RE - 1539 - Sessão: 30/10/2018 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JOÃO INÁCIO MACHADO PAZ, tesoureiro do Diretório Municipal do Partido Progressista (PP) de São Francisco de Assis, em face da sentença que desaprovou a contabilidade da agremiação, referente à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude da exibição extemporânea das contas, da inobservância da ordem cronológica e numérica dos recibos de doação e do auferimento de recursos financeiros de fontes vedadas (autoridades públicas), determinando, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 738,00, com acréscimo de multa de 0,83%, em duas parcelas mensais, e a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 ano (fls. 258-262v.).

Em suas razões, o recorrente sustenta que os equívocos foram meramente burocráticos e de pequena relevância no contexto da contabilidade. Afirma que a extemporaneidade da apresentação não afetou o exame das contas, que vieram regularmente instruídas. Alega que os valores oriundos de fontes vedadas são irrisórios, não comportando o drástico juízo de desaprovação. Ao final, requer o provimento do recurso para que suas contas sejam aprovadas, mesmo com ressalvas (fls. 265-269).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 276-281v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas da agremiação foram desaprovadas em função do reconhecimento de três irregularidades: (a) o oferecimento intempestivo das contas, (b) a apresentação de recibos emitidos fora da ordem cronológica e numérica e (c) o recebimento de receitas oriundas de exercentes de cargos de chefia e direção, caracterizados como fontes vedadas.

Tangente à entrega a (a) destempo das contas, cabe anotar que o art. 28 da Resolução TSE n. 23.464/15, reproduzindo o teor do art. 32, caput, da Lei n. 9.096/95, preceitua que os diretórios partidários devem apresentar suas contas anuais à Justiça Eleitoral até o dia 30 de abril do ano subsequente.

Entretanto, consoante o registro de protocolo constante à folha 02, a prestação foi oferecida apenas em 17.5.2017.

Sobredito prazo visa assegurar a submissão das contas, a atualidade dos registros financeiros mantidos pela agremiação e a oportunidade do controle social e jurisdicional, assegurando que a consecução do mandamento insculpido no art. 17, inc. III, da CF não fique ao simples alvedrio do prestador.

Entretanto, muito embora inobservado o comando legal, a extemporaneidade da apresentação das contas não prejudica a confiabilidade dos documentos contábeis, tampouco obstaculiza a efetiva fiscalização da movimentação financeira pela Justiça Eleitoral, quando instruída com todos os seus elementos essenciais.

Portanto, representa falha formal, a impor tão somente o apontamento de ressalvas no julgamento das contas.

Nessa linha, menciono o seguinte precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. APROVAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. MÉRITO. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA. ART. 28, § 3º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. PROVIMENTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(…).

2. O art. 28, § 3º, da Resolução TSE n. 23.464/15, preceitua que a prestação de contas dos órgãos partidários municipais que não tenham movimentado recursos financeiros ou bens estimáveis em dinheiro é realizada por meio da declaração de ausência de movimentação de recursos no período, a qual deve ser apresentada até o dia 30 de abril do ano subsequente. O prazo visa assegurar a anualidade da submissão das contas, a atualidade dos registros financeiros mantidos pela agremiação e a oportunidade do controle social e jurisdicional. A apresentação extemporânea das contas constitui falha formal, impondo o apontamento de ressalvas no julgamento.

Provimento.

(TRE-RS, RE 7-94.2017.6.21.0036, relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, sessão de 05.12.2017, unânime.)

 

A segunda inconsistência refere-se à (b) inobservância quanto à emissão dos recibos eleitorais, relativos às doações recebidas, em ordem cronológica e crescente.

Contudo, não há previsão legal de preenchimento dos recibos na ordem numérica e cronológica crescente.

O art. 11, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 obriga a emissão dos recibos a partir da página do Tribunal Superior Eleitoral na internet, no prazo máximo de três dias, contados do crédito em conta bancária, com numeração, por partido, em ordem sequencial.

Uma vez cumpridas tais exigências normativas pela agremiação, o aludido apontamento não tem o condão de prejudicar a transparência das contas, sendo mera impropriedade formal.

Quanto à derradeira irregularidade, a unidade de análise técnica constatou o (c) recebimento de recursos de fontes vedadas, consistentes em doações realizadas por autoridades públicas, infringindo a vedação disposta no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, com redação anterior à Lei n. 13.488/17, e regulamentada no art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Cumpre ressaltar que deve ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.)(Grifei.)

No caso dos autos, com base nas informações prestadas pelos próprios Poderes Executivo e Legislativo municipais, em relação às pessoas físicas que exerceram cargos de chefia e direção no exercício de 2016, o magistrado a quo considerou enquadrados no conceito de “autoridade” os doadores Denise Machado Trombini, ocupante do cargo de Coordenadora Serv. Veg. Animal - CC; Gaspar Gonçalves Paines, ocupante do cargo de Assessor Jurídico - CC3; Luciele Cristiane Saragoso, ocupante do cargo de Assessor Jurídico - CC3; Sandra Mariza Soares Busnelo, Secretária Adjunta - CC2/FG e Tania Maria Motta Flores, Assessora de Bancada da agremiação partidária na Câmara de Vereadores.

Com efeito, para os fins de análise de regularidade das finanças de partido político, autoridade pública é o agente demissível ad nutum da Administração Pública direta ou indireta que exerça cargo de chefia ou direção.

Nesse sentido é a jurisprudência consolidada desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. FONTE VEDADA. AUTORIDADE. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A previsão de fonte vedadas tem por finalidade impedir a influência econômica daqueles que tenham alguma vinculação com órgãos públicos, assim como evitar a manipulação da máquina pública em benefício eleitoreiro. Reconhecidas como fontes vedadas as contribuições provenientes de chefe de gabinete, supervisor, diretor de departamento e coordenador de bancada.

Recolhimento da quantia recebida indevidamente ao Tesouro Nacional. Suficiente a suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de um mês, conforme parâmetros da razoabilidade.

Desaprovação.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 82-18, Acórdão de 16.8.2017, Relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, Publicação: DEJERS – Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do RS, n. 147, Data 18.8.2017, Página 6.) (Grifei.)

O recorrente não controverte a natureza dos cargos ou a ilicitude das contribuições, limitando-se a pugnar pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade diante da alegada insignificância da falha frente ao total de recursos movimentados.

Quanto ao ponto, tem-se que o somatório de recursos advindos de fontes vedadas alcança R$ 738,00, o que representa cerca de 4,15% da arrecadação do partido no ano de 2016 (R$ 17.743,00).

Nessa senda, o montante é, de fato, ínfimo, tanto em termos percentuais quanto em valores absolutos, uma vez que também inferior àquele que o art. 27 da Lei das Eleições dispensa de contabilização (R$ 1.064,10).

Essa constatação, associada à ausência de má-fé do partido e à colaboração na instrução do feito, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para conduzir à aprovação das contas com ressalvas, afastando-se, por conseguinte, as penalidades de suspensão de quotas do Fundo Partidário e da multa prevista no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No mesmo sentido, cito os seguintes precedentes:

AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. EXERCÍCIO DE 2012. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE FONTE VEDADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. VALOR IRRISÓRIO. SUSPENSÃO DE COTAS. FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO DO PARTIDO.

1. Autos recebidos no gabinete em 21/3/2017.

2. No caso, é possível aprovar com ressalvas as contas, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois a soma de valores das falhas constatadas - R$ 47.277,35 - corresponde a aproximadamente 6,5% da receita, não comprometendo o controle financeiro pela Justiça Eleitoral. Precedentes.

3. Recurso especial parcialmente provido para aprovar com ressalvas as contas. Prejudicado o recurso do Parquet.

(TSE - RESPE: 724220136210000 Porto Alegre/RS 67842016, Relator: Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Data de Julgamento: 10.04.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 02.05.2017 - Página 99-102.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. DOAÇÕES RECEBIDAS. DOAÇÃO DO DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO. REGULAR. DOAÇÃO ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE RECIBOS ELEITORAIS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Doação proveniente do Diretório Nacional da agremiação devidamente identificada com data, origem e CNPJ do doador. Evidenciada regularidade da doação. Afastado recolhimento do numerário ao Tesouro Nacional.

2. Recebimento de doação de origem não identificada, em desacordo com a previsão contida nos arts. 7º, caput, e 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. Situação que acarreta o recolhimento ao Tesouro Nacional. Quantia de pequena expressão, que representa 6,8% do montante integral. Aprovação com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 6-64; Rel. DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, sessão de 4.12.2017.)

Logo, concluo que o juízo de desaprovação deve ser reservado para aquelas situações em que há o comprometimento absoluto das contas ou mesmo quando as irregularidades alcançam montante vultoso, o que não é o caso em análise.

De todo modo, havendo o recebimento de recursos de fonte vedada, o consectário legal necessário é o recolhimento da verba irregular ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, independentemente da sorte do juízo de mérito sobre as contas.

É o posicionamento já sufragado por este Tribunal, consoante ilustra o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. INCLUSÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. FONTE VEDADA. AUTORIDADE. SECRETÁRIO MUNICIPAL DA CULTURA. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. ÍNFIMO VALOR. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A agremiação partidária recebeu recursos de autoridade pública – Secretário Municipal da Cultura –, caracterizando o ingresso de recurso de origem proibida por lei.

O valor ínfimo da irregularidade – representando 0,68% do total de recursos recebidos – e a apresentação de documentos que permitiram o efetivo controle da contabilidade afastam o juízo de desaprovação. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia recebida indevidamente.

Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 85-70, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira. Julgado em 17.10.2017. Unânime.) (Grifei.)

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO PROGRESSISTA – PP de SÃO FRANCISCO DE ASSIS, relativas ao exercício financeiro de 2016, e determinar o recolhimento do valor de R$ 738,00 ao Tesouro Nacional, afastando as penalidades de multa e de suspensão das quotas do Fundo Partidário.

É como voto, senhor Presidente.