PC - 6715 - Sessão: 17/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se da prestação de contas do Diretório Estadual do Partido Democrático Trabalhista (PDT) do Rio Grande do Sul, relativa ao exercício do ano de 2015.

Apresentadas as contas, o feito recebeu andamento, conforme os ditames da Resolução TSE n. 23.546/17, e foi encaminhado à Secretaria de Controle Interno e Auditoria (SCI) deste Tribunal para a apresentação de parecer conclusivo (fls. 438-452). Na ocasião, o órgão técnico opinou pela desaprovação das contas e pela ordem de devolução ao Tesouro Nacional do valor de R$ 254.829,31.

Seguiu-se, então, parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 467-477). O Parquet posicionou-se pela desaprovação das contas, determinação de recolhimento de R$ 328.992,42,  suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano e, ainda, pelo mandamento de destinação de R$ 15.525,00 para programas de promoção e difusão da participação feminina na política.

Intimados, agremiação e dirigentes apresentaram razões de defesa (fls. 484-502 e fls. 597-605) e documentação, situação que ensejou, nos termos do art. 40 da Resolução TSE n. 23.546/17, nova remessa à SCI.

Em derradeira manifestação, a SCI permaneceu entendendo pela desaprovação das contas, reduzindo-se, contudo, o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para a quantia de R$ 121.992,42 (fls. 616-621).

Na sequência, houve a apresentação de alegações finais em conjunto (agremiação e dirigentes), fls. 628-636.

A Procuradoria emitiu novo parecer contendo retificação parcial – apenas no que toca ao valor de recolhimento ao Tesouro Nacional, com redução para R$ 237.753,90, fls. 644-652v.

É o relatório.

VOTO

Trata-se da prestação de contas de exercício financeiro, do DIRETÓRIO ESTADUAL do PDT do RIO GRANDE DO SUL, ano de 2015.

Após a instrução relatada, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria seguiu apontando irregularidades, às quais passo a me reportar.

a) Item 2 do parecer conclusivo. Permanência da falha.

Trata-se do percebimento de valores oriundos do Fundo Partidário, no montante de R$ 92.000,00 (noventa e dois mil reais), repassados pelo Diretório Nacional do PDT, em período no qual o DIRETÓRIO ESTADUAL tinha, sobre si, ordem de suspensão de repasse – Processo n. 1226-03.2010.6.21.0000, lapso temporal de 4 (quatro) meses, compreendido entre 18.02.2015 e 18.6.2015.

O partido aduz que os diretórios nacional e regional foram comunicados do trânsito em julgado da decisão após a ocorrência fática dos repasses e afirma que a coisa julgada se perfectibilizara “somente em 25.6.2015”, de modo que não teria havido “qualquer transgressão”.

Inviável.

Conforme aferível nos autos, o trânsito em julgado ocorreu em 18.02.2015, data a partir da qual é imposta a suspensão, pois o mandamento legal assim dispõe: suspensão automática (por exemplo, art. 46, inc. I, da Resolução TSE n. 23.432/14), sendo possível, inclusive, a suspensão dos repasses anteriormente ao trânsito em julgado da sentença – art. 34, § 5º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Ainda, e apenas a título argumentativo: como bem indicado pelo Procurador Regional Eleitoral, há certidão lançada aos autos em 24.02.2015 e publicação da decisão de trânsito em julgado no DEJERS, data de 25.3.2015.

Ou seja, ainda que se entendesse necessária a intimação do trânsito em julgado da decisão, houve a percepção de R$ 23.000,00, em abril de 2015; R$ 23.000,00, no mês de junho; e R$ 46.000,00, no mês de julho de 2015 (vide o demonstrativo constante à fl. 261 dos autos), de forma que, aqui também, a quantia de R$ 92.000,00 teria sido recebida ao arrepio da legislação de regência.

A falha se reveste de gravidade e impõe que se determine a devolução dos recursos irregularmente recebidos ao Tesouro Nacional. Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral já assentou que, quando do recebimento de valores transferidos durante o cumprimento da pena de suspensão do Fundo Partidário, tem-se aplicado de forma conjunta a suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário e a devolução ao Erário da quantia apurada, procedimento que não implica bis in idem (PC 957-46/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 22.10.2014, AI 7695/SC, rel. Min. João Otávio De Noronha, DJe de 14.05.2015).

Deve ser recolhida, portanto, a quantia de R$ 92.000,00.

Anoto, ainda, que a operosa SCI informou, fl. 616v., ter comunicado o fato ao órgão técnico do e. TSE, para subsidiar o exame de contas do Diretório Nacional da agremiação.

b) Item 4 do parecer conclusivo. Permanência da falha.

O tópico versa sobre uma série de doações realizadas por ocupantes de cargos tidos como “autoridades”, acarretando a incidência da vedação constante no art. 12, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.432/14.

À guisa de introdução, saliento: diversamente do sustentado pelo prestador (pois apresentou julgado relativo ao exercício do ano de 2006), desde o advento da Resolução TSE n. 22.585/07, o alcance do termo “autoridades públicas”, para fins de doações eleitorais, restou pacificado. Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à Resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, Página 172.)

E a exegese foi mantida na Resolução TSE n. 23.432/14, sendo incabíveis os argumentos defensivos de que “a nova lei tornou perfeitamente viável tal contribuição”: aliás, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das disposições da Lei n. 13.488/17, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, passou a possibilitar doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em análise, o tratamento jurídico deve observar a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, que vedavam as contribuições.

Sob aspecto diverso, o da verificação dos cargos dos doadores, saliento que a averiguação ocorreu mediante o emprego de banco de informações gerado a partir de respostas dadas, pelos próprios órgãos públicos, a ofícios remetidos por esta Corte.

O resultado é o rol constante às fls. 455-458: uma lista das pessoas que, no período compreendido entre 1º.01.2015 e 31.12.2015, doaram valores ao PDT do RIO GRANDE DO SUL sob condição irregular, pois consideradas autoridades.

A lista de cargos compreende chefes (de gabinete, de seção, de divisão), coordenadores (regionais, gerais, de divisão), secretários (municipais, adjuntos e estaduais), diretores (institucionais, de departamento, gerais, vice-presidente e presidente), superintendentes, supervisores, gerentes de projetos, todos eles enquadrando-se no conceito de “autoridade” delineado para fins de fonte vedada.

Em resumo: os argumentos defensivos revisitam questões pacificadas nas Cortes Eleitorais. No que toca à invocação do estatuto da legenda, basta salientar que o TSE, na CTA. n. 35.664, de 5.11.2015, entendeu que “Os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta obrigatoriamente ao filiado.” (Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 02.12.2015, p. 57, unânime).

Ainda, registro que não foram arrolados como autoridades detentores de mandatos eletivos, na esteira do entendimento fixado por este Tribunal por ocasião do julgamento do RE n. 13-93.2017.6.21.0168, em 06.12.2017, da relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira.

A ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 113.351,00 é medida que se impõe.

c) Item 5 do parecer conclusivo. Permanência da falha.

Aqui, a questão versa sobre o valor de R$ 819,00, entendido como de origem não identificada (RONI), decorrente de depósitos com as identificações do CNPJ do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS) e da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, fl. 617 dos autos.

A agremiação indica como doadoras as pessoas físicas Elena Dapper e Fernanda Lagunde Barbosa e refere que os repasses teriam ocorrido sob o manto de convênio celebrado entre o Banco do Estado do Rio Grande do Sul e o PDT.

O argumento não merece guarida. Ainda que tenha sido operacionalizado convênio, tal circunstância não pode ter o efeito de tornar nebulosa a origem de valores doados a partido político, fazendo com que número de cadastro de pessoa jurídica (de natureza pública, no caso posto) figure como doadora. A situação dificulta, quando não obstaculiza, a transparência da origem das receitas, bem como a fiscalização da Justiça Eleitoral e da própria sociedade.

Dessa forma, não houve a devida comprovação do alegado, remanescendo, no ponto, a ausência de identificação dos doadores, o que equivale à não identificação do próprio recurso, consoante o art. 13 da Resolução TSE n. 23.432/14.

O recolhimento do valor de R$ 819,00 resulta da redação do art. 7º da Resolução  TSE n. 23.432/14, por tratar-se de RONI.

d) Item 6 do parecer conclusivo. Permanência da falha.

A SCI identificou irregularidade consubstanciada na indicação, como depositante, do próprio partido prestador de contas – 28 depósitos de valores diversos, todos de pequena monta, que somam o total de R$ 3.500,00.

A forma pela qual as operações de depósito foram identificadas nos extratos bancários restou por impedir a unidade técnica de atestar a origem dos valores, em método desobediente ao disposto no art. 7º da Resolução TSE n. 23.432/14.

A justificativa do PDT do Rio Grande do Sul remete a supostos erros procedimentais das instituições bancárias que “por comodidade ou por hábito não efetuam tais depósitos conforme determina o TSE”.

Ora, em se tratando de valores que compõem a receita da agremiação, cabe a ela, obviamente, a observância dos procedimentos de manejo. O argumento não pode, dessarte, ser considerado.

O valor de R$ 3.500,00, tecnicamente, há de ser considerado RONI e, portanto, objeto de ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

e) Item 7 do parecer conclusivo. Permanência da falha.

Aqui, foi identificada, via consulta ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional, a existência de 3 (três) contas bancárias, não declaradas no demonstrativo apresentado pela legenda (fl. 88).

O argumento do PDT é de que tais contas foram abertas por diretórios municipais, utilizando-se do número de CNPJ do diretório estadual, em conduta que não poderia, portanto, acarretar responsabilidade ao órgão regional.

Inviável.

Ora, ainda que a alegação pudesse ser, em termos fáticos, aceita, há que se lembrar do mandamento constitucional acerca do caráter nacional dos partidos políticos. Com certa frequência, em prestações de contas de exercício financeiro, há a atribuição da prática dos atos aos diretórios de outras esferas.

Contudo, as greis são igualmente responsáveis por arranjos estruturais internos decorrentes da também constitucional autonomia a elas reservada.

O que importa, aqui, é que o valor total de R$ 4.322,42 movimentado nessas três contas bancárias (fl. 619) não teve a respectiva origem demonstrada, caracterizando-se, destarte, RONI.

f) Item 8 do parecer conclusivo. Permanência da falha.

O tópico diz respeito à correta aplicação do equivalente a 5% da receita oriunda do Fundo Partidário em programas de manutenção e incentivo à participação feminina na política, nos termos do art. 22 da Resolução n. 23.432/14.

O PDT do Rio Grande do Sul aduz que o órgão interno da agremiação recebe diretamente do diretório nacional os valores em questão, de maneira que não haveria irregularidade.

Não procede.

O artigo em questão é claro ao asseverar que o manejo dos recursos deverá ocorrer “de acordo com as orientações e responsabilidade do órgão nacional do partido político”, circunstância bem diversa da efetiva comprovação da destinação dos valores – essa responsabilidade é do diretório regional, e será, ou ao menos deveria ser, auditável nas contas de exercício do diretório estadual, o que não ocorreu no caso concreto.

Dito de outro modo: a mera alegação de que um órgão – que integra a estrutura partidária – faz uso do dinheiro destinado ao programa, não exime o partido de prestar contas do emprego de tais recursos públicos.

Assim, e observado o critério de utilização da legislação vigente à época dos fatos, entendo que o montante de R$ 15.525,00, conforme tabela da fl. 619v., deve ser destinado pela agremiação no exercício subsequente ao do trânsito em julgado da presente decisão, acrescido de 2,5%, nos termos do art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/15.

No que toca às modificações trazidas pela Lei n. 13.831/19, em especial os arts. 55-A, 55-B e 55-C, a par de sua duvidosa constitucionalidade (contestada pela Procuradoria Geral Eleitoral nos autos da ADI n. 6230), entendo por, expressamente, não considerar o presente item para fins de aferição do juízo de aprovação ou desaprovação das contas (art. 55-A da Lei n. 9.096/95).

Conclusão.

1. As irregularidades identificadas nos itens “a”, “b”, “c”, “d” e “e” (R$ 213.992,42) impõem o juízo de desaprovação das contas, pois equivalem a 31,2% do total de receitas, R$ 684.587,10, com fundamento no art. 45, inc. IV, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.432/14;

2. O mesmo montante dá ensejo à ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. A legislação de regência aplicável à época dos fatos determina o emprego do valor de R$ 15.525,00, no exercício subsequente ao do trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/95.

4. Ainda, conforme a legislação aplicável à época dos fatos, cabe a suspensão do repasse de verbas oriundas do Fundo Partidário pelo prazo de 3 (três) meses, tendo em vista a percepção de valores advindos de fontes vedadas (R$ 113.351,00, “b” do presente voto), com fundamento remoto nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade face ao total de receitas do exercício e, diretamente, com fulcro no art. 46, inc. I, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Ante o exposto, VOTO para desaprovar as contas do PDT do RIO GRANDE DO SUL relativas ao exercício de 2015, bem como para determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 213.992,42 e a suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo período de 03 (três) meses, nos termos da fundamentação.