RE - 6785 - Sessão: 08/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto contra decisão do Juiz da 30ª Zona Eleitoral que julgou procedente representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor de Daniel Alvarez Giorello, sob o fundamento de que houve doação de recursos aos candidatos Dagberto Cezarino dos Reis e Glauber Gularte Lima, acima do limite estabelecido pelo art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

O recorrente foi condenado à multa de 5 (cinco) vezes o valor em excesso, qual seja R$ 1.000,00, perfazendo o total de R$ 5.000,00.

Às fls. 68-75, alega o recorrente em sua defesa que o valor registrado como doação deveria ter sido de R$ 4.000,00, contudo, por equívoco, os beneficiados pela doação registraram incorretamente os valores de R$ 5.000,00 em suas contas, enquanto, se o registro houvesse sido feito corretamente, estaria dentro dos limites do doador, que tinha teto de R$ 4.200,00 reais.

Argumenta, ainda, que o valor da multa foi excessivo, tendo em vista seu limite ser de R$ 4.200,00 reais e a suposta doação ter alcançado R$ 5.000,00 reais, o valor sobre o qual a multa deveria ser multiplicada seria R$ 800,00 reais e não R$ 1.000,00.

Pugna pela retroatividade da lei mais benéfica, tendo em vista que a legislação foi alterada e atualmente a multa não é mais de 5 a 10 vezes o valor em excesso doado, mas, sim, de 100%. Juntou precedentes.

Ao final, pediu o provimento do recurso para afastar a condenação.

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se (fls. 78-79v.) pelo desprovimento do apelo.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, argumenta que restou incontroversa a doação em excesso. Defende a impossibilidade da retroatividade da lei mais benéfica em razão do princípio do tempus regit actum. Contudo, entende que o excesso é de apenas R$ 800,00 reais, e não de R$1.000,00, como restou estabelecido na sentença.

Com esses argumentos, manifesta-se pelo parcial provimento do recurso para reduzir a multa ao valor de R$ 4.000,00 com a consequente anotação de inelegibilidade do doador pela al. "p" do inc. I do art. 1º da LC 64/90.

É o relatório.

VOTO

Cinge-se a controvérsia dos autos sobre o valor doado pelo recorrente. Segundo alega, houve equívoco por parte dos beneficiários da doação que registraram valor superior ao que foi doado. Argumenta o recorrente que doou 4 mil reais. Desse valor, 3 mil reais seriam para o candidato ao cargo de prefeito de Santana do Livramento-RS, Glauber G. Lima, e o restante, 1 mil reais, seria para o candidato ao cargo de vereador no mesmo município, Dagberto C. Dos Reis. Contudo, por erro contábil, o valor foi registrado a maior gerando a irregularidade e a procedência da sentença contra a qual aqui se recorre.

Analisando de forma meticulosa os autos, percebe-se por meio de todas as provas carreadas ao caderno processual, bem como pelos dados oficiais das contas, disponível no site do TSE: http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2016/2/RS/municipios, que houve duas doações.

A primeira doação, conforme registra o sistema do TSE, teria ocorrido no dia 18 de agosto de 2016. O recorrente direcionou à campanha do candidato à vereança de Santana do Livramento, Dagberto Cezarino dos Reis, um valor de R$ 1.000,00. Consta no sistema que a doação foi realizada por meio de depósito em espécie e registrada no recibo eleitoral de número 131231388455RS000004E.

A segunda doação teria ocorrido no dia 27 de setembro de 2016. Dessa vez o beneficiário foi Glauber Gularte Lima, com valor de R$ 4.000,00, realizado por meio de transferência eletrônica e registrado nas contas pelo recibo eleitoral de número 000131188455RS000031E.

Nota-se que a distância entre as datas da primeira e da segunda doação é maior que 30 dias, sendo difícil acolher o argumento de que teria havido equívoco contábil no repasse das doações da campanha majoritária para a campanha proporcional. O próprio partido explica, à fl. 30, não ter havido qualquer repasse de campanhas majoritárias para as proporcionais, in verbis:

Assim, embora o ofício originário que requer esclarecimentos não aponte inconsistência específica, de salientar que não ocorreram repasses da candidatura majoritária às proporcionais, exceto aquelas eventualmente registradas em prestação de contas.

As candidaturas, majoritária ou proporcional, captavam seus próprios recursos e, individualmente, eram responsáveis pela prestação de contas referentes ao pleito. Era, portanto, inviável identificar imediatamente se o eleitor/doador doava para mais de um candidato.

Dessa forma, não cuidou o recorrente de afastar a doação de R$1.000,00, realizada no dia 18 de agosto de 2016, para rechaçar o excesso doado.

Quanto a isso, entendo esclarecida a questão, não assistindo razão ao recorrente neste ponto.

Sobre o valor da multa a ser aplicado, a legislação em vigor, ao tempo da doação, determinava como limite a ser doado 10% da renda auferida pelo doador no ano anterior ao pleito. No caso dos autos, o recorrente teve renda tributável que totalizou R$ 42.000,00. Assim, tendo doado um total de R$ 5.000,00, entendo que o excesso doado foi de R$ 800,00, conferindo razão ao recorrente nesse específico ponto.

Nesse caso, ao tempo da doação, dispunha a Lei n. 9.504/97 em seu art. 23, § 3º:

A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

Contudo, em 2017, com a reforma trazida pela Lei n. 13.488/17, o texto legislativo passou a dispor novo comando, qual seja:

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso. (Redação dada pela Lei n. 13.488, de 2017).

Por essa razão, o recorrente reclama a aplicação do atual texto, tendo em vista a relevante diminuição do valor de multa a lhe ser imputada.

Em que pese seus argumentos, consigno que este Tribunal, ao debater a aplicação retroativa do parâmetro fixado para a penalidade por excesso de doação disposto na Lei n. 13.488/17, entendeu, por maioria, pela incidência do princípio "tempus regit actum", estabelecendo a irretroatividade das novas disposições em decorrência da proeminência do princípio da segurança jurídica.

Transcrevo a ementa do referido julgamento:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ELEIÇÕES 2014. PRELIMINAR AFASTADA. NÃO CARACTERIZADA A INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. CONFIGURADO O EXCESSO NO VALOR DOADO. CONTROVÉRSIA SOBRE A SANÇÃO APLICÁVEL. ALTERAÇÃO DA PENALIDADE PELA LEI N. 13.488/17. IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIO "TEMPUS REGIT ACTUM". ADEQUADA A MULTA APLICADA NA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

(...)

3. Penalidade. Controvérsia sobre a sanção adequada. Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17 aos processos de exercícios anteriores a sua vigência, em prestígio à lei vigente à época dos fatos e ao princípio da segurança jurídica. Irretroatividade. Aplicação do princípio "tempus regit actum". Mantida a condenação imposta na sentença, de acordo com a penalidade prevista na época dos fatos.

Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 2115 GRAVATAÍ - RS, Relator: DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Data de Julgamento: 18.12.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 8, Data 22.01.2018, p. 10.) (Grifei.)

Ressalto que o posicionamento se coaduna com a jurisprudência do Egrégio TSE, que expressamente determina a aplicação da penalidade vigente ao tempo da doação, por força do princípio de que o tempo rege o ato.

Nessa inteligência, cabe rememorar que a Corte Superior Eleitoral não acolheu o pedido de afastamento da pena de multa por doação excessiva de pessoas jurídicas, realizadas no pleito de 2014, em face do advento da Lei n. 13.165/15. Referido diploma legal, ao excluir das hipóteses de doação para campanha os recursos repassados por empresas, suprimiu da Lei das Eleições a sanção, até então prevista, de multa no patamar de cinco vezes a quantia excedida. Confira-se:

Eleições 2014. Agravo regimental. Recurso especial eleitoral. Doação acima do limite legal. Pessoa física. Procedência parcial. Multa. 1. Ofensa ao art. 93, IX, da CRFB. Ausência. 2. Revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997. Irretroatividade. Princípio tempus regit actum. Súmula no 30/TSE. Histórico da demanda

(...)

(II) a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores à Lei nº 13.165/2015, não havendo falar em retroatividade da lei mais benéfica; e

(III) mantida a multa aplicada em face da comprovação da doação acima do limite legal, por afronta ao art. 81, § 1º, da Lei das Eleições - preceito legal vigente e eficaz na data do fato. Da análise do agravo regimental

3. Não há falar em ofensa aos arts. 93, IX, da CF/1988; e 489, § 1º, IV, do CPC/2015, devidamente demonstrados os motivos pelos quais a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não isenta de sanções as pessoas físicas que realizaram doações acima do limite legal.

4. A teor da jurisprudência desta Casa, a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, ante a incidência do princípio do tempus regit actum. Precedente.

5. Inaplicabilidade do princípio da retroatividade da norma mais benéfica, consoante o entendimento desta Corte Superior. Precedente. Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4310, Acórdão, Relatora Min. ROSA WEBER, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data 08.11.2017, p. 27.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE. PESSOA JURÍDICA. MULTA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. APLICABILIDADE DA NORMA EM 2014. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.

(...)

SANÇÕES DO ART. 81 DA LEI 9.504/97

6. A agravante sustentou ser atípica a conduta de doar valores acima do limite legal nas Eleições 2014, pois a Lei 13.165/2015 extinguiu a multa, e, ademais, a citação ocorreu na espécie após revogado o art. 81 da Lei 9.504/97.7. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei 9.504/97 (ADI 4.650, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 4.3.2016) e a circunstância de esse dispositivo ter sido revogado pela reforma promovida pela Lei 13.165/2015 não autorizam incidência do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, conforme inúmeros precedentes desta Corte, dentre eles: AgR-AI 16-43/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 10.8.2017; AgR-ED-REspe 4-48/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 2.8.2017; AgR-AI 82- 59/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9.2.2017; AgR-REspe 43-28/SC, de minha relatoria, DJe de 16.5.2017; AgR-AI 145-63/MG, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 20.2.2017; AgR-AI 36-14/RJ, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.7.2016.8. Em outras palavras, ao se abolir hipótese de doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, o cenário tornou-se ainda mais rigoroso: se antes era viável doar até certo limite legal, para pleitos futuros essa faculdade não é mais permitida.

CONCLUSÃO

9. Agravo regimental não provido, mantendo-se multa imposta à empresa por doação de recursos acima do limite legal nas Eleições 2014.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4136, Acórdão, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 27.11.2017, pp. 60-61.) (Grifei.)

Por isso, na situação dos autos, tendo em vista que, ao tempo da doação, estava vigente a redação originária do art. 23 da Lei n. 9.504/97, a qual estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes do valor doado em excesso, nesse ponto, não merece reforma a decisão.

No tocante à proporcionalidade da multa no caso concreto, cabe salientar que a imposição da penalidade deve ser fixada de acordo com os parâmetros legalmente estabelecidos.

Colho, nesse sentido, o seguinte precedente do Egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA DA DECADÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 81 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-AI nº 2239-62/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

2. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

3. Este Tribunal Superior assentou ser de 180 dias, a partir da diplomação, o prazo para formalizar a representação contra doadores, presente o extravasamento dos limites legais. Portanto, tendo em vista que a diplomação referente ao pleito de 2010 no Estado do Paraná ocorreu em 17.12.2010, e a representação por excesso de doação foi ajuizada pelo Parquet eleitoral no dia 10.6.2011, não há que se falar em decadência do direito de ação.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 2050, Acórdão de 15.12.2015, Relator Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 60, Data 31.3.2016, p. 12)

O Ministério Público, conforme bem colocado pelo Dr. Weber, entende que possa haver a redução da multa para o valor de R$ 4.000,00. Estou concordando. A única ressalva que faço é relativa à anotação, no cadastro do eleitor, da inelegibilidade decorrente da condenação por doação irregular. Em primeiro lugar, entendo que não é o caso, além de que não foi objeto de recurso pelo Ministério Público.

Então, senhor Presidente, considerando o valor absoluto do excesso e sua potencialidade de interferir no pleito, pondero ser razoável que sua aplicação deva recair no mínimo previsto na disposição normativa, consistente em cinco vezes o valor da quantia extrapolada, que era de R$ 800,00, o que alcança o montante de R$ 4.000,00. 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para reduzir a penalidade de multa para cinco vezes da quantia doada em excesso, totalizando o valor de R$ 4.000,00.