RE - 22616 - Sessão: 26/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso, fls. 63-66, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo da 131ª Zona Eleitoral que julgou procedente representação proposta em desfavor de VALDIR JOSÉ CARDOSO, ao fundamento central de que houve doação de recursos acima do limite estabelecido pelo art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

A demanda foi julgada procedente e o representado condenado à multa equivalente a 50% do valor doado em excesso – R$ 238,00 (duzentos e trinta e oito reais) -, fls. 55-56. O Parquet recorre para que a multa cominada seja aquela vigente ao tempo da prática das doações – sem as modificações trazidas pela Lei n. 13.488/17: pugna pela reforma da sentença para condenar o recorrido ao pagamento de multa de cinco a dez vezes o valor excedido, sugerindo a aplicação “no máximo legal”.

Vieram aos autos as contrarrazões do recorrido (fls. 76-79). Aduz que o rendimento a ser considerado é aquele auferido por VALDIR e a respectiva esposa. Alega a ocorrência de erro material e indica a pequena monta do excesso. Entende que a multa, como aplicada, é coerente, de forma que a sentença deve ser mantida (fls. 76-79).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois apresentado em 02.3.2018 (fl. 63), ao passo que o Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 01.3.2018 (fl. 59).

Ao caso.

1. Aplicação da Lei n. 13.488/17

Em 06.10.2017, a Lei n. 13.488 trouxe modificações à Lei n. 9.504/97.

Dentre as mudanças, novos patamares de multa àqueles excessos de doação. Ou seja, aquele que doasse valor acima de 10% da sua renda auferida no ano anterior ao pleito não estaria mais sujeito à multa de cinco a dez vezes o valor do excesso, mas sim à pena pecuniária de até cem por cento da quantia excedida.

Friso, desde já, que é incontroverso que,  ao tempo da doação (eleições do ano de 2016),  dispunha a Lei 9.504/97, em seu art. 23, § 3º:

A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

Contudo, a sentença, em 02.3.2018, aplicou ao caso a reforma trazida pela Lei n. 13.488/17 - o texto legislativo com novo comando, qual seja:

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017.)

Por essa razão, o recorrente reclama a aplicação do texto vigente à época dos fatos.

De fato.

Este Tribunal, ao debater a aplicação retroativa do parâmetro fixado para a penalidade por excesso de doação, disposto na Lei n. 13.488/17, entendeu, por maioria, pela incidência do princípio tempus regit actum, estabelecendo a irretroatividade das novas disposições, em prestígio à segurança jurídica.

Transcrevo a ementa do referido julgamento:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ELEIÇÕES 2014. PRELIMINAR AFASTADA. NÃO CARACTERIZADA A INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. CONFIGURADO O EXCESSO NO VALOR DOADO. CONTROVÉRSIA SOBRE A SANÇÃO APLICÁVEL. ALTERAÇÃO DA PENALIDADE PELA LEI N. 13.488/17. IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIO "TEMPUS REGIT ACTUM". ADEQUADA A MULTA APLICADA NA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

(...)

3. Penalidade. Controvérsia sobre a sanção adequada. Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17 aos processos de exercícios anteriores a sua vigência, em prestígio à lei vigente à época dos fatos e ao princípio da segurança jurídica. Irretroatividade. Aplicação do princípio "tempus regit actum". Mantida a condenação imposta na sentença, de acordo com a penalidade prevista na época dos fatos.

Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 2115 GRAVATAÍ - RS, Relator: DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Data de Julgamento: 18.12.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 8, Data 22.01.2018, Página 10.) (Grifei.)

Ressalto que este é o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, que expressamente determina a aplicação da penalidade vigente ao tempo da doação, por força do princípio de que o tempo rege o ato.

Nessa linha, e a título de exemplo, a Corte Superior não acolheu o pedido de afastamento da pena de multa por doação excessiva de pessoas jurídicas, realizada no pleito de 2014, em face do advento da Lei n. 13.165/15.

Referido diploma legal, ao excluir das hipóteses de doação para campanha os recursos repassados por empresas, suprimiu da Lei das Eleições a sanção até então prevista de multa no patamar de cinco vezes a quantia excedida. Confira-se:

Eleições 2014. Agravo regimental. Recurso especial eleitoral. Doação acima do limite legal. Pessoa física. Procedência parcial. Multa. 1. Ofensa ao art. 93, IX, da CRFB. Ausência. 2. Revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997. Irretroatividade. Princípio tempus regit actum. Súmula no 30/TSE. Histórico da demanda

(...)

(II) a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores à Lei nº 13.165/2015, não havendo falar em retroatividade da lei mais benéfica; e

(III) mantida a multa aplicada em face da comprovação da doação acima do limite legal, por afronta ao art. 81, § 1º, da Lei das Eleições - preceito legal vigente e eficaz na data do fato. Da análise do agravo regimental

3. Não há falar em ofensa aos arts. 93, IX, da CF/1988; e 489, § 1º, IV, do CPC/2015, devidamente demonstrados os motivos pelos quais a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não isenta de sanções as pessoas físicas que realizaram doações acima do limite legal.

4. A teor da jurisprudência desta Casa, a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, ante a incidência do princípio do tempus regit actum. Precedente.

5. Inaplicabilidade do princípio da retroatividade da norma mais benéfica, consoante o entendimento desta Corte Superior. Precedente. Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 4310, Acórdão, Relator(a) Min. ROSA WEBER, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data 08.11.2017, Página 27) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE. PESSOA JURÍDICA. MULTA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. APLICABILIDADE DA NORMA EM 2014. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.

(...)

SANÇÕES DO ART. 81 DA LEI 9.504/97

6. A agravante sustentou ser atípica a conduta de doar valores acima do limite legal nas Eleições 2014, pois a Lei 13.165/2015 extinguiu a multa, e, ademais, a citação ocorreu na espécie após revogado o art. 81 da Lei 9.504/97.7. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei 9.504/97 (ADI 4.650, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 4.3.2016) e a circunstância de esse dispositivo ter sido revogado pela reforma promovida pela Lei 13.165/2015 não autorizam incidência do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, conforme inúmeros precedentes desta Corte, dentre eles: AgR-AI 16-43/PR, Rel.Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 10.8.2017; AgR-ED-REspe 4-48/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 2.8.2017; AgR-AI 82- 59/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9.2.2017; AgR-REspe 43-28/SC, de minha relatoria, DJe de 16.5.2017; AgR-AI 145-63/MG, Rel.Min. Henrique Neves, DJe de 20.2.2017; AgR-AI 36-14/RJ, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.7.2016.8. Em outras palavras, ao se abolir hipótese de doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, o cenário tornou-se ainda mais rigoroso: se antes era viável doar até certo limite legal, para pleitos futuros essa faculdade não é mais permitida.

CONCLUSÃO

9. Agravo regimental não provido, mantendo-se multa imposta à empresa por doação de recursos acima do limite legal nas Eleições 2014.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4136, Acórdão, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 27.11.2017, Páginas 60-61.) (Grifei.)

Por isso, na situação dos autos, tendo em vista que, ao tempo da doação, estava vigente a redação originária do art. 23 da Lei n. 9.504/97, que estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes do valor doado em excesso, merece reforma a decisão, no ponto.

Contudo, não há motivo para fixação acima do patamar mínimo legal – cinco vezes o valor do excesso -, ao contrário do pretendido pelo recorrente, o Ministério Público Eleitoral.

Em resumo: o caso não comporta aplicação das modificações trazidas pela Lei n. 13.488/17, segundo precedentes.

 

2. Dos argumentos das contrarrazões. Do valor do excesso

Nas contrarrazões, o recorrido traz a alegação de que há de se considerar a renda auferida pelo casal. VALDIR, conforme os fundamentos de contrarrazões, é casado com JUSSARA ROCHA CARDOSO e em tal condição foram realizadas as doações eleitorais.

Tais ponderações já se fizeram presentes por ocasião da peça defensiva perante o 1º grau (fls. 29-30), e sobre elas o MM. Juízo sentenciante expressamente se manifestou, aduzindo que a justificativa seria aceitável no regime da comunhão universal de bens, “situação sequer declarada pelo requerido, muito menos comprovada” (fl. 50v.).

Repetem-se os argumentos nas contrarrazões, repete-se a omissão: o recorrido não esclarece o regime de seu casamento com JUSSARA e, muito menos, apresenta prova relativa à tal circunstância, de maneira que não é possível, exatamente em decorrência de descumprimento do ônus comprobatório, considerar a renda de JUSSARA para fins de teto de doação.

A tolerância relativamente à comunicação dos bens no regime de comunhão universal é construção jurisprudencial ampliativa e não pode ser presumida.

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 1º, INC. I, DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES 2016. CASAMENTO SOB REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. AUSENTE COMUNICAÇÃO DOS RENDIMENTOS AUFERIDOS PELO CASAL. ILEGALIDADE DA DOAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Os rendimentos auferidos por ambos os cônjuges, na constância de casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens, constituem recursos isolados e não devem ser considerados para o estabelecimento do limite legal na doação em campanha eleitoral, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

2. Doação realizada acima do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no exercício fiscal anterior ao pleito. Desobediência ao art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Inviável a aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, ainda que mais benéfica à recorrente, na esteira do entendimento sedimentado no âmbito deste Tribunal, que preconiza a observância do princípio tempus regit actum.

3. Manutenção da multa aplicada em primeiro grau. Reforma da sentença para afastar a fixação da correção monetária. De acordo com o art. 367 do Código Eleitoral, a atualização monetária deve incidir apenas se não quitada a multa no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão que a instituiu.

Provimento negado.

(RE n. 31-90. Relator Des. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes. Julgado em 4.10.2018. Unânime.)

Mais: da leitura da declaração de rendimentos de JUSSARA, não há referência, como cônjuge, a VALDIR. Ou seja: ante a inexistência de provas, deve ser considerada apenas a renda de VALDIR JOSÉ CARDOSO.

Ademais, os argumentos de aplicação “com razoabilidade e proporcionalidade” (fl. 78) não merecem guarida, ante os precedentes claros de que tais postulados são inaplicáveis para cominar a multa aquém do mínimo legal.

Colho, nesse sentido, o seguinte julgado do Egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA DA DECADÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1 - O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 81 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, ReI. Mm. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-Al n° 2239-621SP, ReI. Mm. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

2 - Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

3 - Este Tribunal Superior assentou ser de 180 dias, a partir da diplomação, o prazo para formalizar a representação contra doadores, presente o extravasamento dos limites legais. Portanto, tendo em vista que a diplomação referente ao pleito de 2010 no Estado do Paraná ocorreu em 17.12.2010, e a representação por excesso de doação foi ajuizada pelo Parquet eleitoral no dia 10.6.2011, não há que se falar em decadência do direito de ação.

4 -  Agravo regimental desprovido. 

(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 20-50. Rel. Ministro Luiz Fux. DJE de 31.3.2016, p. 12.)

Assim, considerando o valor do excesso – incontroversos R$ 477,00 (quatrocentos e setenta e sete reais), admitidos pelo recorrido em duas oportunidades nos autos, e a sua potencialidade para interferir no pleito de Sapiranga, pondero que a aplicação da multa deve recair no mínimo previsto na disposição normativa vigente ao tempo da prática do ato, consistente em cinco vezes o valor da quantia extrapolada, o que alcança o montante de R$ 2.385,00 – art. 23 da Lei n. 9.504/97 em sua redação originária.

Finalmente, é de ser determinada a anotação, no cadastro do eleitor VALDIR JOSÉ CARDOSO, do código ASE 540, decorrente de condenação por doação irregular, após o trânsito em julgado do presente feito.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso do Ministério Público Eleitoral, para aplicar a multa no patamar de cinco vezes a quantia doada em excesso, totalizando o valor de R$ R$ 2.385,00 (dois mil e trezentos e oitenta e cinco reais).