RE - 2486 - Sessão: 30/10/2018 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Marau (fls. 75-81) em face da sentença do Juízo da 62ª Zona que desaprovou as contas -  estas integradas pelos dirigentes partidários responsáveis - referentes ao exercício financeiro de 2015, em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada, determinando a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário por 10 (dez) meses e o recolhimento de R$ 42.900,00 ao Tesouro Nacional.

Em suas razões, o recorrente aduziu que, dentre as doações glosadas, há contribuições de funcionários públicos não abrangidas pela restrição legal, provenientes de ocupantes de mandatos eletivos (Prefeito e Vereador) e de cargos de mero assessoramento (Secretários Municipais). Postulou o provimento, a fim de ser abatida do montante final a ser recolhido a quantia correlata de R$ 15.014,99, com a consequente aprovação com ressalvas das contas, considerando-se, ainda, o valor diminuto remanescente e a boa-fé do prestador. Pugnou, sucessivamente, pela redução do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela negativa de provimento ao recurso (fls. 85-95v.).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 74-75) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Mérito

O PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Marau interpõe recurso contra sentença do juízo da 62ª Zona que – em razão do recebimento de doações oriundas de autoridades públicas, ocupantes de cargos de direção ou chefia na Prefeitura daquele município (Chefes, Diretores, Prefeito, Vereador e Secretários) – desaprovou as contas do exercício financeiro de 2015, suspendeu o repasse de quotas do Fundo Partidário por dez meses e determinou o recolhimento de R$ 42.900,00 ao Tesouro Nacional.

A irresignação recursal, por sua vez, está direcionada tão somente às doações perpetradas pelo Prefeito (R$ 3.400,00), Vereador (R$ 2.160,00) e Secretários Municipais (R$ 9.454,99) arrolados no parecer técnico conclusivo adotado na sentença (fls. 44-50v.).

Primeiro, quanto às contribuições realizadas pelos detentores de mandato eletivo (Prefeito e Vereador), tenho que o recurso merece provimento tópico, na linha da jurisprudência desta Corte sobre a matéria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de vereador. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo vereador. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas. Provimento.

(TRE-RS – RE n. 13-93 – Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira – J. em 6.12.2017)

Colho do voto do relator, Des. Federal João Batista Pinto Silveira, trecho da percuciente análise acerca do tema, o qual tomo expressamente como razões de decidir:

[…]

Primeiro, porque a norma é restritiva de direito, não podendo ser dada interpretação ampliativa.

Segundo, porque não se amoldam ao detentor de mandato eletivo os argumentos que sustentaram a compreensão de que os demissíveis ad nutum devam ser considerados autoridades.

O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce munus público, eleito pelo povo, consagrando o princípio democrático e republicano.

Nessa medida, as doações realizadas por exercente de mandato eletivo não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias.

Segundo, no condizente às contribuições realizadas pelos Secretários Municipais identificados, aos quais o recorrente imputa atribuição de mero assessoramento, com assento em lei municipal, igual sorte não o socorre.

Inicialmente, reconheço a aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua dicção original, sem as modificações da Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum. Este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, ainda que benéficas ao prestador de contas, fazendo preponderar os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação. [...]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE n. 14-97 – Rel. Dr. Luciano André Losekann – J. em 4.12.2017.) (Grifei.)

Sob a mesma ótica, o TSE tem entendimento no sentido de que "a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo" (ED-ED-PC 96183/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 é aplicado com a redação que vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à filiação do doador:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Em um segundo momento, merece atenção a natureza dos cargos dos doadores e a caracterização, ou descaracterização, do conceito de autoridade.

No ano de 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), o Tribunal Superior Eleitoral assentou a interpretação ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, concluindo pela inviabilidade de doação por detentor de cargo de chefia e direção:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22.585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CEZAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, p. 172.)

Estabelecido, portanto, que são recursos de fonte vedada "as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia”, como decidido, por unanimidade, por exemplo, no RE n. 60-88.2015.6.21.0022, cuja relatora foi a Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, julgado em 30.8.2016.

Nessa mesma esteira, trago ainda o seguinte julgado desta Casa:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE n. 34-80 – Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – J. em 26.8.2014.)

Observa-se que o cargo de Secretário Municipal se encaixa perfeitamente na vedação, por estar diretamente ligado ao exercício de direção ou chefia.

Nesse sentido, não há como ocupar um cargo de Secretário Municipal sem chefiar ou dirigir, sob pena de considerar-se que sua denominação apenas confere status a determinada posição burocrática, de maneira não condizente com a realidade, podendo configurar desvio de finalidade do ato administrativo de criação.

Trago, em igual direção, os seguintes precedentes deste Tribunal:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Fonte vedada. Art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Desaprovação. Exercício financeiro de 2011.

[...]

2. Mérito. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Reconhecida como fonte vedada as quantias recebidas de procurador-geral e de secretários municipais. Montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme Resolução TSE n. 23.464/15, art. 14, "caput" e §1º.

[...]

Provimento negado.

(TRE-RS – RE n. 23-58 – Rel. Dr.. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES – J. Sessão de 27.01.2017.) (Grifei.)

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridades, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia. Excluída da condição de doação irregular a realizada pelo detentor do cargo de assessor de gabinete.

Período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário mitigado conforme os parâmetros da razoabilidade. Redução do valor a ser recolhido ao mesmo fundo, diante da revisão das doações consideradas como de fonte vedada.

Provimento parcial.

(TRE-RS – RE n. 27-72 – Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Labarrère – J. em 05.3.2015.)

Resulta que não merece guarida o argumento relativo às atividades desempenhadas pelos Secretários Municipais em foco, cuja natureza de mero assessoramento estaria prevista em lei municipal, a qual, diga-se de passagem, sequer fora colacionada ao presente processo.

Dessa feita, devem ser considerados como oriundos de fonte vedada os recursos recebidos de autoridades, determinando-se o recolhimento do valor de R$ 37.340,00 ao Tesouro Nacional, após a exclusão dos recursos provenientes dos detentores de mandato eletivo (R$ 5.560,00).

A irregularidade corresponde a 57,77% do valor arrecadado no exercício (R$ 64.634,44, consoante extratos das fls. 06 e 15 e parecer técnico conclusivo das fls. 44-50v.), cenário que não permite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para a aprovação das contas, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Casa sobre a matéria, verbis:

AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. EXERCÍCIO DE 2012. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE FONTE VEDADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. VALOR IRRISÓRIO. SUSPENSÃO DE COTAS. FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO DO PARTIDO.

1. Autos recebidos no gabinete em 21/3/2017.

2. No caso, é possível aprovar com ressalvas as contas, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois a soma de valores das falhas constatadas - R$ 47.277,35 - corresponde a aproximadamente 6,5% da receita, não comprometendo o controle financeiro pela Justiça Eleitoral. Precedentes.

3. Recurso especial parcialmente provido para aprovar com ressalvas as contas. Prejudicado o recurso do Parquet.

(TSE – REspe 724220136210000 – Rel. Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin – DJE de 02.5.2017) (Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. DOAÇÕES RECEBIDAS. DOAÇÃO DO DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO. REGULAR. DOAÇÃO ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE RECIBOS ELEITORAIS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Doação proveniente do Diretório Nacional da agremiação devidamente identificada com data, origem e CNPJ do doador. Evidenciada regularidade da doação. Afastado recolhimento do numerário ao Tesouro Nacional.

2.Recebimento de doação de origem não identificada, em desacordo com a previsão contida nos arts. 7º, caput, e 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. Situação que acarreta o recolhimento ao Tesouro Nacional. Quantia de pequena expressão, que representa 6,8% do montante integral. Aprovação com ressalvas. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE n. 6-64 – Rel. DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA – J. 04.12.2017.) (Grifei.)

Finalmente, no que diz respeito ao período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, considerando as circunstâncias fáticas dos autos, a gravidade e a repercussão das falhas na contabilidade, concluo pela adequação do lapso temporal para 4 (quatro) meses.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto pelo Diretório Municipal do PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Marau, tão somente para reduzir o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 37.340,00 (trinta e sete mil, trezentos e quarenta reais) e suspender por 4 (quatro) meses o recebimento de quotas do Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.