INQ - 10068 - Sessão: 05/11/2018 às 17:00

 

RELATÓRIO

Cuida-se de INQUÉRITO instaurado pela Procuradoria de Prefeitos do MP-RS para apurar a eventual prática de crime contra a administração pública (prevaricação) e de responsabilidade pelo Prefeito de Três Arroios, LÍRIO ANTÔNIO ZARICHTA (fl. 04), haja vista a notícia de que, após sua reeleição no pleito de 2016, teria ordenado ao Fiscal Sanitário e Ambiental Valdir Boni que se abstivesse de inspecionar bares e restaurantes, a fim de cumprir a promessa de campanha feita a Lenice Pelissari, proprietária do Restaurante e Lancheria Sabores do Vale Ltda. – ME, conhecido como Bar do Tato, no sentido de que, se vencesse a eleição, seu estabelecimento não seria fiscalizado/autuado pelo referido servidor público municipal.

Finalizada a investigação, a Procuradoria de Prefeitos requereu ao Tribunal de Justiça-RS o declínio da competência para este Tribunal, tendo em vista a descrição do fato típico amoldar-se ao previsto no art. 299 do Código Eleitoral, pois o investigado teria prometido à proprietária do estabelecimento comercial, em troca do voto, que não seria feita fiscalização no local (fls. 295 e v. e 298-300).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo reconhecimento de competência desta Corte e pelo arquivamento do inquérito (fls. 305-314).

É o relatório.

VOTO

Recentemente, em acórdão de minha relatoria, restou assentada a interpretação restritiva do foro por prerrogativa de função aos cargos sujeitos à sua jurisdição, conforme se extrai da ementa:

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRERROGATIVA DE FORO. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO NA ÉPOCA DO FATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Suposta prática de crime durante debate eleitoral que antecedeu ao pleito, período em que o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de prefeito. Novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar o foro por prerrogativa de função às hipóteses em que a prática delitiva ocorrer no exercício do cargo e em decorrência de suas atribuições. Alinhamento deste Tribunal à nova interpretação. Não subsiste a competência originária criminal desta Corte, reconhecida ao juízo eleitoral de primeiro grau. Acolhida a promoção ministerial.

(INQUÉRITO n. 3-33.2018.6.21.0162, ACÓRDÃO de 21.5.2018.)

Entretanto, na espécie, como muito bem apontado pelo Parquet, encontram-se presentes os requisitos para firmar a competência nesta Corte:

(1) a promessa de abstenção de fiscalização sanitária em troca do voto da proprietária do estabelecimento comercial, eleitora em Três Arroios (conforme RP ASSPA n. 537/17, em anexo), viola, em tese, bem jurídico relevante para a Justiça Eleitoral (liberdade de exercício de voto);

(2) os elementos de informação indicam que a promessa teria sido feita pelo Prefeito de Três Arroios na legislatura 2012-2016, LÍRIO ZARICHTA, durante sua campanha à reeleição, bem como que o referido candidato se reelegeu para a legislatura 2017-2020, encontrando-se atualmente no exercício do mandato; e

(3) a ingerência sobre serviços públicos municipais está relacionada às funções desempenhadas no cargo de chefe do Executivo municipal.

Assim, reconheço a competência deste Tribunal.

Mérito

O procedimento teve início em razão de boletim de ocorrência registrado no dia 04.10.2016, pelo Fiscal Sanitário e Ambiental de Três Arroios, Valdir Boni, nos seguintes termos: o prefeito municipal desta cidade, LÍRIO ANTONIO ZARICHTA, foi até a Unidade Básica de Saúde, local de trabalho do comunicante, e (...) lhe proibiu de fazer a fiscalização da vigilância sanitária em estabelecimentos de alimentação para evitar a punição destes locais (fl. 07).

Asseverou, ainda, que, em abril do corrente ano [2016], realizou inspeção no restaurante e lancheria do Tato onde a cozinha apresentava péssimas condições de higiene, sendo fornecido alvará sanitário provisório até o mês de agosto para o proprietário do estabelecimento se adequar, o que fez o prefeito municipal desta cidade proibir o depoente de realizar o seu trabalho (fl. 09).

Apesar de terem sido coletados vários depoimentos, o agente ministerial concluiu que, em termos objetivos, a prova da corrupção eleitoral resume-se ao depoimento policial de Marizete Moy, ex-funcionária do Bar do Tato, demitida após quatro meses sem pagamento de salário e com valores atrasados para receber na época em que prestou o depoimento.

Diante do conjunto de depoimentos contraditórios e desarmônicos, o Ministério Público Eleitoral concluiu pela ausência de justa causa para oferecimento da denúncia (fl. 313 e v.):

O suposto agente corruptor, LIRIO ZARICHTA, nega que sequer tenha pedido de voto a Lenice Pelizari. A eleitora, por sua vez, confirmou que o candidato a reeleição passou uma manhã no seu estabelecimento e lhe pediu que apoiasse sua reeleição, mas nega que na ocasião tenha sido conversado algo sobre a fiscalização sanitária.

Oportuno mencionar que Marizete Moy não mencionou a presença de outra testemunha quando narrou o episódio. Lenice, por sua vez, disse que quando o Prefeito lhe pediu apoio para reeleição estavam presentes Marizete e Alicia.

Desnecessária eventual identificação e oitiva desta última pessoa, seja porque também é ex-funcionária do estabelecimento, seja porque os relatos sobre quem estava ou não presente sequer são harmônicos, subsistindo ainda a negativa total do Prefeito quanto ao fato em si e a negativa da eleitora quanto ao oferecimento de vantagem.

Veja-se, ademais, que as próprias declarações do fiscal sanitário Valdir Boni desautorizam uma vinculação entre a criação de embaraços à fiscalização sanitária no município e o período eleitoral, uma vez que, segundo narrou, os problemas começaram já no primeiro dia de mandato de LIRIO ZARICHTA, em jan/2013. Nas suas palavras, nos primeiros quatro anos de mandato de LIRIO ZARICHTA, “ele não me deixava exigir documentação”. Logo, tratando-se de interferência sistemática, por anos, não se pode concluir que o ápice do conflito, com a destituição do servidor das suas atribuições de fiscalização, esteja relacionado à compra de votos.

Nesse contexto – depoimento único, prestado por pessoa com comprometimento pessoal com uma das partes, ausentes outros elementos para corroborá-lo – resta caracterizada a ausência de justa causa para o oferecimento de denúncia.

Conforme já decidiu essa Egrégia Corte Eleitoral:

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. PREFEITO EM EXERCÍCIO E CANDIDATO À REELEIÇÃO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. FRAGILIDADE DO CONTEXTO PROBATÓRIO. AUSENTES INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CRIME PELO CHEFE DO EXECUTIVO. ARQUIVADO.

Investigação destinada a apurar possível prática do delito de corrupção eleitoral. Adotadas as medidas para apuração do delito noticiado, não se obtendo elementos suficientes para sustentar a propositura da denúncia.

Arquivado.

(INQ 96-31.2017.6.21.0000, julgado em 20.8.2018, Rel. Des. Gerson Fischmann.)

Assim, considerando o conjunto de informações, percebe-se que, apesar de terem sido adotadas as medidas possíveis para a apuração dos delitos noticiados, não foi possível coletar elementos suficientes para sustentar a propositura de denúncia.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo arquivamento do expediente, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal e no art. 11 da Resolução TSE n. 23.363/11.