RE - 3348 - Sessão: 18/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo da 83ª Zona Eleitoral que julgou improcedente a representação por doação acima do limite legal ajuizada contra REINALDO ANTÔNIO NICOLA, por considerar que a única doação realizada no ano de 2016 encontrava-se dentro do limite de 10% do rendimento bruto do ano anterior (fls. 60-61).

Em suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL sustenta estar comprovada a doação de R$ 27.134,90 no ano de 2016 a diversos candidatos, por intermédio do diretório municipal da agremiação. Argumenta que a defesa do doador somente justificou a doação de R$ 15.000,00 no ano de 2014, restando um valor de R$ 12.134,90 sem explicação. Aduz que as doações em anos anteriores devem compor uma reserva ou fundo de caixa, não comprovada nos autos. Sustenta ser obrigatório o respeito ao limite de doações também em relação às doações originárias, realizadas à agremiação. Requer seja reconhecida como irregular a doação de R$ 27.134,90, com a fixação de multa sobre o montante acima referido.

Intimado, o recorrido não apresentou contrarrazões.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 77-80v.).

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de ação para fixação de multa por doação acima do limite legal de 10% sobre o rendimento bruto auferido pelo doador no ano anterior à eleição, tal como estabelecido no art. 23 da Lei n. 9.504/97:

Art. 23.  Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1o  As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente a representação porque a única doação realizada diretamente pelo candidato no pleito de 2016 foi uma doação estimável em dinheiro no valor de R$ 2.220,00, a qual se encontrava regular, pois observou o limite de 10% sobre o rendimento bruto auferido pelo doador no ano anterior ao pleito.

O Ministério Público recorreu, pretendendo que fosse reconhecida também a irregularidade do montante de R$ 27.134,90, pois constou como doador originário em diversas doações realizadas pelo diretório municipal do partido a diferentes candidatos no pleito de 2016.

Não merece provimento o recurso.

A figura do doador originário identifica a pessoa física que realizou doações ordinárias à agremiação partidária, para contribuir com a organização da grei, sem relação alguma com a campanha eleitoral. O partido pode optar em reservar tais valores para empregá-los na campanha eleitoral, realizando doações em seu nome para diferentes candidatos.

Para fins de controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fraudes ou financiamento indireto de campanhas por fontes vedadas, a legislação exige que as doações de campanha realizadas pelos partidos devem ser acompanhadas da identificação do doador originário daquele recurso empregado na campanha.

Está comprovado nos autos que o representado consta como doador originário do montante de R$ 27.134,90, pois é assim identificado no relatório das folhas 6v. a 8, em que consta como doador para a campanha a direção municipal do partido político.

Argumenta o Ministério Público que mesmo na condição de doador originário deveria o representado observar o limite de doações previsto no art. 23 da Lei n. 9.504/97, tendo em vista o disposto no art. 16, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15:

art. 16. As doações realizadas por pessoas físicas ou as contribuições de filiados recebidas pelos partidos políticos em anos anteriores ao da eleição para sua manutenção ordinária, creditadas na conta bancária destinada à movimentação financeira de “Outros Recursos”, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, podem ser aplicadas nas campanhas eleitorais de 2016, desde que observados os seguintes requisitos cumulativos:

I - identificação da sua origem e escrituração individualizada das doações e contribuições recebidas, na prestação de contas anual, assim como seu registro financeiro na prestação de contas de campanha eleitoral do partido;

II - observância das normas estatutárias e dos critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção nacional, os quais devem ser fixados objetivamente e encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral até 15 de agosto de 2016;

III - transferência para a conta bancária “Doações para Campanha”, antes de sua destinação ou utilização, respeitados os limites legais impostos a tais doações, calculados com base nos rendimentos auferidos no ano anterior ao da eleição em que a doação for aplicada, ressalvados os recursos do Fundo Partidário, cuja utilização deverá observar o disposto no parágrafo único do art. 8º;

IV - identificação, na prestação de contas eleitoral do partido e também nas respectivas contas anuais, do nome ou razão social e do número do CPF da pessoa física ou do CNPJ do candidato ou partido doador, bem como a identificação do número do recibo eleitoral ou do recibo de doação original, emitido na forma do art. 6º.

Sem razão o recorrente.

O chamado doador originário é alguém que alcança valores aos partidos políticos, sem qualquer pretensão de contribuir para a campanha eleitoral. Uma vez transferido o valor para a agremiação, esta possui liberdade para empregá-lo em sua manutenção ordinária ou na campanha eleitoral.

Não se pode olvidar que a doação transfere a propriedade do bem doado ao beneficiário e, como tal, elimina qualquer poder de disposição do doador sobre o bem transferido, cuja livre disposição passa a ser exercida pelo donatário.

Pretender que o doador originário seja responsabilizado pelo excesso de sua doação na campanha eleitoral, significa atribuir-lhe sanção administrativa com base em responsabilidade objetiva, pois, pela própria natureza translativa do domínio, o representado não possuía nenhum poder de ingerência sobre o destino dos valores após realizada a sua doação. Dito de outro modo: mesmo que quisesse se opor ao emprego dos recursos na campanha eleitoral não teria ferramentas jurídicas que amparassem tal pretensão.

Ademais, sequer é possível afirmar que o representado tivesse ciência do destino de seus recursos, pois o procedimento estabelecido pelo art. 16 acima transcrito não impõe que o partido obtenha sua autorização para empregar os recursos doados na campanha eleitoral. O dispositivo mencionado somente estabelece a obrigação de identificação do doador originário no recibo eleitoral (art. 16, IV), para garantir que o candidato beneficiado com a doação tenha ciência e possa exercer o devido controle sobre a origem dos valores.

Assim, a determinação de respeito ao limite legal de doação, de acordo com o rendimento auferido no ano anterior, é norma dirigida ao partido político, único com poder de disposição sobre os valores que integram seu patrimônio. O destinatário da norma pode ser percebido também pelo fato de o referido art. 16 constar na seção sobre a “aplicação dos recursos”, de atribuição exclusiva dos partidos políticos e candidatos, sem que disciplina equivalente conste nos dispositivos da seção “doações” (arts. 18-23), dirigida aos doadores.

O recorrente ainda argumenta que o candidato justificou somente a doação de R$ 15.000,00 para o partido no ano de 2014 (recibo da fl. 15), restando sem explicação o montante de R$ 12.134,90.

De fato, do valor total R$ 27.134,90 em que constou como doador originário, o representado apenas afirmou ter doado R$ 15.000,00 no ano de 2014, restando sem esclarecimento o remanescente de R$ 12.134,90. Todavia, isso não altera a sua sorte no processo.

É ônus do autor comprovar o fato constitutivo do seu direito, qual seja, a doação realizada à campanha e seu eventual excesso. No caso, o próprio relatório apresentado pelo Ministério Público indica o representado como doador originário em todas as doações elencadas, sendo isso suficiente para afastar a pretensão sancionatória, pois não se pode imputar ao representado a responsabilidade por tais doações, como acima fundamentado.

Ademais, deve-se ter presente que tal relatório foi elaborado com base em informações prestadas unilateralmente pelo partido político em sua prestação de contas, sobre o qual o doador também não possui ingerência ou responsabilidade, sendo incabível atribuir-lhe valor probatório absoluto, pois tal documento não pode fazer prova contra terceiros.

Registre-se, contudo, que os documentos trazidos aos autos levantam suspeitas sobre eventual crime de falsidade ideológica eleitoral na informação das doações, na medida em que o partido informa Renato Nicola como doador originário de R$ 27.134,90, enquanto o candidato afirma ter doado apenas R$ 15.000,00 para a agremiação em anos anteriores. Para o devido esclarecimento desse fato, cópias dos autos devem ser remetidas à 83ª Zona Eleitoral, para encaminhamento ao Ministério Público Eleitoral, a fim de que adote as providências que entender cabíveis.

Assim, como o representado consta apenas como doador originário em todas as doações de campanha, diretamente realizadas pela agremiação partidária, deve ser mantida a sentença de improcedência da representação.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso e pela remessa de cópias do processo para o Ministério Público Eleitoral com atribuições perante a 83ª Zona Eleitoral, na forma da fundamentação.