RE - 5170 - Sessão: 07/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra decisão que desaprovou a prestação de contas anual apresentada pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de Frederico Westphalen – RS, relativa ao exercício de 2015.

Segundo a sentença, foram encontradas falhas insanáveis que comprometeram a regularidade das contas, diante do recebimento de valores de origem não identificada, além da ausência de conta bancária durante parte do exercício financeiro.

Por essas razões, foram as contas desaprovadas, em consonância com o parecer ministerial, e, como consequência, determinou-se a suspensão das quotas do Fundo Partidário por 1 ano, bem como o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor recebido indevidamente, no montante de R$ 9.262,00 (nove mil, duzentos e sessenta e dois reais).

Contra tal decisão, foram opostos embargos de declaração (fls. 132-134), por não ter sido oportunizado prazo para alegações finais. O juízo a quo entendeu pela rejeição da insurgência (fl. 135-v.), em razão de não ter havido instrução probatória, o que, segundo afirmou, afastaria a necessidade do aludido prazo.

Irresignado, vem aos autos o PSDB apresentar suas razões recursais contra a decisão, arguindo, preliminarmente: a) a anulação da sentença por violação ao rito processual; b) a anulação da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, alega: c) o não comprometimento das contas, em virtude da inexistência de conta bancária em parte do exercício; d) a licitude das contribuições e o conhecimento de suas origens; e) o equívoco no valor das contribuições de origem não identificada; f) a extrapolação do poder regulamentar do TSE; g) a vedação ao enriquecimento sem causa da União.

A Promotoria Eleitoral manifestou-se nos autos pela desaprovação das contas e, quanto ao recurso proposto, por seu encaminhamento à Procuradoria Regional Eleitoral.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, quanto à alegação de nulidade do feito por cerceamento de defesa, argumentou que a produção de prova requerida em nada mudaria a sentença. Quanto à ausência de abertura de prazo para alegações finais, defendeu que o recorrente não demonstrou o prejuízo sofrido. No mérito, aduz que o recebimento de doações em dinheiro, de origem não identificada, é irregularidade grave e insanável, apta a gerar a desaprovação das contas. Por fim, citou não haver prova nos autos da devolução de quantias oriundas de doação, motivo pelo qual se deve manter inalterado o valor a ser recolhido.

Ao final, sustentou a rejeição das preliminares e, no mérito, o desprovimento do recurso, para manter na íntegra a sentença.

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

 

Preliminar

Em preliminar, a parte suscita a anulação da sentença arguindo duas razões: violação ao rito processual e cerceamento de defesa.

Contudo, em que pese aos argumentos expendidos, razão não lhe assiste. Alega o recorrente que não teria sido intimado para apresentação de alegações finais, obrigação, segundo afirma, prevista em norma cogente, como pode ser observado no art. 40 da Resolução TSE n.  23.546/17; e nem lhe teria sido permitida produção de provas essenciais ao deslinde do feito.

Verifica-se que, após a abertura de prazo para a apresentação da defesa a que alude o art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 109-114), diploma normativo aplicável na época em que foi determinada a prática do ato processual, a sentença foi prolatada sem que fosse oportunizada a oferta de alegações finais, conforme a disposição contida no art. 40 da referida resolução, bem como foi negada a produção de duas provas (fl. 117).

Contudo, não obstante as alegações da parte recursal, entendo que tal circunstância não trouxe prejuízo à defesa. Isso porque as provas requeridas foram consideradas desnecessárias ou protelatórias pelo julgador, que as negou, portanto. Por consequência, dispensou o recorrente das alegações finais.

Analisando a produção de provas indeferida, entendo não ter havido cerceamento de defesa na negativa em determinar que a Caixa Econômica Federal fornecesse extratos bancários da conta ou o apensamento da prestação de contas do ano de 2016 nos presentes autos. Essa interpretação se justifica pelo fato de que tal prova em nada mudaria a conclusão a que chegou o juiz sentenciante. Os argumentos quanto à desaprovação não se fundamentam nelas, mas no fato de não haver conta bancária por todo o período do exercício financeiro, bem como de existirem valores que não transitaram pela conta bancária ao tempo em que foram processados.

Além disso, preveem os arts. 38 e 39 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 38. Havendo impugnação pendente de análise ou irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela unidade técnica ou no parecer oferecido pelo MPE, o juiz ou relator deve determinar a intimação do órgão partidário e dos responsáveis, na pessoa de seus advogados, para que ofereçam defesa no prazo de quinze dias e requeiram, sob pena de preclusão, as provas que pretendem produzir, especificando-as e demonstrando a sua relevância para o processo.

Art. 39. Findo o prazo para a apresentação das defesas, o juiz ou relator deve examinar os pedidos de produção de provas formulados, determinando a realização das diligências necessárias à instrução do processo e indeferindo as inúteis ou meramente protelatórias.

 

Vale lembrar que foi acolhido pela jurisprudência pátria o brocardo jurídico “pas de nullite sans grief”, presente, inclusive, no art. 219 do Código Eleitoral, no qual se lê:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

 

Com esses argumentos, afasto as prefaciais suscitadas pelo recorrente.

 

Mérito

Tangente ao mérito, melhor sorte não assiste ao recorrente.

A sentença fundamenta a desaprovação das contas em razão de dois fatos: a) recebimento de recursos de origem não identificada e b) inexistência de conta bancária pela maior parte do exercício financeiro de 2015.

Contra tais fatos, os recorrentes sustentam a) o não comprometimento das contas em virtude da inexistência de conta bancária em parte do exercício; b) a licitude das contribuições e o conhecimento de suas origens; c) o equívoco no valor das contribuições de origem não identificada; d) a extrapolação do poder regulamentar do TSE; e) a vedação ao enriquecimento sem causa da União.

Quanto aos dois primeiros pontos, o art. 4º da Resolução TSE n. 23.432/14, aplicado ao caso por força do art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, traz obrigações importantes impostas a todos os partidos. Dentre elas, está previsto:

Art. 4º Os partidos políticos, em todos os níveis de direção, deverão:

II – proceder à movimentação financeira exclusivamente em contas bancárias distintas, observada a segregação de recursos conforme a natureza da receita, nos termos do art. 6º;

(não há grifos no original).

 

Dispõem, ainda, os arts. 5º e 6º, da mesma Resolução:

Art. 5º (...)

IV – doações de pessoas físicas e jurídicas, inclusive outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais;

(...)

Art. 6º Os partidos políticos, em cada esfera de direção, deverão abrir contas bancárias para a movimentação financeira das receitas de acordo com a sua origem, destinando contas bancárias específicas para movimentação dos recursos provenientes:

II – das "Doações para Campanha", previstas no inciso IV do art. 5º desta resolução; e

(Grifei.)

 

Analisando a legislação supra, não restam dúvidas de que a norma aplicável ao caso exige a abertura de conta bancária para movimentação de quantias recebidas pelo partido. Não há discricionariedade neste procedimento. Não pode o partido alegar que a inexistência de conta bancária específica por quase todo o exercício financeiro não compromete as contas prestadas, pois é exatamente a abertura da conta bancária e a movimentação de todo o capital por meio dela que garantem a lisura das informações apresentadas.

A movimentação integral de todos os valores por meio da conta bancária retira o caráter unilateral dos dados prestados, demonstrando ao longo do exercício financeiro que as receitas transitaram corretamente pela conta, bem como garantindo a origem dos valores recebidos, objetivo último da norma, que só pode ser alcançado quando todos os procedimentos são corretamente adotados e efetivados.

Especificamente quanto à alegação de licitude das contribuições recebidas e o conhecimento de suas origens, carece de lastro tal argumentação. Percebe-se que o partido, conforme resposta ao ofício enviado pela Zona Eleitoral à Caixa Econômica Federal (fls. 88-89), só abriu sua conta bancária no dia 29.12.2015. Observa-se, contudo, que foram registradas inúmeras doações de pessoas físicas ao partido entre 11 de fevereiro de 2015 e 30 de dezembro de 2015 (fls. 04-05). Boa parte delas, portanto, no momento em que não havia conta bancária disponível para registrá-las.

Objetivando sanar tal irregularidade, o partido promoveu uma série de depósitos bancários em sua conta na data de 29 de dezembro de 2015 (fl. 43). Não obstante isso, tal tentativa não é o suficiente para sanar a falha, pois, pelo que se percebe, a movimentação financeira meramente pró-forma não garante a realidade dos fatos e a identificação dos doadores.

A legislação obriga que os partidos utilizem instituições bancárias para garantir a origem e o controle dos numerários, o que uma série de depósitos feitos em nome e CPF de pessoas naturais, em espaço de minutos entre uma e outra, no dia 29 de dezembro, conforme restou verificado pelos comprovantes juntados à fl. 43, não pode suprir. Por essas razões, não é possível se considerar lícitas tais receitas, como quer o recorrente.

Alega ainda o recorrente que há um equívoco no valor das contribuições de origem não identificada, apresentado pelo Juiz Eleitoral como sendo de R$ 9.262,00 (nove mil duzentos e sessenta e dois reais). Segundo defende, o valor real seria de R$ 7.770,00 (sete mil setecentos e setenta reais) em razão do estorno dessa diferença realizado a Paulo Donin de Lima (detentor de mandato eletivo à época), no exercício seguinte, conforme deveria ter sido verificado na prestação de contas de 2016 que o Juiz sentenciante inadmitiu como prova.

Malgrado isso, os argumentos do recorrente não se sustentam. Isso porque os recursos recebidos de fonte vedada ou de origem não identificada devem ser recolhidos em prazo específico, conforme prevê o art. 11, § 3º, da Resolução TSE n. 23.432/14. No caso dos autos, o art. 14, caput, combinado com o § 1º da mesma resolução, determina regra diversa que não socorre a parte, ao dispor que os valores irregulares recebidos devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, por meio de GRU, até o último dia do mês subsequente à efetivação do crédito em conta bancária específica. Portanto, tal argumento também não procede.

Por derradeiro, alega que teria havido a extrapolação do poder regulamentar do TSE ao criar regra no art. 14 da Resolução n. 23.432/14, em desacordo com a Lei dos partidos políticos em seu art. 36, prejudicando os partidos e violando o princípio da reserva legal. Isso porque a legislação aplicável não prevê qualquer hipótese de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a aparente contradição entre separação dos Poderes e poder regulamentar da Justiça Eleitoral no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade 3.999/DF e 4.086/DF, cuja discussão ocorreu a partir das Resoluções n. 22.610 e n. 22.733, por meio das quais o Tribunal Superior Eleitoral regulamentou a perda do mandato parlamentar por infidelidade partidária.

Naquela oportunidade, em face da resolução da infidelidade partidária, foram propostas duas ações diretas de inconstitucionalidade: uma pelo Partido Social Cristão e outra pela Procuradoria-Geral da República. Nas ações, julgadas em conjunto, sustentava-se que as Resoluções TSE n. 22.610 e n. 22.733 violavam a reserva de lei complementar para definir as competências dos tribunais eleitorais, como determina o art. 121 da Lei Fundamental, e usurpavam as funções do Poder Legislativo e Executivo em dispor de matéria eleitoral e processual, como previsto nos arts. 22, inc. I, 48 e 84, inc. IV, da Constituição de 1988. Ao legislar sobre fidelidade partidária, teria o tribunal invadido competência do Poder Legislativo e, assim, desrespeitado o princípio da separação dos Poderes, como inscrito nos arts. 2º e 60, § 4º, da Carta Magna.

Entretanto, mais do que reconhecer constitucionais as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal firmou a excepcionalidade da função regulamentadora. Para a maioria dos ministros, em respeito ao princípio da colegialidade, era dever do STF ter por hígida a resolução editada pelo TSE a fim de viabilizar a efetividade das decisões do próprio tribunal federal.

In casu, o recorrente alega ser inviável a imposição de penalidade sem previsão legal, defendendo o silêncio da Lei 9.096/95 em relação à determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

De fato, prevê a lei que a irregularidade – recursos de origem não identificada – enseja a aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

(Grifei.)

 

A suspensão “até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral”, no entanto, não é compatível com o instituto da preclusão e/ou da coisa julgada. Não sendo acolhidas as explicações acerca da origem dos recursos ou não sendo demonstradas no momento oportuno, não se admite, conforme jurisprudência, a posterior juntada de documentos já requisitados. Nesse sentido, cito precedentes do Tribunal Superior Eleitoral: AgR-AI 61-58/MT, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 10.6.2015; AgR-REspe 442-27/MG, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe de 28.5.2015; AgRREspe 1-95/RN, Relator Min. Henrique Neves, DJe de 12.5.2014.

Por esse motivo, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário, até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral, pode ser substituída pela devolução dos respectivos valores. Caso contrário, poderia ensejar longos períodos de suspensão ou, ainda, interminável pesquisa sobre a origem do recurso.

Cumpre clarificar que o recolhimento de valores indevidos pelo partido político “não constitui, em si, a aplicação de uma sanção”, conforme precedente do Tribunal Superior Eleitoral (REspe n. 248187/GO, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 194, Data 13.10.2015, pp. 87-88), ao apreciar a necessidade de restituição de recursos de natureza não identificada em prestação de contas de campanha de partido político:

RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2014. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 29 DA RES.-TSE Nº 23.406. Nos termos do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406, os recursos de natureza não identificada verificados nas prestações de contas de campanha devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, em face da manifesta ilegalidade de sua utilização pelos candidatos ou pelos partidos políticos. Recurso especial provido.

 

Cito trecho do voto do e. Ministro Henrique Neves no supramencionado precedente, que elucida a matéria:

[…]

A regra do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406, ao contrário do considerado pelo acórdão regional e pelo parecer da d. Procuradoria-Geral Eleitoral, não constitui, em si, a aplicação de uma sanção.

Ao contrário, o dispositivo permite – independentemente da caracterização da infração – que a interminável pesquisa sobre a origem do recurso por parte da Justiça Eleitoral e dos próprios candidatos e partidos políticos possa ser substituída pela devolução dos respectivos recursos aos cofres públicos, evitando-se, assim, longos períodos de suspensão da distribuição das quotas do Fundo Partidário.

Nesse aspecto, não há falar em extrapolação da função normativa secundária deste Tribunal ao editar a Res.-TSE nº 23.406 ou em violação ao art. 105 da Lei nº 9.504/97.

Ademais, as resoluções editadas por este Tribunal também servem à unificação dos procedimentos eleitorais, de forma a permitir que a interpretação da lei eleitoral seja única em todo o território nacional.

Nesse mister, é fundamental para a segurança jurídica e correta aplicação das normas vigentes que o entendimento sobre determinadas situações habituais e recorrentes seja padronizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, de forma a obstar que fatos semelhantes resultem em decisões diametralmente opostas.

Nessa linha, vale recordar que, por definição legal, as prestações de contas dos candidatos têm natureza jurisdicional (Lei nº 9.504/97, art. 30, § 70), e os candidatos, como visto, estão submetidos à obrigação de identificar as doações que recebem e de não fazer uso de recursos provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral.

Assim, ao examinar a obrigação legalmente imposta aos candidatos, o ordenamento jurídico vigente também determina que o juiz, no momento em que prolata sua decisão, determine as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação (CPC, art. 461).

Em outras palavras, com ou sem a resolução que foi editada por este Tribunal, o magistrado que julga as prestações de contas apresentadas pelos partidos políticos e pelos candidatos deve adotar as providências que traduzam o resultado prático das proibições expressas na legislação em vigor.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é lícito ao julgador valer-se das disposições da segunda parte do § 11 do art. 461 do Código de Processo Civil para determinar, inclusive de ofício, a conversão da obrigação de dar, fazer ou não-fazer, em obrigação pecuniária (o que inclui o pagamento de indenização por perdas e danos) na parte em que aquela não possa ser executada” (REspe nº 1.055.822/RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe de 26.10.2011), também consignando neste precedente que, “independentemente de a impossibilidade ser jurídica ou econômica, o cumprimento específico da obrigação pela recorrida, no caso concreto, demandaria uma onerosidade excessiva e desproporcional, razão pela qual não se pode impor o comportamento que exige o ressarcimento na forma específica quando o seu custo não justifica a opção por esta modalidade ressarcimento'.

De igual modo, é assente que 'é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em vista o fim da norma e a ausência de previsão legal de todas as hipóteses fáticas' (REspe 794.253/RS, rei. Mm. José Delgado, DJe de 1 1.12.2007).

Nessa linha, reconhecer que os candidatos e partidos políticos somente podem utilizar recursos financeiros cuja origem esteja devidamente identificada e não podem usar aqueles provenientes de fontes vedadas, e, ao mesmo tempo, permitir que tais recursos – não identificados – permaneçam à disposição dos candidatos ou dos partidos políticos revelaria, no mínimo, um gigante contrassenso, em manifesto desrespeito ao ordenamento jurídico vigente, retirando por completo da decisão judicial qualquer efeito prático no que tange à impossibilidade de utilização de tais recursos.

Daí é que, além de constituir uma garantia para as agremiações contra a interminável suspensão da distribuição de quotas do Fundo Partidário, por força do art. 36, 1, da Lei nº 9.096/96, as disposições previstas no art. 29 da Res.-TSE nº 23.406, de 2013, também servem à padronização da prestação jurisdicional ao dispor que os recursos de origem não identificada devem ser destinados ao erário, evitando-se, assim, que cada magistrado brasileiro, com o propósito de assegurar o resultado efetivo do processo e da prestação jurisdicional, decida de forma diversa sobre a destinação de tais valores. […]

 

A necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores recebidos indevidamente busca garantir o resultado prático previsto na legislação, a qual veda a utilização de recursos de origem não identificada.

A Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97), a partir da alteração promovida pela Lei n. 13.165/15, prevê idêntica solução no seu § 4º do art. 24:

Art. 24. […]

§ 4º O partido ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional.

 

Este Tribunal, seguindo orientação do TSE na Consulta n. 116-75.2015.6.00.0000, com fulcro no art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15, adotou o entendimento de que tais verbas, de origem não identificada e de fontes vedadas, devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional (TRE/RS – PC 72-42 – Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzales – J. Sessão de 04.5.2016).

Com esses argumentos, entendo prejudicada a tese de enriquecimento sem causa da União.

Por fim, no tocante à penalidade que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário por um ano, em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas, tenho que a fixação do período deve se adequar à gravidade da falha, o que impõe a redução de seu patamar para 4 meses, tendo em vista os valores envolvidos na irregularidade.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, p. 71.)

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso, apenas para reduzir a suspensão de repasse de verbas do Fundo Partidário para 04 (quatro) meses, mantendo a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 9.262,00 (nove mil, duzentos e sessenta e dois reais) ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.