RE - 1268 - Sessão: 19/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB) de Três Coroas contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, determinando o recolhimento de R$ 59.215,16 ao Tesouro Nacional, a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, pelo prazo de 1 ano, e o pagamento de multa de 5% do valor da irregularidade (fls. 244-247).

Em sua irresignação (fls. 251-256), o recorrente sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença, em razão do indeferimento da prova testemunhal requerida pelo partido. No mérito, alega que os repasses realizados pela Associação dos Servidores Municipais de Três Coroas (ASMUTC) são, em verdade, doações de pessoas naturais, sendo a pessoa jurídica mera intermediária. Afirma que os servidores relacionados possuem em seus cargos a nomenclatura de “chefe”, “supervisor”, “assessor”, “coordenador” e “diretor”, porém não exercem atribuições de comando, não constando no rol de fontes vedadas. Requer, ao final, a decretação de nulidade da sentença, com reabertura da instrução para a oitiva de testemunha arrolada; subsidiariamente, pugna pela aprovação das contas.

O Ministério Público Eleitoral com atuação na origem manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 258-261v.). Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou no mesmo sentido (fls. 268-280).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento. A sentença foi publicada no dia 04.4.2018, quarta-feira (fl. 248), e o recurso interposto em 09.4.2018, segunda-feira (fl. 251), observando o prazo previsto no art. 52, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

No tocante à matéria preliminar, o recorrente suscita a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de prova testemunhal, por meio da qual pretendia a oitiva de Carlos Henrique Maccarini, presidente da ASMUTC na época dos fatos, a fim de explicitar como se davam os descontos na remuneração dos servidores e os repasses aos cofres da agremiação.

Contudo, em sede da prestação de contas partidária, cuja instrução e análise possui viés estritamente técnico e documental, não há previsão legal de realização de audiência para a oitiva de testemunhas, em virtude da própria natureza instrumental do procedimento.

Outrossim, como bem-lançado pelo magistrado a quo (fl. 220), a prova testemunhal é desnecessária ao deslinde da demanda, uma vez que juntado aos autos o próprio termo do Convênio n. 01/2009, entre a ASMUTC e o Diretório Municipal, regulatório do desconto em folha de pagamento das contribuições mensais destinadas ao PMDB de Três Coroas (fls. 191-193).

Uma vez que ausente qualquer fundamento fático que demonstre a imprescindibilidade da colheita da prova testemunhal para o esclarecimento da questão, a qual está suficientemente suprida por prova documental encartada aos autos, pertinente e adequado o indeferimento da oitiva pretendida, com esteio no art. 370, parágrafo único, do CPC.

Assim, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.

No mérito, a sentença combatida desaprovou as contas do partido ao reconhecer o recebimento de recursos financeiros advindos de fontes vedadas, quais sejam, a Associação dos Servidores Municipais de Três Coroas e pessoas físicas ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Pública, infringindo o art. 12, incs. II e IV, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em relação à primeira fonte vedada de recursos, o órgão técnico de análise identificou o recebimento pelo partido político do valor de R$ 36.312,24, oriundo de transferências e depósitos realizados pela Associação de Servidores Municipais de Três Coroas (ASMUTC), entidade de classe constituída sob a forma de pessoa jurídica (fl. 202).

O Diretório Municipal assevera, em sua defesa, que firmou o Convênio n. 01/2009 com a Associação, tendo por objeto o desconto em folha de contribuição mensal devida ao partido da remuneração dos associados detentores de cargos de confiança e funções gratificadas (fls. 191-193). Alega que as doações não são provenientes do patrimônio da pessoa jurídica, mas dos associados à entidade que ocupam cargos de confiança e funções gratificadas na municipalidade. Assim, a entidade é mera intermediária no recolhimento e repasse das doações.

Ocorre que a cópia do ajuste firmado entre as partes, ainda que indiciário de compromisso assumido, não é suficiente para comprovar a alegada origem das receitas.

Não logrou o prestador apresentar, por exemplo, os contracheques dos servidores com a rubrica específica, ou outro documento que demonstrasse, não apenas a origem, mas a anuência e o consentimento do doador com a destinação específica do desconto, tais como os recibos de doação, os quais são apenas referidos na manifestação da fl. 80.

Registre-se, ainda, que a prova testemunhal pretendida, do presidente da associação, não seria suficiente para a comprovação da efetiva origem do valor e anuência dos servidores.

O único elemento concreto presente nos autos são os extratos bancários, nos quais se evidencia que a entidade associativa realizou aportes de recursos na conta-corrente do partido, no montante de R$ 59.215,16 (fls. 71-72).

Assim, houve inobservância do disposto no art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, que proíbe aos partidos políticos receberem, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição, ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, procedentes de pessoas jurídicas.

A redação do preceito normativo tem sua origem na decisão do julgamento da ADIn n. 4.650/DF, ocorrido em 19.9.2015, no qual a Suprema Corte assentou a proscrição de qualquer doação de pessoa jurídica a partido político, independente de sua finalidade, declarando a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 31 da Lei n. 9.096/95, no ponto em que admitia tais operações.

Uma vez definida a espécie e a base normativa da irregularidade, como doação advinda de pessoa jurídica, estão afastados por incompatibilidade lógica os argumentos recursais que buscam discutir a natureza e as atribuições dos cargos ocupados pelas supostas pessoas físicas doadoras.

Ainda que os elementos de prova bastassem para o acolhimento das teses da agremiação em relação à origem das receitas, nota-se que o convênio visava garantir a doação mensal ao partido - por meio de desconto em folha de pagamento - dos servidores associados, detentores de cargos de confiança e funções gratificadas na municipalidade.

Essa prática é frontalmente contrária ao disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação vigente ao tempo dos fatos em análise, que vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas.

O alcance da proibição é esclarecido pelo art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, o qual refere expressamente os detentores de cargos comissionados e funções gratificadas de chefia ou direção na Administração Pública direta ou indireta.

Além disso, a jurisprudência do TSE está consolidada no sentido de que a contribuição financeira realizada por pessoas físicas deve consistir em ato de liberalidade a ser exercido livre e espontaneamente pelo doador, diretamente para os cofres do partido de sua predileção política.

A intermediação na obtenção de receitas pelos diretórios partidários impede a formalização escorreita das contas dentro dos ditames normativos, dificultando a ação fiscalizatória da Justiça Eleitoral no rastreamento e na identificação dos doadores originais e dos valores efetivamente despendidos. Por consequência, o expediente malfere a transparência que deve revestir o exame contábil, visto que pode servir para encobrir práticas proscritas e fontes vedadas de recursos.

Portanto, é irregular qualquer expediente de desconto automático e compulsório do chamado “dízimo partidário”, máxime quando subtraído da remuneração de servidores ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança na Administração Pública. A ilustrar, colaciona-se os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2008.

1. Não há nulidade quando a intimação realizada permite a perfeita identificação do processo e dela consta expressamente o nome da parte e da sua advogada, nos termos do art. 236, § 1º, do CPC.

2. O prazo de cinco anos previsto no art. 37, § 3º, da Lei nº 9.096 deve ser contado entre a data da apresentação das contas (30.4.2009) e a data do julgamento da prestação de contas (24.4.2014). Julgado o feito, o prazo

prescricional é interrompido, sendo irrelevante a posterior apreciação de embargos de declaração acolhidos sem efeitos modificativos.

3. A determinação de recolhimento ao fundo partidário de recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada, na forma do art. 28 da Res.-TSE nº 21.841, é mera decorrência da proibição da utilização de tais recursos. Se a agremiação não pode recebê-los, por certo tais recursos, uma vez recebidos, não podem permanecer no patrimônio do partido político.

4. As doações partidárias não podem ser realizadas por meio de desconto automático na folha de pagamento de servidores comissionados (arts. 31, II, da Lei nº 9.096/95 e 28, II, da Res.-TSE nº 21.841). Precedentes.

5. Está correta, no caso, a decisão regional que rejeitou as contas da agremiação e determinou a devolução de valor ao Fundo Partidário em face do irregular desconto de percentual (3%) sobre a folha de pagamento dos servidores comissionados para crédito integral em favor do recorrente, que, em momento posterior, promovia o rateio do total do valor arrecadado com doze outras agremiações.

6. A doação partidária é ato de vontade própria que não pode contar com intermediários e pode ser realizada somente por ação espontânea do eleitor diretamente direcionada ao partido da sua preferência.

Recurso especial a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 191645, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 110, Data 09.6.2016, pp. 48-49.)

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. RECURSOS DE FONTES VEDADAS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DO REPASSE DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE. ENUNCIADO SUMULAR 83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESPROVIMENTO.

1. As contas do agravante foram desaprovadas em virtude da constatação do recebimento e utilização, pelo partido, de recursos oriundos de fontes vedadas, tendo como agravante o fato de as contribuições advindas de ocupantes de cargos em comissão da administração direta que ostentam a condição de autoridade terem sido descontadas em folha de pagamento e creditadas diretamente na conta do partido, em afronta ao que determina o art. 36, inciso II, da Lei nº 9.096/95.

2. Esta Corte possui entendimento expresso no sentido de ser vedado o recebimento, por partido político, de contribuição de detentor de cargo ou função de confiança, calculada em percentagem sobre a remuneração percebida e mediante desconto em folha de pagamento. Precedentes.

3. A incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade somente é possível quando há, no acórdão regional, elementos que permitam mensurar se os valores relativos às falhas identificadas são ínfimos em comparação ao montante dos recursos arrecadados em campanha. Precedentes.

4. Tanto a desaprovação das contas quanto a suspensão do repasse dos valores do Fundo Partidário, em casos que tais, encontram fundamento na legislação eleitoral e na jurisprudência deste Tribunal, razão pela qual não merece reparos o acórdão regional, aplicando-se ao caso a Súmula 83 do STJ.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 685, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 11.5.2016, p. 86.)(Grifei.)

Portanto, os argumentos não são suficientes para afastar o reconhecimento da obtenção de recursos advindos de pessoa jurídica, em infringência ao art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Trata-se de irregularidade grave, que envolve o montante de R$ 59.215,16, arrecadados a partir da conta de pessoa jurídica de direito privado, correspondentes a cerca de 78% do somatório de receitas no exercício (R$ 75.292,79), impondo-se a desaprovação das contas.

Em relação às sanções aplicadas, a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do aporte de recursos de fonte vedada, como se extrai do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15, nada havendo a se reparar na sentença.

Por sua vez, o tempo de suspensão do Fundo Partidário foi fixado pela sentença em um ano, como dispõe o art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Entretanto, este Tribunal tem admitido a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para realizar a dosimetria da sanção pelo tempo de 1 a 12 meses, em consonância com o entendimento consolidado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. PPS. DIRETÓRIO REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. 1. In casu, o TRE/RS desaprovou as contas do partido, ora agravado, referentes ao exercício financeiro de 2015, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 6 (seis) meses, em razão das seguintes irregularidades: i) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário sem a devida comprovação, no montante de 30,45%; e ii) utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada. As irregularidades somaram R$ 111.256,71 (cento e onze mil, duzentos e cinquenta e seis reais e setenta e um centavos), que deverão ser recolhidos ao Erário. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão das cotas deve ocorrer de forma proporcional e razoável, conquanto as irregularidades tenham imposto a desaprovação das contas. Precedentes. 3. A orientação neste Tribunal é no sentido de que ao julgador cabe ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada (REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.10.2016). 4. Diante da nova sistemática de financiamento dos partidos, com a proibição de doação por pessoa jurídica, é de se primar pela busca de reprimenda que iniba o descumprimento das normas concernentes à prestação de contas e igualmente permita a continuidade de suas atividades. 5. Na espécie, a suspensão das cotas por 3 (três) meses mostra-se adequada, porquanto compatibiliza a necessidade de sobrevivência do diretório regional e a inibição de práticas assemelhadas. 6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 197, Data 02.10.2018, pp. 10-11.) (Grifei.)

Nesse trilhar, considerando o total de recursos de fonte vedada e a capacidade econômica do prestador de contas, mostra-se adequada a fixação da suspensão de repasses do Fundo Partidário pelo período de 6 meses.

Finalmente, a multa de até 20% sobre o valor irregular decorre da desaprovação das contas, como se extrai do art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação atribuída pela Lei n. 13.165/15, cuja previsão incide sobre as contas do exercício financeiro de 2016, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral (PC n. 96183, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE: 18.3.2016), restou aplicada em 5% do valor a ser devolvido, a qual se mostra proporcional para a espécie, considerando a gravidade da falha e o potencial financeiro da agremiação.

 

Ante todo o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 6 meses, mantidas as demais determinações da sentença, inclusive a penalidade de multa de 5% sobre o montante irregular.