RE - 1571 - Sessão: 06/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos contra a sentença, fls. 407-415v., que desaprovou as contas do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de PORTO ALEGRE, relativas ao exercício do ano de 2015. A decisão entendeu pela desaprovação ao reconhecer as seguintes irregularidades: (1) ausência de tramitação dos recursos advindos do Fundo Partidário em conta específica; (2) falta dos comprovantes materiais dos gastos com o Fundo Partidário; (3) não observância dos percentuais de distribuição do art. 44 da Lei n. 9.096/95; e (4) recebimento de doações oriundas de autoridades públicas, enquadradas como fontes vedadas de recursos. Por consequência, foi determinado o recolhimento do valor de R$ 676.446,87, além da suspensão do repasse de valores do Fundo Partidário pelo prazo de 10 meses.

O primeiro recurso juntado aos autos é o da agremiação (fls. 419-428). O PTB DE PORTO ALEGRE afirma que os valores contidos na conta específica para o Fundo Partidário não foram voluntariamente repassados para a conta “Outros Recursos” pela agremiação. Alega que a operação ocorreu por conta da instituição financeira, que extinguiu a primeira conta bancária, sem o consentimento da agremiação. Assevera que tais valores não foram utilizados. Sustenta que a restrição às contribuições de “autoridades” é desproporcional, não sendo adequado que se retire o direito pessoal de contribuição financeira do eleitor a uma ideologia partidária. Ressalta que a reforma eleitoral de 2016 permite que as pessoas físicas filiadas possam doar para os partidos. Requer o provimento do recurso, para a aprovação das contas.

Por seu turno, o Parquet, fls. 432-435, alega que os ocupantes de cargos eletivos devem figurar no rol de fontes vedadas, por efeito da abrangência do termo “autoridade”, constante no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Indica que o TSE enfrentou a questão, concluindo que mandatários não podem doar valores a agremiações partidárias. Requer o provimento do apelo, para agregar o valor de R$ 32.000,00, para recolhimento ao Tesouro Nacional, àquela quantia já determinada na sentença.

Vieram contrarrazões do PTB de PORTO ALEGRE (fls. 445-449) aduzindo que, consoante entendimento do TRE-RS, os detentores de mandato eletivo não devem ser considerados autoridades para efeito de doações a partidos políticos.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, ante a omissão no tocante à determinação de devolução dos recursos do Fundo Partidário irregularmente utilizados. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso do partido político e pelo provimento do recurso do Ministério Público Eleitoral na origem (fls. 455-477).

É o relatório.

 

VOTO

1. Preliminares

1.1. Da tempestividade

Houve publicação da decisão no DEJERS em 05.4.2018, quinta-feira (fl. 416) e, em 09.4.2018, segunda-feira, foi interposto o recurso do PTB de PORTO ALEGRE, conforme fl. 419.

Por seu turno, o Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 11.4.2018 (fl. 430) e apresentou o recurso em 13.4.2018, fl. 432.

Assim, os recursos são tempestivos e, presentes os demais pressupostos, ambos merecem conhecimento.

1.2. Da nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral alega que a magistrada a quo, muito embora reconhecendo irregularidades no manejo de valores advindos do Fundo Partidário, deixou de aplicar o art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, silenciando, então, sobre a determinação de devolução do montante respectivo, no valor de R$ 403,09, ao Tesouro Nacional.

Assim, entende que a sentença deve ser anulada, diante da omissão em aplicar norma cogente e de ordem pública, que veicula consequência legal necessária à utilização ilícita de recursos do Fundo Partidário.

Entretanto, na hipótese concreta, apesar dos judiciosos argumentos trazidos pelo Ministério Público Eleitoral, tenho por superar a preliminar.

Ocorre que, quanto ao ponto específico, encaminho decisão pelo acolhimento das razões expendidas no recurso do Diretório Partidário, para afastar as irregularidades relacionadas às receitas do Fundo Partidário, conforme se examinará em tópico próprio adiante, em prejuízo ao consectário legal pretendido pelo Parquet.

Dessa forma, in casu, o retorno dos autos à origem representaria um ato inútil e desnecessário, em desconformidade com os princípios da economia processual e do resultado útil do processo, pois não acarretaria modificação no julgamento do mérito recursal que ora se antecipa.

Outrossim, não persistindo a irregularidade, não há prejuízo a quaisquer interessados na suscitada negativa de aplicação do art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14 pela sentença, incindindo, na espécie, o princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 219 do Código Eleitoral: “Na aplicação da lei eleitoral, o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração do prejuízo.”

Dessa maneira, rejeito a preliminar.

2. Do mérito

No mérito, esclareço que os recursos não coincidem sobre os pontos de irresignação, motivo pelo qual serão analisados em separado.

2.1. Do recurso do Ministério Público Eleitoral

O Ministério Público Eleitoral recorre da sentença que desaprovou as contas de exercício, ano 2015, do PTB de Porto Alegre. Em resumo, entende irregulares, pois oriundas de fontes vedadas, as doações realizadas por ocupantes de cargo eletivo, no somatório de R$ 32.000,00.

Aduz que a viragem jurisprudencial, trazida pelo RE n. 13-93, não se alinha ao entendimento pacificado do TSE, de forma que os detentores de cargo eletivo devem ser compreendidos como “autoridades”, com vistas à aplicação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

A tais razões, alinha-se o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Com efeito, as alegações do Parquet estão em consonância com a posição adotada por este Tribunal durante cerca de dois anos, mormente a partir da Consulta n. 109-98, de relatoria do Des. Eleitoral Leonardo Tricot Saldanha, julgada no dia 23.9.2015, na qual se entendeu que a proibição prevista no art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos alcançava também os detentores de mandatos eletivos.

Todavia, e como bem apontado na sentença, em recente julgado, de relatoria do Des. João Batista Pinto Silveira, o TRE-RS reviu o entendimento, para posicionar-se no sentido de que o agente político, gênero do qual o detentor de mandato eletivo é espécie, não está incluído no conceito de autoridade para a questão sob comento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE/RS, RE 14-78, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

O âmago do raciocínio é claro: o Tribunal entendeu que o fundamento para vedar a doação de detentores de cargos de direção e chefia, qual seja, a necessidade de evitar o loteamento de funções públicas para alimentar os cofres partidários, não está presente quando se trata de ocupantes de mandatos eletivos.

E o motivo, muito bem identificado pelo relator, tem caráter constitucional: os mandatários são levados ao cargo pela vontade popular, sendo impossível, portanto, argumentar-se que interesses unicamente partidários os fizeram ocupar a posição. Ao contrário: princípios democráticos e republicanos, sob o manto das eleições, são os vetores principais da condução ao munus, inegavelmente público.

Nessa linha de raciocínio, considerar tais doadores como autoridades públicas significaria atribuir interpretação demasiado ampliativa a uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional posta.

Ora, o mandatário de cargo eletivo não é “nomeado”; ele é eleito com suporte na soberania popular (art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, caput, da CF), e a respectiva ligação com partido político é condição de elegibilidade constitucionalmente plasmada (art. 14, § 3º, inc. V, CF), de molde que a modificação de entendimento trata-se de legítima evolução.

Ressalta-se que não há pronunciamento do Plenário do TSE sobre a questão específica. O precedente trazido no recurso apenas reflete o entendimento pessoal do Ministro Henrique Neves, não mais integrante da Corte, no sentido de que o conceito de autoridade deve abranger os agentes políticos. Tal posicionamento, manifestado como obter dictum em decisão monocrática nos autos do Agravo de Instrumento n. 8239, em 28.8.2015, não pode ser tomado como jurisprudência dominante, sequer como indicativo do posicionamento a ser acolhido pelo Tribunal.

Ademais, e considerando os argumentos do d. Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, note-se que a própria extinção, sem resolução de mérito, da ADI n. 5.494, demonstra que inexiste posição consolidada sobre a matéria. Desse modo, não há de se falar em expectativa de continuidade das decisões em um ou outro sentido, mormente em um sistema jurídico que não valora precedentes judiciais e atos normativos da mesma forma.

Lembro, ainda, que a modulação dos efeitos da alteração da jurisprudência é possibilidade que o art. 927, § 3º, do CPC confere ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores, nos casos de jurisprudência dominante ou julgamento de casos repetitivos.

Note-se, em tais espécies de precedentes – jurisprudência dominante e casos repetitivos – a modulação é uma faculdade. Portanto, a providência não é exigível em decisões de tribunais regionais que representem viragens jurisprudenciais sobre temas não pacificados nas instâncias especiais. Mesmo o STF, ao analisar o RE n. 637485 (Relator Min. GILMAR MENDES), quando recomendou a aplicação do princípio da anterioridade eleitoral em relação às mudanças jurisprudenciais, o fez em relação às decisões do TSE incidentes sobre determinada eleição, e não de forma irrestrita.

O recurso do Ministério Público Eleitoral não merece provimento.

2.2. Do recurso do PTB de PORTO ALEGRE

2.2.1. Do recebimento e uso de receitas do Fundo Partidário: afastamento da irregularidade e superação da questão preliminar

A sentença combatida considerou que os recursos do Fundo Partidário não seguiram o trâmite pela conta específica, exigida pelo art. 6º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.432/14. Além disso, assentou a ausência dos comprovantes materiais das despesas realizadas com os valores do aludido Fundo e, por consequência, a impossibilidade de aferição da observância dos percentuais previstos no art. 44 da Lei n. 9.096/95.

A agremiação esclareceu que os valores questionados, na monta de R$ 403,09, resultam de saldo financeiro depositado na conta própria para recursos do Fundo Partidário. Ocorre que a instituição bancária, sem o consentimento do partido, realizou a transferência da quantia para a conta “Outros Recursos”, do mesmo titular, e encerrou a conta “Fundo Partidário”.

A alegação tem plausibilidade e está corroborada pelo próprio parecer técnico de exame das contas, conforme o qual: “Diante da constatação de ausência de recebimento de repasse de recursos decorrentes do Fundo Partidário, restam ausentes os comprovantes dos gastos dos respectivos valores recebidos no exercício de 2015” (fl. 291).

Com efeito, não há evidências de que o partido recebeu novos repasses de recursos do Fundo Partidário no ano de 2015. Da mesma forma, não há elementos que remetam ao uso efetivo de recursos dessa natureza para o pagamento de quaisquer despesas.

Desse modo, o apontamento em questão limita-se ao trânsito, no dia 22.6.2015, do saldo remanescente de verbas do Fundo, recebidas em exercícios anteriores, da conta específica para a conta ordinária da agremiação.

Além disso, a Resolução n. 2.025/93, do Banco Central do Brasil, autoriza, em determinados casos, o encerramento de conta-corrente por iniciativa da instituição financeira, com a transferência do saldo para outra conta do mesmo titular.

A situação fática apresentada não se equipara à realização de despesas, que demandaria apresentação dos comprovantes de destinação dos gastos, uma vez que os valores foram conservados na última conta bancária do titular até o encerramento do exercício, apesar do trâmite equivocado.

No caso concreto, ausentes efetivas receitas e despesas com valores do Fundo Partidário no ano em análise, a movimentação errônea não prejudica o exame e a confiabilidade da contabilidade, representando mera inconsistência formal a ensejar a aposição de ressalvas.

Assim, quanto às irregularidades concernentes ao recebimento e a utilização de recursos do Fundo Partidário, o recurso do partido político merece provimento.

Advirta-se que a impropriedade deve ser saneada com a restauração da conta específica e transferência do valor de R$ 403,09, consoante comprometido o partido na manifestação de fl. 238.

Agrego as presentes considerações ao capítulo em que rejeitada a prefacial de nulidade da sentença.

2.2.2. Das doações recebidas de fontes vedadas

Quanto ao tópico, a partir de dados oriundos da resposta ao ofício circular n. 01/2016-112ZE/RS, por meio do qual foram requisitadas informações sobre os ocupantes de cargos de direção e chefia à Administração do Município da Porto Alegre, a decisão vergastada reconheceu o recebimento de recursos oriundos de autoridades públicas, relacionadas no Anexo I destes autos, consideradas como fontes vedadas pela norma eleitoral, excluindo as contribuições de detentores de mandato eletivo.

A fim de evitar tautologia, colho trecho da decisão (fl. 415):

Restou demonstrado o valor de doações de fontes vedadas no total de R$ 676.446,87 (R$ 708.446,87 - R$ 32.000,00, vertido por fontes indicadas como vedadas no banco de dados do sistema PRESTCOM cuja natureza não restara afastada pela análise do material probatório acostado aos autos, no exercício 2015, o qual não fora devidamente depositado aos cofres públicos, nos termos do art. 14 da Res. 23.432 TSE, denotando-se grave violação das normas da Re. 23.432 TSE, maculando a higidez material da presente prestação de contas, atraindo a inevitável desaprovação das contas da agremiação e a aplicação de sanção prevista na referida resolução.

Relativamente ao enquadramento das fontes vedadas, o art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.432/14 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

XII – autoridades públicas;

[…]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

 

E as próprias razões de recurso admitem que as posições indicadas consubstanciam cargos vedados, pois tão somente questiona a rigidez das normas postas, sob o ponto de vista do apoio político. Transcrevo as razões, na íntegra, constantes às fls. 426-427:

 

3. II DAS FONTES VEDADAS

No caso em comento, restou da sentença, a identificação de valores recebidos pela agremiação como fontes vedadas, especificadamente de autoridades previstas na art. 12, XII da Resolução 23.432/2014 TSE, no montante de R$ 676.446,87 (seiscentos e setenta e seis mil e quatrocentos e quarenta e seis reais e oitenta e sete centavos), constituindo percentual de 79,90% da receita bruta da agremiação.

O que se está em discussão é a possibilidade do recebimento de recursos oriundos de autoridades, fato esse vedado pelo art. 31, II, da Lei 9.096/95, e exemplificando através rol taxativo através de Resolução do TSE.

Porém, embora ainda sem liminar, pois está concluso com o Relator o eminente Ministro Dr. Luiz Fux, tal assertiva é objeto de ADI junto ao Supremo Tribunal Federal – ADI 5.494, pendente de julgamento, mas já aceita pelo respeitável Tribunal Superior.

Com efeito, a medida com tais restrições é absolutamente desproporcional, mormente porque as contribuições financeiras de quem, representante dos partidos, ostente condição de “autoridade”, e pretenda, com seu aporte financeiro, vitalizar a ideologia partidária que concorda, de maneira alguma poderia caracterizar ingerência ilegal dos organismos estatais representados por tal pessoa física.

Ora, a Lei já veda a contribuição oriunda de órgãos públicos (Lei 9.096/1995, art. 31, II, parte final), exatamente com este objetivo. Não sendo adequado sob nenhum aspecto, que se retire o direito pessoal de contribuição de pessoas físicas, as quais de maneira alguma poderão controlar, por meio de simples doações, as atividades partidárias.

Assim, não se pode conceber a confusão legislativa, entre o representante de órgão estatal e a pessoa física contribuinte ou doadora de recursos a quaisquer agremiações partidárias.

Ademais disso, o tema de fundo discutido na presente ação “tem importância para a sociedade, pois interessa saber se ocupantes de cargos demissíveis ad nutum estão impedidos de fazer doações a campanhas eleitorais. Enfim, importa à segurança jurídica à definição do regime eleitoral o julgamento da matéria”.

Com efeito, a orientação constitucional do termo autoridade constante na referida norma proibitiva está a reclamar devida pacificação, mesmo porque, seu alcance, reconheça-se, ostenta ampla e complexa subjetividade conforme o enfoque dado pelo intérprete.

Não por outra razão, a propósito, a jurisprudência do c. TSE sobre o tema vem sendo modificada ao longo dos anos, segundo a composição do momento.

Tal é o sentido da norma, que atualmente na reforma eleitoral de 2016, após esta situação gerada, restou cristalino esta diferença, ao permitir que as pessoas físicas filiadas possam doar e contribuir para os partidos.

Por tudo aqui exposto, deve a sentença ser reformada quanto a este aspecto.

 

Trata-se de repetição ipsis litteris da peça de defesa apresentada no 1º Grau, anteriormente à sentença, especificamente às fls. 363-364, e que portanto se opõe apenas genericamente à fundamentação exposta pela d. Magistrada de Origem, para dar suporte ao entendimento de que os cargos constantes o rol do Anexo I se tratam como fonte vedada.

Transcrevo o trecho da sentença, fls. 414-415:

Rol de autoridades do sistema PRESTCOM.

Conforme exarado no exame de prestação de contas, e no parecer final, a definição daqueles que se enquadram como autoridades para fins de verificação da legalidade da doação sob o viés das fontes vedadas insertas na Res. 23.432 TSE, tomou por base os dados constantes no Sistema PRESTCOM deste TRE/RS, o qual fora alimentado com dados do exercício 2015 informados pelos órgãos públicos do Estado do Rio Grande do Sul e de seus Municípios, inclusive constando no campo denominado 'fonte da informação' o órgão  prestador da informação e o documento requisitório da informação proveniente desta Justiça Eleitoral.

No que tange aos ocupantes de cargos de direção e chefia desta capital, a informação é oriunda de resposta ao ofício circular 01/2016-112 ZE/RS, no qual fora especificamente requerido apenas a informação dos ocupantes de cargos de direção e chefia na municipalidade desta capital, cuja cópia do referido ofício requisitório foi juntada aos autos, fls. 341/342.

Ou seja, a informação sobre os ocupantes de cargos de direção e chefia desta capital fora dada especifica e detalhadamente pela administração municipal, 'latu sensu', e serviu para alimentar o banco de dados do sistema PRESTCOM, gerando os espelhos constantes do ANEXO I.

Em havendo informação dos órgãos públicos dando pela natureza de autoridade do doador, e ausente impugnação por parte da agremiação, é de ser acolhida a natureza informada pela administração.

Há de se ressaltar que no caso de haver impugnação da natureza de autoridade por parte da agremiação partidária quanto a doador seu, é de se verificar se as provas trazidas aos autos infirmam a informação da administração pública que serviu de base para alimentar o sistema PRESTCOM, ressaltando-se que nos termos do art. 37, V da CF/88, os cargos comissionados e as funções de confiança existentes na administração pública nacional são permitidos apenas para desempenho de três funções, direção, chefia ou assessoramento.

Conforme já definido pelo TRE/RS, função de chefia e direção são autoridades públicas e no rol de fontes vedadas se enquadram, e apenas as eventuais indicações de funções de assessoramento informadas pela administração pública (e efetivamente contestadas pela agremiação com provas aptas a infirmar a presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos), é que devem ser retiradas do rol de autoridades para fins de verificação do valor recebido de autoridades públicas nestes autos.

No caso em tela, a agremiação não juntou aos autos comprovação da natureza dos cargos apontados como autoridades pela administração pública, requerendo na matéria a aplicação retroativa da Lei 13.035/2017, já afastada preliminarmente, e interpretação jurídica sobre a natureza do conceito de autoridade, supra enfrentado. Razão pela qual descabe analisar-se a alegação defensiva de que as contribuições decorrentes de filiados não se enquadrarem como fonte vedada, por aplicação retroativa da lei 13.035/2017).

Ademais, e no que concerne às razões de direito expostas no recursos, registre-se que o entendimento foi firmado ainda em 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), quando o Tribunal Superior Eleitoral assentou não ser permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentem a condição de autoridades.

A questão, que até então estava abrangida pela ressalva prevista no § 1º do art. 5º da Resolução TSE n. 21.841/04, passou a ser regulada não apenas pela Resolução TSE n. 22.585/07, mas também pela Resolução TSE n. 23.077/09.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridades, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia. Excluída da condição de doação irregular a realizada pelo detentor do cargo de assessor de gabinete.

Período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário mitigado conforme os parâmetros da razoabilidade. Redução do valor a ser recolhido ao mesmo fundo, diante da revisão das doações consideradas como de fonte vedada.

Provimento parcial.

(RE 27-72. Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Labarrère. Julgado em 05.3.2015. Unânime.)

No tópico, acrescento que esta Corte, no julgamento do RE n. 14-97.2016.6.21.0076, debateu acerca da incidência imediata da alteração introduzida no art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17, que admite as doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político, e fixou entendimento pela aplicação da legislação vigente à época da prestação de contas.

Por elucidativo, transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. (Grifei.)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE: 1497 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: DES. ELEITORAL LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 04.12.2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 15.12.2017, Página 6.) (Grifei.)

Diversamente do que sustenta o recorrente, a proibição não implica confusão legislativa entre o agente de órgão estatal e a pessoa física em seus direitos de anuir e de professar determinada ideologia partidária.

A norma visa impedir a influência econômica nos órgãos públicos e, ainda, evitar possíveis manipulações da máquina pública em benefício de campanhas, conforme a doutrina (AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317).

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, tendo em vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão de desigualar o embate político-eleitoral entre os partidos que não contam com tal mecanismo.

Dessarte, à luz das disposições constantes no art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.432/14, acertado, quanto ao tema, o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores advindos de fontes vedadas.

A quantia impugnada representa 79,90% dos recursos arrecadados pelo órgão partidário no exercício (fls. 290-292), não sendo possível relevar a irregularidade mediante a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por fim, quanto ao período de suspensão do Fundo Partidário, pondero que, em observância aos parâmetros da gravidade e do valor da irregularidade, bem como a ausência de indicativos de má-fé pela agremiação e a necessidade de compatibilizar a sanção com a sobrevivência econômica do Diretório, tenho como adequada a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo período de 04 meses.

Transcrevo ementa de julgado do TSE na mesma linha:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. PPS. DIRETÓRIO REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. 1. In casu, o TRE/RS desaprovou as contas do partido, ora agravado, referentes ao exercício financeiro de 2015, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 6 (seis) meses, em razão das seguintes irregularidades: i) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário sem a devida comprovação, no montante de 30,45%; e ii) utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada. As irregularidades somaram R$ 111.256,71 (cento e onze mil, duzentos e cinquenta e seis reais e setenta e um centavos), que deverão ser recolhidos ao Erário. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão das cotas deve ocorrer de forma proporcional e razoável, conquanto as irregularidades tenham imposto a desaprovação das contas. Precedentes. 3. A orientação neste Tribunal é no sentido de que ao julgador cabe ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada (REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.10.2016). 4. Diante da nova sistemática de financiamento dos partidos, com a proibição de doação por pessoa jurídica, é de se primar pela busca de reprimenda que iniba o descumprimento das normas concernentes à prestação de contas e igualmente permita a continuidade de suas atividades. 5. Na espécie, a suspensão das cotas por 3 (três) meses mostra-se adequada, porquanto compatibiliza a necessidade de sobrevivência do diretório regional e a inibição de práticas assemelhadas. 6. Agravo regimental desprovido. 
(Recurso Especial Eleitoral n. 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 197, Data 02.10.2018, PáginaS 10-11.) (Grifei.)

Diante do exposto, VOTO para afastar a matéria preliminar, pelo desprovimento do recurso do Ministério Público Eleitoral, e pelo provimento parcial do recurso do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO, para desaprovar as contas do exercício do ano de 2015, em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, mantendo a determinação do recolhimento de R$ 676.446,87 (seiscentos e setenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e seis reais e oitenta e sete centavos), mas reduzindo o prazo de suspensão do percebimento de quotas do Fundo Partidário para 4 (quatro) meses.