RE - 75778 - Sessão: 17/10/2018 às 16:00

 

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença (fls. 254-261) que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta contra PAULO RENATO WERMANN, Vice-Prefeito à época e candidato a vereador.

Em suas razões (fls. 264-274), o Ministério Público Eleitoral sustenta a existência de prova robusta quanto à prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político, tanto testemunhal como documental (troca de mensagens entre eleitores e o representado), que bem demonstram a utilização de seu cargo de Vice-Prefeito à época, durante a campanha eleitoral – na qual concorreu a vereador-, para atender diversas solicitações de eleitores com o intuito de obter-lhes o voto, abusando e desviando a finalidade de seu mandato. Diz que houve a promessa de pagamento de transferência de motocicleta, fornecimento de tratamento dentário, latas de tinta, pagamento de exames, dinheiro em espécie, gasolina, intermediação para obter consultas, exames e cirurgias, tudo em troca de voto. Sendo assim, requereu a reforma da sentença, a fim de que seja julgada procedente a ação, bem como lhe seja aplicada a multa devida.

Com contrarrazões (fls. 278-301), foram os autos à Procuradoria Regional Eleitoral que opinou pelo parcial provimento do recurso diante da configuração da captação ilícita de sufrágio e da conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 (fls. 304-316).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e regular.

Mérito

Antes de adentrar na análise dos fatos, cumpre tecer algumas considerações teóricas sobre os ilícitos descritos na inicial, que oscilam entre o abuso do poder político e a captação ilícita de sufrágio.

A atuação com desvio das finalidades legais, de forma a comprometer a legitimidade do pleito, seja em favor do próprio agente ou de terceiro, caracteriza o exercício abusivo do poder previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(Grifei.)

O abuso de poder, conforme a doutrina eleitoralista, é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir condutas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A caracterização da violação ao bem jurídico protegido, portanto, está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade do pleito, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. (…).

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Grifei.)

Em relação à captação ilícita de votos, o fundamento legal está no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

O núcleo da norma reside em alguns elementos principais: seus verbos, o destinatário da prática, o período em que as condutas são levadas a efeito e o fim a que se destina. A norma veda doar, oferecer, prometer ou entregar vantagem pessoal de qualquer natureza. O destinatário é o eleitor; o período de restrição é claro: desde o registro de candidatura até, inclusive, o dia das eleições.

E, segundo a interpretação do TSE, a captação ilícita pressupõe pelo menos três elementos: 1 - a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2 - a existência de uma pessoa física (eleitor); 3 - o resultado a que se propõe o agente (obter o voto).

Ou seja, para a configuração da hipótese do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, é necessária a conjugação dos citados elementos subjetivos e objetivos.

Delineados parâmetros legais concernentes à caracterização do abuso do poder político e da compra de votos, passo a analisar os fatos descritos na peça inaugural.

Foram três fatos imputados ao ora recorrido.

Os fatos foram assim descritos na inicial (fls. 03-5v.):

1º FATO

Entre os meses de agosto e setembro de 2016, durante a campanha eleitoral à eleição ao mandato de Vereador, no Município de Fazenda Vilanova, o requerido PAULO RENATO WERMANN, abusando de sua condição de agente político e atuando em desvio de finalidade das atribuições que o cargo lhe outorgava, ofereceu e prometeu ao eleitor Paulo Alexandre da Costa Lima pagar o valor de transferência da motocicleta que este adquirira, qual seja, a motocicleta Honda CG 150 Titan ESD, 2006/2007, placa INQ9149, para obter o seu voto e de sua família, dizendo que, no mínimo, deveriam ser três votos.

Segundo o citado eleitor, em data não devidamente precisada, no mês de agosto ou setembro de 2016, encontrou-se com o requerido Paulo Renato ao lado do posto de Saúde e da Prefeitura, porque sofrera acidente de motocicleta e estava realizando consulta para mostrar o resultado de seus exames da coluna para o médico do Município. No encontro, o requerido Paulo Renato perguntou como estava, e o eleitor Paulo Alexandre disse que estava bem, mas com muitos gastos, momento em que o requerido se prontificou a ajudá-lo financeiramente, pedindo do número do telefone do eleitor.

Em 14/09/2016, o eleitor Paulo Alexandre, detentor da linha telefônica n. 51-99755-6822, passou a estabelecer contatos com o requerido via aplicativo Whatsapp, perguntando sobre a promessa de auxílio financeiro. Já no dia 15/09/16, combinaram encontro na Loja de Materiais de construção Milton Tintas, o que efetivamente ocorreu, segundo o eleitor, onde Paulo Alexandre disse que o custo da transferência de sua motocicleta seria de R$ 576,00 (quinhentos e setenta e seis reais), pedindo este valor “emprestado” para o requerido, o qual disse que por um voto não daria, deveriam ser, no mínimo, mais dois votos.

Após, os diálogos entre o requerido e o eleitor Paulo Alexandre seguiram-se até o dia 27/09/16 (extratos das conversas às fls. 41/48 dos autos em apenso), normalmente com a iniciativa do eleitor em saber quando o requerido providenciaria o valor para a transferência da referida motocicleta para o nome dele, ao passo que, de regra, Paulo Renato respondia que estava providenciando, pedia os documentos necessário para transferência, dizia que tinha ido ao DETRAN, etc, sempre dando a entender que concederia esta vantagem indevida ao eleitor, em troca do voto de sua família.

A título ilustrativo, o interesse eleitoreiro dica explícito nos diálogos mantidos no dia 19/09/16, a partir das 20h, quando, após o eleitor Paulo Alexandre enviar fotografias do DUT da motocicleta e perguntar: Quando podemos fazer a transferência...E a vistoria, o requerido responde: Dentro da cemana ajo q da; ao que o eleitor diz: N precisa ter medo porque uma coisa aprendi palavra d um homem é a primeira q basta 3daki são teu, ao que o requerido responde com um sinal de positivo. (sic)

Ocorre, entretanto, que o pagamento do valor da transferência da motocicleta não se efetivou, porque o requerido aguardou o resultado das eleições, sempre com desculpas ao eleitor, para definir se iria concretizar sua promessa. Ao final, passadas as eleições, como não foi eleito, o requerido devolveu os documentos necessários para a transferência (DUT e procuração de compra da motocicleta), os quais estavam na sua posse, ao eleitor Paulo Alexandre.

2º FATO

No mês agosto de 2016, entre os dias 18 a 30, em Fazenda Vilanova/RS, durante a campanha eleitoral à eleição ao mandato de Vereador, no Município de Fazenda Vilanova, o requerido PAULO RENATO WERMANN, abusando de sua condição de agente político e atuando em desvio de finalidade das atribuições que o cargo lhe outorgava, ofereceu e prometeu dádivas e vantagens às eleitoras Letícia Fernanda Stirle e Rosane Fiegenbaum para obter-lhes o voto.

Por ocasião, a eleitora Letícia Fernanda Stirle, detentora da linha telefônica n.º 51-99523-4977, estava com dificuldades para conseguir tratamento dentário no Posto de Saúde de Fazenda Vilanova, já tendo falado com as servidoras responsáveis daquele posto de saúde, que lhe orientaram a aguardar sua chamada. Insatisfeita, a eleitora procurou, por meio de ligação telefônica, o requerido, vice-Prefeito Municipal, o qual intercedeu e obteve rapidamente o tratamento dentário de que necessitava Letícia.

Além disso, o requerido comprometeu-se a comprar e entregar às citadas eleitoras latas de tinta para que Rosane Fiegenaum, mãe de Letícia, pudesse pintar sua residência, conforme diálogos mantidos entre Letícia e Paulo Renato, via aplicativo Whatsapp, no dia 30/08/2016, a partir das 9:35:17, assim materializados (fls. 58/59 dos autos em apenso): Letícia - Bom diaa, a mãe mandou pedir aquilo que ela foi falar com vc, ela foi la ver sobre as tintas, ela foi no lugar mais barato q achou, ela quer saber se ela pode encomendar, e aqui em cãs os dois votos é seu e a mãe disse que é pra ti ir lá na vó que tem a Natália e o namorado pq ninguém foi la ainda; Paulo Renato Poso aí hoge qual a melhor hora... Que a mãe tá em casa; Letícia - Pra pegar as tintas?? Paulo Renato - Sim; Letícia - Ela disse que você pode passar lá na padaria...É ali perto que ela pegou; Paulo Renato - sinal de positivo; (sic).

3º FATO: Entre os meses de agosto e setembro de 2016, em Fazenda Vilanova/RS, durante a campanha eleitoral à eleição ao mandato de Vereador, no Município de Fazendo Vilanova, o requerido PAULO RENATO WERMANN, abusando de sua condição de agente político e atuando em desvio de finalidade das atribuições que o cargo lhe outorgava, buscava conquistar o voto de eleitores com a intermediação para obtenção de consultas, exames e atendimento de saúde na Unidade Básica do Município, embora não fosse Secretário de Saúde, mas, sim, vice-Prefeito Municipal licenciado do cargo de Secretário Municipal de Obras desde 1º de abril de 2016, pois candidato às eleições proporcionais pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB.

Conforme já explicado na sinopse da presente investigação, a partir da apreensão, autorizada judicialmente, inclusive a extração de dados e conversas (decisão das fls. 38/43 dos autos), do telefone do aparelho celular utilizado pelo requerido, aparelho com dois chips, linhas ns.º 51-8170-8059 (funcional) e 51-9613-68967 (particular), foi possível identificar algumas mensagens SMS e por meio de aplicativo Whatsapp, em que eleitores pedem toda a espécie de benefícios, tais como dinheiro para pagar exames, dinheiro em espécie, gasolina, intermediação para obtenção de consultas, exames e cirurgias.

Nesse sentido, reporta-se, dentre outros, aos seguintes diálogos extraídos via SMS: #31, n.º 51-9641-8690, interlocutor não identificado, mensagem enviada em 14/09/16, às 15:44:27: Por um caus você não poderia me empresta cinquenta só p comprar umas coisas que falta me manda uma mensagem Carol (sic); #51 e #93, n.º 51-99743-3459, pertencente a Pedro Gilberto Brito, mensagem enviada em 02/09/16, às 11:43:56: Renato eu pressizo de uma ajuda eu teno que fazer um inzame segunda fera na mina menina e eu não teno se o sinor com segi prami esse dinero eu voto enti e fasso campana prati nois aci não temo veriado seti me ajuda nois votemo enti eu prassizo de duzentos real pra paga os inzame dela em liga avizado ou atede o telefone eo Pedro birto por favor me ajuda e prodo ensa (sic); #75, n.º 51-9645-0237, interlocutor 'Andrezinho', pede auxílio para gasolina; via Aplicativo Whatsapp: #5, n.º 51-9890-9414, pertencente a Laurie Souza, diálogo, em 30/09/16, para obtenção de cirurgia; #14, n.º 51-9777-2641, pertencente a Mara Virgilia dos Reis, Coordenadora da Unidade Básica de Saúde de Fazenda Vilanova, com quem o requerido, em 07/09/16, pede informações sobre exames e valores; #106, n.º 51-8159-6909, utilizando por Cassiano da Costa Pereira, Operador de Máquinas da Prefeitura de Fazenda Vilanova, que auxilia o requerido com lista de eleitores e possíveis 'compra de votos'.

Não somente o fato de os eleitores realizarem e dirigirem pedidos de auxílios e vantagens ao requerido, mas também as conversas por ele mantidas, tais como as dos fatos anteriores, demonstram que o vice-Prefeito Paulo Renato utilizava do seu cargo, em plena campanha eleitoral, para atender tais solicitações, com intuito de obter-lhes o voto, abusando e desviando a finalidade de seu mandato.

A sentença analisou com percuciência a prova produzida e concluiu pela insuficiência probatória.

A fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo o exame feito pelo juízo a quo (fls. 256v.-259):

Valdocir de Ávila referiu que não trabalhou na campanha de nenhum candidato em 2016, tendo se afastado da política em 1999. Disse não ter conhecimento do primeiro e segundo fatos. Sabe que Paulo Renato Wermann era Secretário de Obras e Vice-Prefeito. Lembrou que Paulo Alexandre, que sofreu acidente de motocicleta, mas desconhece os fatos. Soube de boatos de compra de votos, por parte de uma senhora que estava em seu comércio, o que não é objeto desse processo. Mencionou que é comum em Fazenda Vilanova, no período das eleições, os eleitores realizarem mais pedidos aos candidatos. Em Fazenda Vilanova “tem um problema sério, que é o eleitor e o político. O eleitor torna o político corrupto e vice-versa”. Quem não comprar votos não se elege.

Sabrina Marmentini referiu que não trabalhou na campanha de Paulo Renato Wermann. A eleitora Rosane Fiegenbaum é sua tia. Como Paulo Renato era Vice-Prefeito em Fazenda Vilanova e sua tia precisava de ajuda, falou com o candidato. O telefone celular da depoente na época era 9889-9402. Trocou mensagens pelo aplicativo de celular WhatsApp com Paulo Renato. Passou o contato de Letícia e de Rosane para Paulo Renato. Disse não saber qual era o auxílio que Letícia necessitava, mas sua tia queria pintar a casa. Não sabe se sua tia conseguiu pintar a casa, pois não tiveram mais contato. Trabalhou por três anos com Paulo Renato na Secretaria de Obras. Foi contratada pelo Prefeito na época. É comum em Fazenda Vilanova os políticos ajudarem as pessoas, inclusive fora de época de eleições. Procurou Paulo Renato como Vice-Prefeito. Ele não condicionou o favor ao voto. Não é comum a compra de votos em Fazenda Vilanova.

Mara Virgília dos Reis, relatou, em síntese, que disse que nada sabe sobre os fatos objeto demanda. Paulo Renato era Vice-Prefeito de Fazenda Vilanova nessa época, e já foi Secretário de Obras. A depoente era Coordenadora da área da Saúde. Paulo Renato lhe procurava para saber sobre consultas, atendimentos, etc. Havia bastante assistencialismo no Município. Não teve contato com Paulo Renato sobre a paciente Letícia. É comum os Secretários pressionarem para agilizar os atendimentos de saúde, justamente porque a população é muito assistencialista. Durante a campanha eleitoral surgem bastante boatos de compra de votos em Fazenda Vilanova. É comum as pessoas procurarem vereadores políticos para pedirem auxílios, inclusive fora das eleições, o tempo inteiro, mas não sabe se as pessoas efetivamente recebiam.

Cassiano da Costa Pereira, ouvido como informante, relatou saber que Paulo Alexandre pediu para Renato pagar os documentos da moto, mas não tem conhecimento se o candidato efetivamente alcançou algum dinheiro ao eleitor. O depoente é operador de máquinas do Município. Não lembra de Paulo Renato ter lhe solicitado serviços depois de licenciado. As eleições em Fazenda Vilanova são polarizadas, com dois lados distintos. Há compra de votos pelos dois lados. “O povo lá é coisa feia... se aproveita. É direto eles pedindo as coisas, já passei para vereador, já tive essa oportunidade, mas é os quatro anos direto, eles batendo na porta, pedindo coisas. E, na época das eleições, é mais ainda!”. Paulo Renato “desviava” de Paulo Alexandre, tentava evitá-lo. Refere que esse eleitor pediu para vários candidatos. Paulo Renato não se elegeu. “É o ditado que se diz: quem não compra votos não se elege.”

Paulo Alexandre da Costa Lima relatou que conversou com Paulo Renato perto do posto de saúde, disse que precisava pagar o documento da sua motocicleta e que precisava de dinheiro emprestado. Era próximo das eleições. Daí conversou e fez “o negócio” com Paulo Renato, que conseguiria mais dois votos além do seu. O valor seria em torno de R$ 500,00 (quinhentos reais), inclusive para transferência da motocicleta. Paulo Renato pegou os documentos com o depoente para ver o valor certo. O depoente conhecia Paulo Renato porque ele era Vice-Prefeito e, como o depoente sofreu um acidente de motocicleta, estava sempre em consulta no posto de saúde, por isso encontrou com Paulo Renato. Foi o depoente quem chamou Paulo Renato e pediu o dinheiro emprestado e este disse “que também precisava de uma mão por causa das eleições”, e o depoente falou que poderiam se ajudar. Não soube dizer porque pediu dinheiro emprestado para Paulo Renato, somente porque encontrou com ele. Trocaram mensagens via aplicativo WhatsApp. Mandou fotografias dos documentos da motocicleta para Paulo Renato. Este chegou a ir até a sua casa para buscar o documento ou o DUT, não recorda ao certo. As eleições se passaram e Paulo Renato “não fez nada” e o depoente foi atrás para buscar seus documentos. O depoente foi na Prefeitura buscar os documentos de propriedade e o DUT Paulo Renato foi entregar na sua casa. Deduziu que Paulo Renato não lhe emprestou dinheiro “porque não tinha passado”. Depois, o depoente conseguiu realizar a transferência com dinheiro do INSS, porque estava “encostado”. Perguntado pela Defesa, afirmou que pediu o dinheiro emprestado para Paulo Renato e, como estava em época de eleições, este disse que poderiam negociar. O depoente disse que poderia dar o voto dele e Paulo Renato disse que “um não adiantava; tinha de ser, no mínimo, três votos”. Nenhuma outra pessoa presenciou essas conversas, que ocorreram menos de um mês antes das eleições. Paulo Renato dizia que iria dar o dinheiro e não dava. Negou ter frequentado o comitê do candidato José Cenci e participado da festa da vitória. Não recebeu nenhum dinheiro, somente a promessa de Paulo Renato.

Rosane Fiegenbaum relatou que sua filha Letícia precisava colocar aparelho e, como perdeu uma consulta, solicitou a ajuda para Paulo Renato para conseguir o atendimento dentário, porque ele era o Vice-Prefeito. Quem teve contato com Paulo Renato foi a sua filha pelo aplicativo WhatsApp. “Isso foi bem antes das eleições, não sei ao certo”. Desconhece o teor das conversas de Letícia com Paulo Renato. Com relação ao pedido de tintas, disse que, na verdade, precisava de uma ajuda financeira. Sabia que a Assistência Social ajudava. Sabrina, sua sobrinha, tentaria ajudar nesse pedido, mas não foi adiante a história”. Essa ajuda não seria em troca de votos em favor de Paulo Renato. O pedido de ajuda financeira foi perto das eleições. Mas não conseguiram. Quem sabe da história toda é sua sobrinha Sabrina, que é vizinha de Paulo Renato. Lembra de ter comentado com Sabrina para pedir as tintas. “Começou como uma brincadeira na padaria, que a gente trabalha junto”. Procurou Paulo Renato como vice-Prefeito, em razão da Assistência Social. Em nenhum momento quis vender o seu voto, ou o candidato quis comprá-lo.

Letícia Fernanda Stirle relatou que não pôde comparecer ao dentista e não conseguiu avisar. Como não tinha condições de pagar uma consulta particular e “eles não queriam mais marcar”, falou com Paulo Renato se ele conseguiria ir lá falar com a dentista para que marcassem de novo. Acredita que isso ocorreu três ou quatro meses antes das eleições. A conversa ocorreu pelo aplicativo WhatsApp por meio da linha 8033-9218. Mencionou que sua dentista queria em torno de R$ 350,00 para arrumar cada um dos dentes, e eram em torno de sete ou oito dentes. Por intermédio de Paulo Renato, conseguiu remarcar sua consulta, mas não tinha nada a ver com voto. Com relação às tintas, Paulo Renato ficou de ajudar, prometeu, mas não ajudou. Trocaram mensagens para que o candidato fosse até a sua casa para conversar. Procurou o candidato porque ele era muito amigo e porque não conhecia mais ninguém. Não sabe se Paulo Renato ocupava algum cargo na Prefeitura. A depoente não vendeu seu voto. Quando sua mãe solicitou ajuda, surgiu o negócio dos votos. Sua mãe não comentou se vendeu seu voto. Não frequentou comícios ou festas de candidatos.

Pedro Gilberto Brito, testemunha, relatou que tinha o contato do Prefeito Pedro e do Vice-Prefeito Paulo Renato. Mandou mensagens pedindo ajuda, porque tem problemas de coluna. Apesar de mandar as mensagens, Paulo Renato não lhe respondeu nem ajudou em nada. O candidato não atendia suas ligações. Também pediu ao prefeito Pedro, mas ele nunca lhe deu nada, “só enrolou”. Pediu ajuda (alimentos) para Renato e ele encaminhava para a Assistência Social. Nunca foi diretamente até a Assistência Social. Também pediu ajuda para Codécio, que era vereador e trabalhava na saibreira, e ele lhe ajudou. Isso foi uns dois ou três meses antes das eleições.

Paulo Renato Wermann, interrogado, relatou que era candidato a vereador em Fazenda Vilanova nas eleições de 2016. Disse que a acusação, em relação primeiro fato, é em parte verdadeira. Em nenhum momento questionou o voto de Paulo Alexandre. Como fazia parte da Administração conhecia quase todas as pessoas da cidade, que tem 4.000 habitantes e cerca de 2.900 eleitores. Por ser uma pessoa muito comunicativa e muito ativa visitou muitas residências. Disse que ajudou muitas pessoas, porque é uma cidade muito carente. Foi abordado por Paulo Alexandre umas dez vezes. Ele pediu dinheiro emprestado porque estava desempregado. Disse que poderia ajudá-lo, consultando os dados junto ao site do Detran para que não precisasse pagar despachante. Disse que era período eleitoral e não tinha como emprestar. Disse que Paulo Alexandre ofereceu três votos em troca do empréstimo de dinheiro. Com relação a segundo fato, disse que Letícia precisava fazer o tratamento no posto de saúde e tinha de remarcar uma consulta. Apenas falou com a dentista, como Vice-Prefeito, se ela poderia remarcar a consulta e obteve um encaixe. Não falou sobre votos. Houve solicitação de latas de tintas por Rosane e ele disse que poderia ver com a Assistência Social se poderiam ajudá-la. O depoente fez a consulta e ela não se enquadrava junto à Assistência Social. Não teve como ajudá-la. Utilizava dois chips, um particular e outro da Prefeitura. Confirmados os números. Usava muito WhatsApp. Os eleitores pedem muito e “a gente tem de achar meios para chegar lá na frente. É muito difícil fazer campanha em Fazenda Vilanova. Eu fui conversando com Paulo Alexandre, fiz a pesquisa e ele sempre tentando induzir. Sempre ajudei as pessoas”. Pegou os documentos de Paulo Alexandre e fez a pesquisa pela internet, mas não foi a Canabarro. Pegou os documentos porque “Paulo Alexandre largou nas minhas mãos e não me largava mais”. Ficou enrolando Paulo Alexandre para “tentar ganhar tempo para não pagar. Ele não ia me devolver o dinheiro mesmo”. Admitiu que o seu tempo eram as eleições. Declarou valores verdadeiros em seu registro de candidatura. Na época da campanha não tinha dinheiro em espécie. Gastava praticamente todo o dinheiro que ganhava da Prefeitura, em torno de quatro mil e quinhentos reais. Nunca emprestava dinheiro. Só promessas e favores. Também nunca doava. Os favores era do seu dia-a-dia, porque era sua função de vice-Prefeito. Entrou sem querer no jogo dos eleitores, infelizmente, “e hoje com os celulares, descobrem seu celular e te mandam whats direto e não te pagam mais”. Tentava se esquivar diante do assédio dos eleitores, para não queimar o eleitor ou perder um possível voto. Alguns colegas candidatos monitoravam o que se passava com a mesma proposta a outros. Com relação a Paulo Alexandre Costa Lima, soube que o eleitor havia feito a mesma proposta para vários candidatos. Nos últimos tempos o depoente não frequentava nem mais o centro da cidade. Codécio era funcionário público e se elegeu, hoje é vereador. Sobre as tintas para Rosane, quem solicitou foi Sabrina para a tia dela. O Município tinha um programa de auxílio-moradia e entrega de cestas básicas. Era comum o depoente informar os cidadãos de como conseguir esses benefícios ou ter acesso a esses programas.

Como se pode observar, pelo conteúdo dos depoimentos prestados, não há demonstração de que o representado, ora recorrido, tenha excedido no uso dos recursos financeiros, tampouco foram trazidas ao feito provas contundentes acerca da natureza eleitoreira dos atos praticados.

O depoimento das testemunhas ouvidas em Juízo mostrou-se divergente e contraditório.

No que diz respeito ao 1º fato descrito na exordial, o eleitor Paulo Alexandre da Costa Lima confirmou ter ido voluntariamente ao encontro do então candidato, solicitando o empréstimo de dinheiro para realizar a transferência da motocicleta, o que, de fato, não lhe foi alcançado por Paulo Renato Wermann. Com o mesmo teor, o depoimento de Cassiano da Costa Pereira referiu que Paulo Alexandre “perseguia” o representado objetivando receber o referido empréstimo, sendo que o candidato tentava evitá-lo. Ao ser ouvido em Juízo, Paulo Renato Wermann mencionou ter realizado pesquisa da situação da motocicleta junto ao site do Detran e passou a se esquivar diante do assédio do eleitor, “para não perder um possível voto”.

Quanto ao 2º fato descrito na inicial, do teor do depoimento prestado por Letícia Fernanda Stirle verifica-se que solicitou auxílio ao candidato, então Vice-Prefeito, com o objetivo de remarcar consulta odontológica, o que foi atendido, contudo, sem qualquer objetivo eleitoreiro. No mesmo sentido, o depoimento de Rosane Fiegenbaum que, com relação ao pedido de tintas, mencionou ter procurado Paulo Renato como Vice-Prefeito, em razão da Assistência Social, sendo que, de fato, não conseguiu obter a ajuda. Salientou que em nenhum momento quis vender o seu voto, tampouco o candidato quis comprá-lo.

Em Juízo, o representado, ora recorrido, mencionou que houve solicitação de latas de tintas por Rosane, tendo se prontificado a verificar com a Assistência Social se poderiam ajudá-la. Realizada a consulta, a eleitora "não se enquadrava junto à Assistência Social".

Quanto ao 3º fato, Mara Virgília dos Reis, então coordenadora da área da saúde, esclareceu que havia “bastante” assistencialismo no Município, sendo comum a interferência dos Secretários nos atendimentos de saúde a pedido de munícipes, não apenas durante o período eleitoral. No mesmo sentido o depoimento de Pedro Gilberto Brito, que apesar de ter confirmado o envio de mensagens ao candidato solicitando empréstimo, referiu que não obteve qualquer resposta, sendo que Paulo Renato sequer atendia suas ligações.

Assim, do cotejo dos depoimentos, é possível afirmar que, no município de Fazenda Vilanova, era comum os munícipes pleitearem auxílio aos políticos locais. Entretanto, não se verifica a existência de elementos seguros e suficientes a concluir que tenha havido negociação do voto ou uso abusivo de poder, com prejuízo à normalidade e à legitimidade do pleito.

Nesses termos, elenco precedente do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ILÍCITO DO ART. 41-A DA LEI DAS ELEIÇÕES. NÃO CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº 24 DO TSE. FUNDAMENTO DO DECISUM OBJURGADO NÃO IMPUGNADO. MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520). 2. A jurisprudência deste Tribunal pressupõe, ainda, a existência de provas robustas e incontestes para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, não podendo, bem por isso, encontrar-se a pretensão ancorada em frágeis ilações ou mesmo em presunções, nomeadamente em virtude da gravidade das sanções nele cominadas. Precedentes.3. In casu, a inversão do julgado quanto à inexistência de provas suficientes da prática de captação ilícita de sufrágio implicaria necessariamente nova incursão no conjunto fático-probatório, o que não se coaduna com a via estreita do apelo extremo eleitoral, ex vi do Enunciado da Súmula nº 24 do TSE.4. As razões do agravo regimental devem infirmar especificamente os fundamentos da decisão agravada, sob pena de subsistirem suas conclusões.5. No caso sub examine, a Agravante não se desincumbiu de impugnar o fundamento da decisão objurgada, i.e, imprescindibilidade de reexame do conjunto fático-probatório dos autos, limitando-se a debater a questão de fundo dos autos, atinente à configuração do ilícito de captação ilícita de sufrágio, previsto no art. 41-A da Lei das Eleições.6. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 84315, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 04.8.2017, pp. 142-143.)( Grifei.)

Dessa forma, o acervo probatório não fornece elementos mínimos acerca de eventual abuso de poder ou mercantilização do voto no contexto narrado.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, ao efeito de manter integralmente a sentença de improcedência.