RE - 2772 - Sessão: 26/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de TAPES contra sentença da 84ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015 em virtude da apresentação incompleta da escrituração e do recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, determinando o recolhimento da importância de R$ 4.681,43, ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 10 (dez) meses (fls. 210-215).

Em suas razões (fls. 222-231), sustenta que a legislação eleitoral é complexa e que os órgãos partidários pequenos não dispõem de condições técnicas para atender às diligências solicitadas. Informa que não se manifestou nos prazos concedidos por não ter sido cadastrado no serviço de encaminhamento de notas de expediente da Justiça Eleitoral. Alega o atendimento das normas regulamentares e assevera que as falhas apontadas são meramente formais. Argumenta a voluntariedade das contribuições vertidas por autoridades públicas e que foram relacionados ocupantes de cargo ou função de assessor, coordenador, vereador e prefeito, que não se inserem na vedação normativa. Colhe arestos da jurisprudência deste Tribunal. Requer a reforma da decisão recorrida a fim de aprovar as contas, ainda que com ressalvas. Junta documentos (fls. 234-299).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo não conhecimento dos documentos juntados com o apelo e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade dos documentos apresentados com o recurso e a alegação de ausência de recebimento das comunicações processuais.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relator Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016).

Todavia, com supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral, entendo que a apresentação dos novos documentos com o recurso não acarreta prejuízo à tramitação do processo, quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, sem necessidade de retorno ao órgão técnico de análise.

Além disso, o interesse público na transparência da contabilidade de campanha, aliado à ausência de prejuízo à célere tramitação do feito, caracteriza a vedação de novos documentos em segundo grau como formalismo excessivo, que deve ser evitado, por não servir aos propósitos do rito legal.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Eleições 2016.

Matéria preliminar. 1. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar. 2. A ausência de manifestação sobre eventual irregularidade nas contas não se confunde com a invalidade da sentença. Observado o regular procedimento na análise das contas ofertadas pelo candidato. Nulidade afastada.

Mérito. Falta de registro de despesa com serviços contábeis e gastos lançados com combustível sem consignar o aluguel ou cessão de veículo. Inconsistências sanadas com a juntada de novos documentos quando da interposição do recurso, que comprovam receita estimável em dinheiro referente ao serviço de contabilidade e juntada de termo de cessão de veículo para uso na campanha.

Desacolhido o pedido ministerial, nesta instância, de arrecadação de valores ao Tesouro Nacional em razão de recebimento de quantia não identificada, a fim de evitar a “reformatio in pejus”.

Aprovação das contas. Provimento.

(RE PC n. 282-92.2016.6.21.0128, relator o Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 16.5.17.) (Grifei.)

No caso em análise, não houve nenhuma irregularidade na comunicação dos atos processuais, porquanto todas as intimações foram realizadas de acordo com a norma regente, por meio de publicação de nota de expediente no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, contendo a indicação expressa do nome e do número da inscrição do advogado habilitado no instrumento de mandato (fls. 175, 186 e 198).

Cabe observar, contudo, que a Justiça Eleitoral não exerce ingerência na prestação do serviço de disponibilização das notas de expediente pela OAB, incumbindo exclusivamente ao advogado diligenciar a respeito do seu regular recebimento perante o respectivo órgão de classe.

Por essas razões, os documentos apresentados em grau recursal devem ser considerados apenas para suprir a irregularidade quanto à ausência de assinatura pelos dirigentes partidários e profissionais de contabilidade e advocacia, sendo inviável viabilizar nova análise técnica nesta instância.

No mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão da apresentação incompleta da escrituração e do recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas.

No que se refere ao primeiro apontamento, observo que o parecer conclusivo (fls. 188-191), de forma acurada, apontou os procedimentos técnicos que foram prejudicados pela falta de documentos essenciais, especialmente os extratos bancários.

Consoante exposto na análise da prefacial, não é possível proceder novo exame técnico das contas, motivo pelo qual remanesce a irregularidade grave identificada na origem.

Quanto ao recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, destaco que esta Corte, em 12.12.2017, definiu que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. 6. Provimento parcialArt. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(RE 14-97, Relator Des. Eleitoral Luciano Andre Losekann.) (Grifei.)

Com efeito, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

[...]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, haja vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos com potencial para malferir a paridade de armas entre os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Nesse sentido, sobreveio a Resolução TSE n. 23.432/14, que, em seu art. 12, inc. XII e § 2º, disciplinou o assunto:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

XII – autoridades públicas; (…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Logo, a vedação imposta pela referida Resolução do TSE não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Na situação dos autos, não há como afastar a irregularidade em razão da liberalidade do repasse ou da natureza privada dos valores, porquanto a norma proibitiva incide de forma objetiva.

No tocante aos contribuintes considerados autoridades, assiste razão, em parte, ao recorrente.

A jurisprudência deste Tribunal, na linha do entendimento perfilhado pelo Tribunal Superior Eleitoral, considera que a vedação incide apenas aos detentores de cargos de chefia e direção. Assim, são excluídas da restrição as receitas oriundas de ocupantes de função de assessoramento e agentes políticos.

Não obstante os ponderosos argumentos apresentados pela douta Procuradoria Regional Eleitoral a respeito do enquadramento dos detentores de mandato eletivo, por ocasião do julgamento do RE n. 13-93.2017.6.21.0168, em 06.12.2017, de minha relatoria, este Tribunal superou o entendimento firmado na resposta à Consulta n. 109-98, ao decidir, à unanimidade, que não devem ser considerados autoridades para efeito de doações a partidos políticos, seja porque a norma é restritiva de direito, não podendo ser dada interpretação ampliativa, seja em virtude de que não se amoldam, ao detentor de mandato eletivo, os argumentos que sustentaram a compreensão de que os demissíveis ad nutum devam ser considerados autoridades.

Por elucidativo, transcrevo a ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO.

EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de vereador. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias.

Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo vereador. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

Por isso, são regulares os recursos procedentes de Leonardo Petry de Souza (vereador), Luis Eduardo Barcellos Cidade (assessor jurídico) e Vorni Gomes de Farias Junior (assessor de imprensa e de políticas institucionais), que totalizam a quantia de R$ 1.987,00, remanescendo a ilicitude quanto ao montante correspondente a R$ 2.694,43.

Logo, em que pese a redução da quantia considerada irregular, os argumentos lançados pelo recorrente não são suficientes para alterar a conclusão pela desaprovação das contas, nem a determinação do respectivo recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14. Isso porque as falhas apuradas comprometem de forma substancial a transparência do exame contábil, impedindo a adoção dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas, ainda que com ressalvas.

Todavia, no que se refere ao período de suspensão do repasse das verbas do Fundo Partidário, pondero que a jurisprudência firmou-se no sentido da fixação proporcional da sanção:

Prestação de contas de campanha. Partido político. Exercício financeiro de 2008.

1. A ausência de comprovação de verbas originárias do Fundo Partidário e a existência de recurso de origem não identificada configuram irregularidades capazes de ensejar a desaprovação das contas.

2. O agravante recebeu do Fundo Partidário o montante de R$ 222.808,17 e as irregularidades das receitas oriundas deste totalizaram R$ 29.885,94, o que equivale a 13,41% do montante total dos recursos arrecadados, além de ter sido registrada a existência de falha, no valor de R$ 15.240,39, referente a recursos de origem não identificada, o que revela que a suspensão do repasse das quotas do Fundo pelo período de seis meses é razoável e não contraria o art. 30, § 2º, da Lei 9.096/95.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 378116, Acórdão de 07.11.2013, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 228, Data 29.11.2013, p. 15.)

Recurso. Prestação de contas de partido. Diretório Municipal. Artigos 10 e 11 da Res. TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Desaprovam-se as contas quando verificada a utilização de recursos com origem não identificada e não apresentados os livros contábeis obrigatórios, impedindo a fiscalização da escrituração pela Justiça Eleitoral.

Redução da fixação da suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 3489, Acórdão de 10.7.2014, Relator DES. ELEITORAL LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 16.7.2014, p. 2.)

No caso, considerando o valor recebido e o porte da agremiação, entendo que o período de suspensão do repasse deve ser reduzido ao prazo de 02 (dois) meses.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para diminuir o período de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para 02 (dois) meses e o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 2.694,43, mantendo a desaprovação das contas, nos termos da fundamentação.