RE - 7520 - Sessão: 24/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que aprovou as contas do PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) DE UNISTALDA, exercício de 2016, fls. 67-68.

Nas razões de apelo, fls. 74-76, o Parquet alega, em síntese, que os ocupantes de cargos eletivos devem figurar no rol de fontes vedadas, por efeito da abrangência do termo “autoridade”, constante no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, cumulado com dispositivos das Resoluções do TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15. Requer, preferencialmente, o provimento do apelo, para que sejam desaprovadas as contas, suspenso o recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 6 (seis) meses, bem como determinado o recolhimento de R$ 250,00 ao Tesouro Nacional ou, subsidiariamente, sejam aprovadas com ressalvas as contas e ordenado o já referido recolhimento.

Intimado, o partido não apresentou contrarrazões, fl. 78.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 84-92).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Houve intimação da decisão em 02.4.2018, fl. 72, e, em 04.4.2018, interposto o recurso, conforme fl. 73.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Ao mérito, pois ausentes prefaciais.

O Ministério Público Eleitoral recorre da sentença que aprovou as contas de exercício, ano 2016, do MDB de Unistalda.

Em resumo, entende irregulares, pois oriundas de fonte vedada, doações realizadas por ocupantes de cargo eletivo, no valor de R$ 250,00 (notadamente, uma vereadora e um vereador).

Sustenta que a legislação aplicável ao caso é aquela vigente à época do exercício a que se referem as contas julgadas, qual seja, o ano de 2016, e que as modificações legislativas devem ser aplicadas somente às prestações posteriores à respectiva publicação.

Aduz que tal posicionamento deve ser respeitado pelos Tribunais Regionais Eleitorais, para prestígio dos princípios constitucionais da isonomia, da paridade de armas e da segurança jurídica, bem como do preceito da anterioridade ou anualidade em relação à alteração de jurisprudência.

Desse modo, ainda conforme as razões de recurso, a conclusão não pode ser outra senão a de que o conceito de autoridade […] abrange os agentes políticos, de modo que as doações feitas por vereadores devem ser consideradas em desacordo com as normas legais.

A tais razões, alinha-se o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Ao exame.

Antecipo: impecável a sentença, de ser mantida pelos próprios fundamentos.

Com efeito, as alegações recursais estão em consonância com a posição adotada por este Tribunal durante razoável período, cerca de dois anos, mormente a partir da Consulta n. 109-98, de relatoria do Des. Eleitoral Leonardo Tricot Saldanha, julgada no dia 23.9.2015, na qual se entendeu que a proibição prevista no art. 31, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos alcançava também os detentores de mandatos eletivos.

Todavia, e como bem apontado na sentença, em recente julgado (06.12.2017) de relatoria do Des. João Batista Pinto Silveira, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul reviu seu entendimento, para posicionar-se no sentido de que o agente político, gênero do qual o detentor de mandato eletivo é espécie, não está incluído no conceito de autoridade para os fins do dispositivo legal em comento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(TRE/RS, RE 14-78, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 06.12.2017.) (Grifei.)

O âmago do raciocínio é claro: o Tribunal entendeu que o fundamento para vedar a doação de detentores de cargos de direção e chefia, qual seja, a necessidade de evitar a distribuição de funções públicas com o intento de alimentar os cofres partidários, não está presente quando a doação advém de ocupantes de mandatos eletivos.

E o motivo, muito bem identificado pelo relator, tem caráter constitucional: os mandatários são levados ao cargo pela vontade popular, sendo impossível, portanto, argumentar-se que interesses unicamente partidários os fizeram ocupar tal posição. Trata-se de munus inegavelmente público.

Sob outro aspecto: a indicação, pelo d. Procurador Regional Eleitoral, de ementa de julgado no qual fui relator – RE n. 14-97.2016.6.21.0076 –, é honrosa, muito embora caiba a distinção daquele caso (no qual preferi voto para conferir maior prestígio aos princípios da paridade de armas, da isonomia entre os candidatos na competição eleitoral) das circunstâncias dos presentes autos.

Explico.

Lá, tratava-se de prestação de contas de eleição – mais especificamente, das eleições do ano de 2016. Ou seja, o marco temporal é claramente identificado, de forma que o Poder Judiciário deve, de fato, prestigiar o princípio da isonomia, o princípio da paridade de armas em uma mesma competição eleitoral, não concedendo tanta valoração a aspectos outros. A segurança jurídica, lá, há de ser concentrada para que partidos e candidatos possam buscar o voto do eleitor em condições igualitárias.

Aqui, forma diversa, está a se analisar uma prestação de contas de exercício financeiro, a denominada “prestação de contas partidária”, e tal aspecto é sensivelmente importante.

As agremiações prestam contas de tal espécie em todos os anos, independentemente de haver eleições, ou não.

Assim, a manutenção de julgados apenas por um argumento de uniformidade jurisprudencial resultaria na perpetuação de situações injustas – como, aliás, a vedação de doações de ocupantes de cargos eletivos.

Ora, em algum momento, a viragem jurisprudencial deveria ocorrer. E afirmo que ocorreu na hora mais adequada – final de exercício de ano não eleitoral -, de maneira que possui interferência diminuída relativamente às eleições.

Ou seja, a coerência, a estabilidade dos julgados e a força dos precedentes jurisdicionais são, sem sombra de dúvida, vetores para os pronunciamentos dos tribunais. Não podem, contudo, obstaculizar a evolução de entendimento, a natural otimização dos posicionamentos dos órgãos do Poder Judiciário sob o prisma substancial.

Nessa linha de raciocínio, e exatamente da forma que este TRE/RS vem estabilizando e tornando coerente o conjunto de seus precedentes, considerar ocupantes de mandato eletivo como autoridade pública significaria atribuir interpretação demasiado ampliativa a uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional posta.

Ora, o mandatário de cargo eletivo não é “nomeado”; ele é eleito com suporte na soberania popular (art. 1º, parágrafo único, c/c art. 14, caput, da CF) e a respectiva ligação com partido político é condição de elegibilidade constitucionalmente plasmada (art. 14, § 3º, inc. V, da CF), de molde que a modificação de entendimento se trata de legítima evolução.

A sentença não merece reforma, portanto.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.