oportunidade na qual houve a admissão de distribuição massiva nos bairros, há a indicação expressa de que, por ocasião de “atendimento de demandas” nos bairros, patrolamento de ruas, saneamento básico, havia a entrega do informativo nas casas de eleitores, por servidores do Gabinete do vereador DIVALDO.

Portanto, e ainda que custeado com recursos particulares, ao assim agir, DIVALDO usou bens e serviços públicos em prol da candidatura, condutas vedadas pelo art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9.504/97:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

 

Note-se que as condutas vedadas, em sentido estrito, caracterizam-se como escolhas legislativas tópicas, em razão do impacto no processo eleitoral, de determinados atos abusivos para indicá-los como ilícitos, prescindindo-se, portanto, da comprovação de prejuízo ao erário, pois desequilibra, por si só, a paridade de armas entre os competidores eleitorais.

 

Na doutrina, e conforme José Jairo Gomes, o que se impõe para a perfeição da conduta vedada é que o evento considerado tenha aptidão para lesionar o bem jurídico protegido pelo tipo em foco, no caso, a igualdade da disputa (Direito Eleitoral, 12º Ed. Atlas. São Paulo, p. 72, grifei).

Aqui, ao contrário das espécies de abuso em sentido largo, há um recorte tópico, realizado pelo legislador, que vinculou a caracterização de determinados atos à tendência de influenciar o resultado do pleito.

Esse o caso.

Se possuía projeto pessoal anterior à vida eletiva, com parcerias de pessoas físicas e jurídicas, ampla repercussão (45.000 pessoas), e pretendia divulgar tais feitos, DIVALDO não deveria ter utilizado as dependências de seu gabinete de vereador para a distribuição dos informativos, cuja quantidade de exemplares impressiona por corresponder a mais de 16% do eleitorado de Bagé.

Ao assim atuar, praticou conduta vedada, ilicitude que em muito difere da propaganda antecipada e, portanto, nenhuma relação tem com o teor do decidido na Rp n. 13-28, cujo trânsito em julgado ocorrido não repercute no objeto da presente demanda.

Ademais, frise-se que as condutas descritas não possuem, legalmente, um marco temporal pré-fixado de vedação da prática, sendo necessária a análise caso a caso para que se conclua pela ocorrência de desequilíbrio da igualdade de chances.

Sob tais parâmetros, a centralização de distribuição do informativo, a partir de março de 2016, no gabinete de parlamentar, é de se entender como conduta vedada.

Não se olvida haver precedentes no sentido de que a conduta deve ter sido praticada no decorrer do período eleitoral, ou nos três meses antecedentes ao pleito.

Contudo, tais julgados se referem a eleições anteriores, nas quais (1) sequer existia a noção de pré-candidatura, e (2) os prazos do período eleitoral eram sabidamente mais extensos. Ademais, trata-se de decisões para além do teor das regras do art. 73 da Lei n. 9.504/97, o qual possui 8 incisos e, nos 4 primeiros, a opção do legislador foi a de não prescrever lapso temporal. Nesse sentido, ZILIO (op. cit., p. 701):

Em verdade, pela ausência de fixação de um prazo específico pelo legislador, torna-se razoável entender, a priori, que as condutas previstas nos incisos I, II, III e IV do art. 73 da LE são proscritas a qualquer tempo, ou seja, tratam-se de condutas permanentemente vedadas aos agentes públicos. Embora sejam condutas a qualquer tempo vedadas, somente o caso concreto é que poderá definir a existência de violação material da regra prevista nos incisos I a IV do art. 73 da LE. Neste passo, o critério cronológico da prática do ato não pode ser isoladamente valorado para os fins de configuração da conduta vedada, sendo necessário perscrutar os seus efeitos concretos na relação de isonomia entre os candidatos, partidos ou coligação.

 

Esta, à perfeição, a situação dos autos: DIVALDO utilizou, conforme os testemunhos citados, a estrutura física de seu gabinete, bem como os servidores que lá se encontravam, fruindo de bem imóvel da Administração em benefício de sua candidatura, pois inegável que a revista de “prestação de contas”, na tiragem de 15.000 exemplares, catapultou a sua candidatura ao cargo de Prefeito de Bagé, ao exaltar as práticas do “Domingo Alegre”.

Portanto, ainda que confeccionado às próprias expensas, o informativo não poderia ter, como centro de distribuição, o gabinete do vereador e candidato a Prefeito. Há, na jurisprudência, casos análogos, por exemplo, quando da utilização de imagens de servidores e de bens públicos em propagandas eleitorais na mídia televisiva, casos em que não há custo para a Administração Pública, financeira ou objetivamente falando, pois o desequilíbrio se dá pela utilização de “arma” da qual os concorrentes não podem usufruir.

O recurso do Ministério Público Eleitoral, portanto, merece parcial provimento. Em tais termos, alinho-me à posição do d. Procurador Regional Eleitoral no sentido da relativização da gravidade da conduta.

A jurisprudência do TSE também assim indica:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISOS I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O art. 73 da Lei nº 9.504/1997 tutela a igualdade na disputa entre os candidatos participantes do pleito, no intuito de manter a higidez do processo eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral verificar a existência de provas seguras de que o uso da máquina pública foi capaz de atingir o bem protegido pela referida norma. Na linha da jurisprudência do TSE, "para configuração da conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, é necessário que a cessão ou utilização de bem público seja feita em benefício de candidato, violando-se a isonomia do pleito", pois "o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público" (Rp nº 3267-25/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgada em 29.3.2012).

2. Configura a conduta vedada pelo art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/1997 a efetiva utilização de bens públicos - viatura da Brigada Militar e farda policial - e de servidores públicos - depoimentos de policiais militares fardados gravados no contexto da rotina de trabalho e divulgados para promoção de candidatura política.

3. Na fixação de penalidade em razão da prática de conduta vedada, "cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu" (Rp nº 2959-86/DF, rel. Min. Henrique Neves, julgada em 21.10.2010).

4. Observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da multa pelo Regional, tendo em vista os parâmetros legais.

5. A multa imposta pela prática de conduta vedada deve ser aplicada individualmente a partidos, coligações e candidatos responsáveis, nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei das Eleições. Precedentes.

6. Agravo regimental desprovido.

(AgRg em Recurso Ordinário n. 0001379-94-RS. Relator Min. GILMAR MENDES. Unânime. DJE de 22.3.2017, páginas 99 e 100.)                                                                

 

Dessa forma, a pena a ser aplicada é a de multa, e apenas a DIVALDO VIEIRA LARA, pois, conforme os autos, não é possível cogitar-se do envolvimento do candidato e atual Vice-Prefeito, MANOEL LUIZ GONSALVES MACHADO.

Entendo que, dadas as circunstâncias do caso concreto, e considerado o texto do art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, a multa no equivalente a 15.000 UFIR é sanção proporcional e adequada, não causando o radical gravame da cassação de mandatos, por um lado e, por outro, proporcionando o salutar caráter pedagógico da pena, demonstrando a reprovação estatal à prática da conduta vedada em questão.

 

Diante do exposto, VOTO pelo acolhimento da preliminar de julgamento conjunto, trazida pela PRE, e, no mérito:

1. pelo desprovimento dos recursos interpostos pelo PCdoB de Bagé, na AIME n. 1-60.2017.6.21.0142 e na Rp n. 4-15.2017.6.21.0142;

2. pelo PARCIAL PROVIMENTO do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL na AIJE n. 643-67.2017.6.21.0142, para aplicar a pena de multa equivalente a 15.000 (quinze mil) UFIR a DIVALDO VIEIRA LARA, pela prática de conduta vedada, em desobediência ao art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9.504/97, convertidas para R$ 15.900,00 (quinze mil e novecentos reais).