RE - 4316 - Sessão: 21/03/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de julgamento conjunto de agravos de instrumento interpostos por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e pela UNIÃO, por intermédio da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, contra a decisão do Juízo da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada que acolheu parcialmente a impugnação proposta pela empresa em fase de cumprimento de sentença, para reconhecer excesso de execução do montante de R$ 18.558.575,36 (dezoito milhões, quinhentos e cinquenta e oito mil, quinhentos e setenta e cinco reais e trinta e seis centavos) e estabelecer a data da diplomação (19.12.2012) como termo final da incidência de astreintes fixadas em representação eleitoral por propaganda negativa na internet.

A penalidade foi aplicada em decisão liminar de 28.8.2012, nos autos do Processo RP n. 69-93 - ajuizado pela Coligação Alvorada de Um Novo Tempo e o candidato Edson de Almeida Borba contra GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. -, determinando-se a remoção de vídeo com propaganda irregular do YouTube em 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, e o fornecimento do número do endereço IP para identificar o terminal conectado à rede, no prazo de 10 (dez) dias (fls. 94-95).

Intimada, a empresa insurgiu-se contra a decisão, afirmando que a publicidade não caracterizava propaganda eleitoral negativa, e alegou que a remoção do conteúdo violaria o princípio constitucional da liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento. Pediu dilação de prazo para fornecimento dos dados de IP e a revogação da pena de multa (fls. 99-112).

Na sentença, prolatada em 04.9.2012, o juízo indeferiu o pedido de afastamento das astreintes, majorando seu valor para R$ 20.000,00 por dia, em razão da permanência da propaganda negativa, e concedeu mais 10 (dez) dias para entrega do endereço do IP (fls. 122-130).

Contra a sentença, a GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. interpôs recurso postulando a reforma da decisão e sustentando que o conteúdo impugnado não foi removido por não se tratar de publicidade eleitoral negativa nem extrapolar os limites da liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento. Requereu a redução ou a revogação das astreintes (fls. 133-147).

O TRE-RS, por acórdão da relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, negou provimento ao recurso. (fls. 196-207).

O TSE desproveu o recurso especial interposto contra o acórdão (RESPE n. 6993, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE 20.8.2014 - fls. 269-274).

A sentença condenatória transitou em julgado em 01.9.2014 (fl. 278).

Em 09.9.2014, a empresa forneceu os dados do IP (fls. 283-286).

Os representantes promoveram a cobrança das astreintes por intermédio de cumprimento de sentença (fls. 319-320).

A GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. apresentou exceção de pré-executividade (fls. 361-384), acompanhada de prova de que a remoção do conteúdo irregular da internet ocorreu em 18.01.2013 (fl. 441), e interpôs agravo de instrumento (fls. 348-360).

Os representantes impugnaram a exceção de pré-executividade (fls. 470-485) e apresentaram ata notarial demonstrando que, em 21.8.2014, a propaganda permanecia divulgada na internet (fls. 486-491).

Ao julgar o agravo de instrumento, o TRE-RS, por acórdão da relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet (RE 2683-31), extinguiu a fase executiva por ilegitimidade ad causam da exequente em razão do entendimento do TSE de que cabe à União requerer a execução de multa eleitoral, cujos valores devem ser recolhidos ao Fundo Partidário (fls. 493-505).

O TSE manteve o acórdão do RE 2683-31 por decisão do Min. João Otávio de Noronha (fls. 519-523).

O juízo a quo determinou a remessa dos autos originários a este Tribunal para intimação da UNIÃO (fl. 506).

A GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, postulando a revogação das astreintes ou o acertamento prévio do valor a ser cobrado (fls. 508-513), e a seguir requereu o estabelecimento da quantia devida e a intimação para pagamento de acordo com o procedimento previsto na Portaria TSE n. 288/05, que regulamenta o art. 367 do Código Eleitoral e a execução das multas eleitorais (fls. 531-533).

Pela decisão da fl. 536, a magistrada de primeiro grau consignou ser incabível a revisão do valor das astreintes ou a abertura de prazo para pagamento voluntário.

O TRE-RS, por acórdão da relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, não conheceu do agravo de instrumento interposto por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. contra a decisão da fl. 536 (RE 42-02, publicado no DEJERS de 23.5.2016), a qual transitou em julgado em 21.8.2017 (fl. 800).

A UNIÃO requereu o cumprimento de sentença para execução de astreintes no valor R$ 18.558.575,36, referindo que nos parâmetros do cálculo considerou: a) o dia 31.8.2012 como data inicial da incidência da multa diária de R$ 5.000,00; b) o dia 04.9.2012 como início da majoração do valor para R$ 20.000,00, e c) a data de 21.8.2014, apontada na ata notarial, como o termo final das astreintes (fls. 573-581).

A GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. foi intimada para pagamento voluntário do débito, com fundamento no art. 523 do CPC (fl. 682), e interpôs agravo de instrumento.

O TRE-RS, por acórdão de minha relatoria, não conheceu do agravo de instrumento interposto (Ag/Rg 25-29, DEJERS de 22.6.2017) transcorrendo a decisão em julgado em 12.7.2017.

A julgadora a quo determinou a contagem dos prazos processuais em dias úteis com fundamento no art. 219 do CPC (fls. 729-730).

 A GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, sustentando o excesso de execução e postulando a revogação das astreintes. Alegou haver divergência quanto ao termo final e afirmou que o endereço indicado na ata notarial é atípico. Referiu que a incidência da multa deve prevalecer até 06.10.2012, um dia antes da eleição (ocorrida em 07.10.2012), ou, alternativamente, até o dia 18.01.2013. Asseverou que a penalidade não está relacionada aos dados do IP da propaganda. Postulou que o montante final da condenação seja fixado, subsidiariamente, de 3 formas: 1) valor máximo da multa prevista no art. 57-D, § 2°, da Lei n. 9.504/97; 2) R$ 675.000,00, considerando-se o dia 06.10.2012; 3) R$ 2.745.000,00, considerando-se o dia 18.01.2013 (fls. 733-752). Ofereceu seguro-garantia judicial contratado com a empresa JMalucelli Seguradora, conforme cópia de apólice das fls. 753-762.

A UNIÃO ofereceu réplica sustentando que os valores estipulados para a multa diária, inicialmente de R$ 5.000,00 e posteriormente de R$ 20.000,00, são razoáveis e proporcionais à capacidade econômica da executada. Acrescentou que até 30.9.2016 a empresa GOOGLE obteve receita de US$ 22,45 bilhões e lucro líquido de US$ 5,06 bilhões. Asseverou a impossibilidade de redução de astreintes vencidas. Afirmou que o termo final da sanção é o dia 21.8.2014 (fls. 774-786).

A magistrada a quo concluiu que as astreintes deviam ser consideradas até a data do fornecimento dos dados de IP, 9.9.2014, e que o art. 537, § 1°, do CPC impossibilita a redução do valor de astreintes vencidas. Ao final, rejeitou liminarmente a impugnação por falta de juntada do demonstrativo discriminado e atualizado do débito considerado como correto (fls. 802-806).

O TRE-RS, por decisão monocrática da lavra do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e aceitou o seguro-garantia oferecido, determinando a contagem dos prazos processuais em dias corridos, na forma da Resolução TSE n. 23.478/16 (RE 98-98, fls. 856-862). No acórdão, o Relator afirmou a possibilidade de modificação do valor de astreintes vencidas, apontou que a decisão considerava como termo final o dia 09.9.2014 e deu provimento parcial ao apelo, para reformar a decisão e determinar que o juízo de origem realizasse a intimação da executada para juntada do cálculo atualizado do débito considerado correto (fls. 881-891, publicado no DEJERS de 25.6.2018).

A UNIÃO interpôs recurso especial contra o acórdão e o apelo teve seguimento negado pela Presidência do TRE-RS, sobrevindo a interposição de agravo de instrumento ao TSE. Em consulta processual, verifica-se que o apelo distribuído à relatoria do Min. Jorge Mussi recebeu parecer do Procurador Geral Eleitoral (PGE) pelo desprovimento do recurso.

O Relator, por sua vez, negou seguimento ao recurso, com o fundamento na irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias proferidas em ações eleitorais por não estarem sujeitas à preclusão. Além disso, segundo o Ministro Jorge Mussi, a agravante não demonstrou situação excepcional que permitisse o enfrentamento da tese por ela suscitada. Ao final, determinou o retorno dos autos à origem para que se intime o devedor a apresentar a memória de calculo atualizada. 

Contra  o acórdão atacado pela União, o GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. não interpôs qualquer recurso. 

Intimada para juntar a memória de cálculo, a executada reiterou o pedido de revogação das astreintes, sustentou que o termo final da multa permanece como ponto controvertido e apresentou 4 valores corrigidos pelo IGP-M (FGV): 1) R$ 39.900,83, com base na multa prevista no art. 57-D, § 2°, da Lei n. 9.504/97; 2) R$ 875.971,52, considerando a multa até 07.10.2012; 3) R$ 2.799.437,23, considerando a multa até a data da diplomação dos eleitos, realizada em 19.12.2012; 4) R$ 3.565.620,35, considerando o dia 18.01.2013 (fls. 902-948).

A UNIÃO postulou a rejeição do cálculo apresentado pela executada, afirmando a existência de abuso do direito de defesa e desconsideração da matéria preclusa nos autos, pois o TRE-RS teria decidido pela incidência das astreintes até 09.9.2014 no acórdão do agravo de instrumento RE 98-98. Acrescentou que o índice de correção monetária é o IPCA-e/IBGE e não o IGP-M (fls. 965-968).

O Ministério Público Eleitoral com atribuição na origem opinou pelo acolhimento do cálculo da UNIÃO e pela condenação da executada à multa por litigância de má-fé (fls. 975-976).

Em nova manifestação, GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. sustentou a inexistência de decisão quanto à proporcionalidade ou razoabilidade do valor cobrado e afirmou estar preclusa a discussão sobre os cálculos que apresentou. Defendeu a possibilidade de revogação ou redução do valor das astreintes e a falta de abuso do direito de defesa. Referiu que o IGP-M foi aplicado pelo TRE-RS no julgamento do RE 15668, da relatoria da Dr. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez (fls. 982-994).

A decisão agravada acolheu em parte a impugnação apresentada por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e fixou a data da diplomação dos eleitos, 19.12.2012, como termo final das astreintes, invocando o entendimento do TSE no acórdão do RESPE 52956, da relatoria do Min. Admar Gonzaga (DJE de 20.3.2018). Decidiu, ainda, que a correção monetária deve ser contada a partir da data do arbitramento da multa, com base nos índices oficiais, e determinou a juntada do cálculo atualizado pela exequente, com posterior expedição de ofício para levantamento do seguro-garantia judicial (fls. 996-1003).

Em consulta ao Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos (SADP), verifica-se que os embargos declaratórios opostos pela UNIÃO contra a decisão foram rejeitados.

Inconformada, a GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. interpõe o presente agravo de instrumento (RE 43-16), com pedido de efeito suspensivo, sustentando que a decisão estabeleceu o dever de pagamento de R$ 2.922.449,74. Afirma não ter sido observado o disposto no art. 537, § 1°, inc. I, do CPC e o excesso no termo final das astreintes. Entende que o valor é confiscatório e caracteriza lesão aos princípios da ordem econômica constitucional, da razoabilidade e da proporcionalidade. Defende que a condenação deve ser limitada ao valor da multa de R$ 30.000,00, prevista no art. 57-D, § 2°, da Lei n. 9.504/97, cujo montante atualizado é R$ 41.654,15, ou que as astreintes devem incidir até a data da eleição, 07.10.2012, no valor atualizado de R$ 914.463,45. Colaciona jurisprudência e invoca os arts. 525, § 4°, 527, III, 536 e 558, todos do CPC, os arts. 5°, inc. XXII, e 150, inc. IV, ambos da CF, e o art. 33, § 6°, da Resolução TSE n. 23.551/17 (fls. 2-22).

O pedido de atribuição de efeito suspensivo foi indeferido pelo então Relator do feito, Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (fls. 1010-1013).

A UNIÃO igualmente interpõe agravo de instrumento (RE n. 68-29), suscitando a preliminar de nulidade da decisão, porque no acórdão do agravo de instrumento RE n. 98-98 o TRE-RS teria estabelecido o dia 09.9.2014 como termo final para a incidência das astreintes. No mérito, defende que a multa deve incidir até o dia 09.9.2014, diante da falta de atendimento ao comando judicial sem justa causa. Pondera que o valor foi alcançado por conta e risco da agravante, que prejudicou o interesse público em jogo na representação eleitoral. Aduz que a agravada causou dano ao candidato envolvido na representação e à ordem pública, influenciando o pleito. Refere que os valores inicialmente aplicados são razoáveis e proporcionais à elevada capacidade econômica da empresa. Alude que a agravada tem considerável histórico de descumprimento de decisões da Justiça Eleitoral e que sempre é beneficiada pela redução das multas aplicadas nas fases de execução. Assevera ser descabida a arguição de enriquecimento ilícito. Entende que a redução do débito reafirmará o entendimento de que a desobediência à ordem da Justiça Eleitoral não acarreta maiores penalidades, elevando os casos de procrastinação. Informa que, no ano de 2017, a GOOGLE foi condenada à multa de 2,4 bilhões de euros pelas autoridades regulatórias europeias e que, ainda assim, o lucro da ALPHABET INCORPORATION – holding proprietária da empresa – foi de US$ 3,5 bilhões no mesmo ano. Diz não haver desproporcionalidade no valor. Assinala ser inaplicável ao total da dívida o valor máximo das multas eleitorais, dado que a astreinte é instituto de natureza distinta. Argumenta que a ordem descumprida determinou a retirada da publicidade e a identificação do endereço IP e que esse último comando somente foi cumprido em 09.9.2014. Assegura estarem corretos os cálculos apresentados na execução. Registra ter sido possível o acesso ao vídeo em 21.8.2014, através do endereço de internet indicado na sentença, conforme consta na ata notarial (fls. 2-7 do RE 68-29 em apenso).

Foram apresentadas contrarrazões pela UNIÃO (fls. 1.023-1029) e por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. (fls. 687-699 do RE 68-29 em Apenso), que também juntou documentos (fls. 700-727 do RE 68-29 em Apenso).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo provimento do agravo de instrumento interposto pela União e, quanto ao recurso apresentado pela GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., pelo não conhecimento da questão atinente ao prazo de incidência das astreintes, em razão da preclusão consumativa, e, no mérito, pelo seu desprovimento.

Os processos RE 43-16 e 68-29 foram apensados para julgamento e tramitação conjunta, e os autos vieram conclusos para julgamento. É o relatório.

(Após sustentação oral pelo representante da empresa Google e proferido o parecer ministerial, pediu vista o Desembargador Roberto Carvalho Fraga. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)