RC - 2724 - Sessão: 06/09/2018 às 16:00

 

Trago em mesa voto-vista nos autos dos recursos criminais interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pelo assistente de acusação ANTÔNIO CARLOS LUCENA BELTRÃO contra a sentença que julgou improcedente a denúncia por difamação eleitoral oferecida contra MARCELO GUIMARÃES PETRINI, candidato não eleito ao cargo de Prefeito de Itaqui na eleição municipal de 2016.

Na origem, não foram aceitas pelo acusado as propostas de transação penal (fl. 47) e de suspensão condicional do processo (fl. 76).

Na sessão de 28.8.2018, o ilustre Relator, Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, deu provimento aos recursos para condenar o réu à pena de 08 meses de detenção e 14 dias-multa, substituída por prestação pecuniária, considerando ter sido comprovada a prática de difamação na propaganda eleitoral nas duas falas narradas na denúncia.

Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria, principalmente em razão da constatação de que os delitos contra a honra imputados ao denunciado teriam sido praticados em dois debates eleitorais realizados em emissora de rádio entre os candidatos a Prefeito de Itaqui nas eleições 2016, e não na propaganda eleitoral propriamente dita.

O candidato MARCELO GUIMARÃES PETRINI afirmou, durante suas falas nos referidos debates (pendrive da fl. 31), que Antônio Carlos Lucena Beltrão, em litígio com o Hospital São Patrício, “disse para o corpo técnico, para o corpo clínico e para as pessoas que estavam na ocasião, que ele seria o Secretário de Saúde do Jarbas e teria desferido algumas ameaças e já dito o que faria no seu eventual governo” (debate de 20.8.2016) e que, “em evento, um litígio, com a direção do hospital, com servidores, onde foi dito claramente, textualmente, que ele seria seu Secretário a partir de primeiro de janeiro e voltaria lá para, eu não vou usar os termos que foram muito muito chulos, mas ele proferiu algumas ameaças. Isso causou pânico no hospital, porque hospital tem que ser parceiro da Prefeitura e não inimigo. Se ele tem problemas pessoais com o hospital, pois que resolva diretamente ou através da Justiça” (debate de 24. 8.2016).

Embora a doutrina e a jurisprudência sejam uníssonas no sentido de que para a configuração do crime de difamação eleitoral não é necessário que o agente ou o ofendido sejam candidatos, chama a atenção o fato de que a suposta vítima, Antônio Carlos Lucena Beltrão, não concorria no pleito, foi ex-Secretário Municipal de saúde durante período em que o candidato opositor do réu, JARBAS DA SILVA MARTINI, esteve à frente do Executivo Municipal de Itaqui.

Além disso, segundo o art. 325 do Código Eleitoral, para a configuração do delito de difamação exige-se que a ofensa ocorra na propaganda eleitoral ou para os fins desta, devendo essa elementar ser sopesada quando a acusação for proferida no âmbito de debate político, meio que costuma conter acaloradas provocações e discussões entre os candidatos.

Com essas circunstâncias em mente, a sentença de improcedência da denúncia concluiu que “os discursos do denunciado, então candidato a prefeito, não demonstram a existência do referido animus calumniandi, nem se podendo chegar a essa conclusão do acervo probatório constante nos autos”.

Da mesma forma que o magistrado a quo, entendo que as falas não caracterizam difamação eleitoral.

As eleições, especialmente as municipais, muitas vezes são marcadas por disputa ferrenha entre os adversários políticos, devendo ser preservado o direito do eleitor de conhecer fatos envolvendo os candidatos durante a campanha, em consonância com a transparência necessária ao fiel cumprimento dos preceitos estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito.

Os julgados que analisam a acusação de ofensa à honra praticada na propaganda eleitoral têm se alinhado à diretriz jurisprudencial fixada pelo TSE no sentido de que as críticas fazem parte do jogo político, principalmente quando praticadas em debate eleitoral. Colaciono precedentes:

Recurso. Direito de Resposta. Alegada postagem de mensagens no "facebook" de conteúdo inverídico. Deferimento do pedido no juízo originário. A lei assegura o direito de resposta à mensagem qualificada como sabidamente inverídica, contendo inverdade flagrante que não apresente controvérsias. Não é plausível transformar o pedido de resposta em processo investigatório com intuito de comprovar a veracidade das versões controvertidas sustentadas pelas partes. Sendo a internet um instrumento de informação democrático e gratuito, a proibição de livre manifestação deve ser tida como excepcional. Mensagem que não ultrapassa os limites do questionamento político, não restando evidenciada ofensa, difamação ou matéria inverídica. Ademais, a mera crítica política, embora ácida e contundente, não autoriza a concessão do direito pleiteado. Provimento. 

(TRE-RS - RE: 5779 RS, Relator: DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11.09.2012) – Grifei. 

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO PENAL CRIME ELEITORAL DIFAMAÇÃO. RECURSO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO. ARTIGO 386, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1 - A difamação eleitoral nada mais é do que imputar fato falso a alguém, via propaganda eleitoral, ou com fins eleitorais, visando lograr o descrédito daquele que, em sua grande maioria, figura como adversário. 2 - No caso dos autos, as afirmações disparadas pelo ora recorrente por meio da imprensa local, embora desfavoráveis ao seu adversário, Edson Figueiredo Magalhães, não configuram crime de difamação eleitoral, e fazem parte o processo democrático que cerca toda e qualquer disputa política. 3 - Recurso conhecido e provido. 

(TRE-ES - RC: 61188 GUARAPARI - ES, Relator: HELIMAR PINTO, Data de Julgamento: 25/04/2018, Data de Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data 15.05.2018, Página 11-12.) – Grifei.

RECURSO CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. ART. 325 DO CÓDIGO ELEITORAL. CONDUTA PRATICADA EM COMÍCIO ELEITORAL. REQUISITOS NÃO PREEENCHIDOS. IMPROVIMENTO DO RECURSO. I. O crime de difamação eleitoral caracteriza-se quando o agente manifesta a intenção de divulgar fatos que maculem a honra objetiva do ofendido perante a sociedade e para fins eleitorais, não importando sejam verdadeiros ou falsos, desde que haja a possibilidade real de agredir a reputação frente à comunidade. II. O conteúdo do discurso encontra-se abrangido pela mera crítica, inerente ao debate político, descabendo, dessa forma, a aplicação da pena de detenção ao recorrido. III. No campo político, aquele que submete ou pretende submeter seu nome ao escrutínio aberto, com o objetivo de receber ou manter mandato público, não pode angustiar-se com termos ou elementos próprios do debate eleitoral, os quais não podem ser considerados, por si só, violadores do direito à imagem/honra IV. No caso, a conduta não se amolda, pois, ao tipo penal previsto no artigo 325, com a causa de aumento prevista no art. 327, todos do Código Eleitoral, que tratam, respectivamente, da difamação e do uso de meio que facilite a divulgação da ofensa. V. Recurso improvido. – Grifei.  

(TRE-MA - RC: 760 MIRADOR - MA, Relator: KATIA COELHO DE SOUSA DIAS, Data de Julgamento: 13/06/2017, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 107, Data 19.06.2017, Página 8/9.)  

Nesse cenário, estou alinhado com a posição adotada na sentença recorrida, cujas razões cumpre transcrever (fls. 269v.-270):

Considerando o contexto em que foram proferidas, as palavras do denunciado demonstram a intenção de influenciar na disputa eleitoral em prol de sua candidatura, não desbordando do costumeiro ambiente de disputa do processo eleitoral, de forma a encontrarem-se dentro de limites razoáveis, aceitáveis e próprios das campanhas eleitorais e do direito, constitucionalmente assegurado, de liberdade de expressão.

Cabe destacar que a liberdade de expressão, já assegurada constitucionalmente, ganha relevo especial no contexto da campanha eleitoral. Os eleitores têm o direito de receber todas as informações que considerarem úteis para o exercício do sufrágio.

Além disso, as afirmações pelo réu foram proferidas durante o debate eleitoral, havendo plena possibilidade de que o oponente na disputa apresentasse imediata resposta. 

Eventual informação falsa passada ao eleitor iria contra o próprio candidato que a forneceu, ainda mais diante da possibilidade de resposta imediata do adversário.

Impor a obrigação de calar aos candidatos em geral, na verdade, vai contra a transparência. O eleitor ficaria diante de candidatos mascarados, obrigados a esconder as próprias opiniões por normas de censura e, assim, prejudicaria a livre e consciente escolha dos mandatários.

Por fim, o candidato supostamente apoiado pela vítima sagrou-se vencedor nas urnas, o que, com exceção de eventuais fatos mais graves (abuso do poder econômico, compra de votos, etc), soterra todas as demais questões de somenos importância atinentes ao pleito.

Outra questão que cumpre ser considerada para contextualizar as falas impugnadas pelo candidato é o conteúdo dos depoimentos dos médicos João Batista Araújo Costa e Mário Carlos Piffero, ouvidos como testemunhas durante a instrução da demanda.

João Batista Araújo Costa afirmou que Antônio Lucena disse a ele que seria expulso do hospital e da cidade a partir de janeiro, quando voltasse a ocupar a Secretaria de Saúde. Também revelou que havia uma animosidade antiga entre Antônio e os médicos anestesistas, pois passaram a dividir as atividades com ele.

Da mesma forma, Mário Carlos Piffero disse que havia um comentário geral entre os funcionários do Hospital São Patrício no sentido de que Antônio Lucena teria anunciado sua volta à Secretaria de Saúde e mudaria “as coisas” no local.

Da análise desses testemunhos entendo que a manifestação proferida pelo candidato no programa radiofônico, criticando o agir do ex-Secretário Municipal de Saúde de seu adversário, ainda que ácida e contundente, inseriu-se no contexto próprio do debate político e na temperatura típica dos tempos de eleição.

Com essas considerações, peço redobradas vênias ao nobre Relator para divergir do seu entendimento e VOTAR pelo desprovimento dos recursos, mantendo a sentença de improcedência da denúncia.