RE - 143 - Sessão: 13/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença exarada pelo Juízo da 83ª Zona Eleitoral – Sarandi, que julgou improcedentes os pedidos da AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO movida em desfavor de ALEX ANTÔNIO RODRIGUES, ao fundamento de não restarem comprovados a captação ou os gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, o abuso do poder econômico, a corrupção ou a fraude (fls. 1193-1198).

Em suas razões (fls. 1207-1211), sustenta a possibilidade da análise da inelegibilidade nos autos da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, em razão de o impugnado manter a condição de presidente da entidade sindical de fato durante e depois do processo eleitoral. Argumenta que a inelegibilidade decorre da fraude eleitoral capaz de interferir no pleito, não sendo postulada como pedido principal. Defende que houve a influência anormal e indevida do cargo de dirigente sindical e que a desincompatibilização foi apenas formal, permanecendo a atuação vedada no plano dos fatos, inclusive mediante a utilização da entidade como base eleitoral. Afirma a existência de prova testemunhal e que a prova documental, consistente em cártulas da entidade sindical emitidas e subscritas pelo impugnado, atesta a fraude narrada, bem como o abuso de poder econômico, a corrupção, a captação e os gastos eleitorais ilícitos. Alega que a quebra do sigilo bancário do sindicato comprova a utilização indevida dos recursos da entidade. Requer o conhecimento do recurso e, no mérito, o seu provimento, para o fim de determinar a cassação do diploma, a perda do mandato eletivo, a nulidade dos votos obtidos e a declaração de inelegibilidade do impugnado.

Com contrarrazões (fls. 1221-1224), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo acolhimento da preliminar de possibilidade de exame, em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, de fraude baseada em desincompatibilização meramente formal, de modo a influenciar a vontade do eleitor e interferir na normalidade do pleito e na igualdade entre os candidatos. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 1233-1244v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Inicialmente, anoto que o magistrado a quo entendeu inadequada a via eleita para o fim de analisar o mérito da alegação de inelegibilidade em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), ao fundamento de que a prova de desincompatibilização deveria ter sido ventilada por meio de Recurso Contra Expedição de Diploma.

Com efeito, a AIME, com assento no art. 14, § 10, da Constituição Federal, comporta cabimento nas hipóteses de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

A respeito do bem jurídico tutelado pela referida ação, colaciono excerto da doutrina de Rodrigo Lopez Zilio (Direito Eleitoral, 5ª Ed., p. 563-564):

O bem jurídico tutelado pela AIME é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, §9°, da CF), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90). A realização de eleição imune a quaisquer vícios ou irregularidades é aspiração de toda a coletividade. Da mesma sorte, a garantia de que o exercício do voto seja uma obra consciente e livre da manifestação individual do eleitor é desiderato da ciência eleitoral e dessa ação constitucional.

Neste giro, para haver a ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito (Recurso Ordinário nº 780 – Rel. Min. Fernando Neves – j. 08.06.2004). Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlveda Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 19.553 – j. 21.03.2002). Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmético (abuso vs resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir a normalidade do pleito.

A análise da potencialidade lesiva não se prende ao critério exclusivamente quantitativo, devendo ser sopesado pelo julgador outros fatores igualmente determinantes da quebra da normalidade do pleito, tais como o meio pelo qual o ato foi praticado, se envolveu aporte de recursos públicos ou privados, o número de pessoas atingidas e beneficiadas – direta e reflexamente –, a época em que praticado o ilícito (se próximo ou não do pleito), a condição pessoal dos beneficiados (condição econômica, social e cultural). Agora, o inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/10, dispõe que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

A mera verificação de inelegibilidade superveniente não se insere no objeto da referida ação. Nesse sentido, destaco recente precedente deste Tribunal:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. ART. 14, §§ 9º, 10 E 11, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRELIMINAR. LEGITIMIDADE DO PARTIDO POLÍTICO PARA FIGURAR NO POLO ATIVO DA AÇÃO. MÉRITO. PARENTESCO COM VICE-PREFEITO QUE EXERCEU O CARGO DE PREFEITO. VIA ELEITA INADEQUADA. INELEGIBILIDADE REFLEXA PELO PARENTESCO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 485, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO NÃO CONFIGURADO. DOAÇÕES DO GENITOR. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Preliminar afastada. As coligações se extinguem com o fim do processo eleitoral, delimitado pelo ato de diplomação dos eleitos, momento a partir do qual os partidos coligados voltam a ter capacidade processual para agir isoladamente.

2. Mérito. A ação de impugnação de mandato eletivo se destina a desconstituir o mandato obtido nas urnas, tutelando a normalidade e legitimidade das eleições, nos termos dos §§ 9º, 10 e 11 do art. 14 da Constituição Federal. Constituem hipóteses de cabimento o abuso do poder econômico e a corrupção ou fraude, não estando contemplada a inelegibilidade superveniente. No caso, é alegada a ausência de desincompatibilização do genitor do recorrido nos seis meses que antecedem o pleito. Correta a decisão que extinguiu o feito sem resolução do mérito por inadequação da via eleita, por força do art. 485, inc. VI, do CPC.

3. Abuso do poder econômico. Recebimento de doações de forma alegadamente irregular de genitor de candidato. Não demonstrada a violação à normalidade e à legitimidade do pleito, tampouco verificada a gravidade das circunstâncias. Ademais, fato já objeto de exame em sede de prestação de contas, cujo parecer técnico concluiu pela sua aprovação.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 147, ACÓRDÃO de 18.12.2017, Relator DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 8, Data 22.01.2018, p. 11.) (Grifei.)

Assim, a preliminar deve ser rejeitada, uma vez que impossível proceder a análise de inelegibilidade nos autos da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Entretanto, tendo em vista que a pretensão do recorrente é a demonstração da ocorrência de fraude, abuso de poder econômico, corrupção, captação e gastos eleitorais ilícitos mediante a influência anormal e fraudulenta do cargo de dirigente sindical, embora formalmente realizada a desincompatibilização, considero que o cerne da discussão não resulta da inelegibilidade superveniente do candidato, mas da malversação dos recursos da entidade sindical e da interferência da ilicitude no processo eleitoral, razão pela qual reputo adequada a via eleita.

No mérito, contudo, adianto que não merece prosperar o apelo recursal.

A respeito da prova testemunhal coligida, os relatos das testemunhas Cléverson Gomes do Prado e Éderson Batista da Rocha confirmam que Alex Antônio Rodrigues não se desincompatibilizou de fato do sindicato. Semelhante ilação extrai-se a partir dos depoimentos de Evandro Balsan e de Roger Ballejo Villarinho.

Além disso, destaco que a cópia da petição inicial da Ação de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho perante a Justiça do Trabalho, em face dos dirigentes sindicais - notadamente os elementos de informação às fls. 712-715 -, revela que o mandato de presidente do impugnado Alex Antônio Rodrigues encerrou formalmente em 30.8.2015, tendo, todavia, permanecido na direção da entidade após esse período, de forma irregular, praticando atos ensejadores de prejuízos materiais ao próprio sindicato, como desvios, apropriações e dilapidações do patrimônio do ente coletivo.

Da reprodução da decisão proferida nos autos da aludida ação (fls. 824-828), observa-se que o afastamento dos dirigentes sindicais das atividades de representação, dentre os quais se destaca o impugnado, na condição de presidente, foi objeto de tutela provisória concedida em 12.12.2016, ou seja, após o pleito eleitoral.

Assim, iniludivelmente, a desincompatibilização foi apenas formal, permanecendo a atuação vedada no plano dos fatos.

Ocorre que a irregularidade, por si só, não comprova a verificação de fraude eleitoral hábil a interferir na vontade do eleitor e na paridade entre os concorrentes.

A mera referência à condição de dirigente sindical nos atos de campanha não atrai a conclusão de utilização do sindicato como base eleitoral, tratando-se de situação que não encontra vedação normativa e que, inclusive, se insere na normalidade das campanhas eleitorais, porquanto a alusão à determinada profissão ou a atuação em órgãos de representação relaciona-se com a própria identificação do candidato, notadamente com a sua trajetória social, comunitária e profissional.

Quanto à alegação de fraude no registro de candidatura, friso que a omissão na declaração de bens foi suprida pela apresentação de esclarecimentos e documentos comprobatórios por ocasião do processamento da prestação de contas de campanha, tendo a Justiça Eleitoral reputado a irregularidade como uma ressalva no balanço contábil.

Relativamente ao abuso de poder econômico, em que pese ao órgão ministerial ter postulado, na ação de improbidade ajuizada perante a Justiça do Trabalho, a condenação solidária do impugnado ao pagamento dos prejuízos suportados pelo sindicato, na soma de R$ 908.484,11, não houve comprovação da destinação dos recursos para a campanha eleitoral.

Ao contrário disso, os atos ensejadores do pedido de responsabilização referem-se a toda gestão realizada na entidade coletiva, a par de envolverem os demais dirigentes do sindicato, não guardando conexão específica com atos relativos ao pleito de 2016.

Por essa razão, entendo que a prova produzida não foi capaz de demonstrar a utilização da entidade sindical como base eleitoral, de modo que a decisão na origem, ao reputar insuficiente o acervo probatório para a demonstração da fraude eleitoral, foi proferida com acerto. No mesmo sentido é a conclusão da Procuraria Regional Eleitoral, em seu parecer.

Por fim, no que se refere à emissão indevida de cártulas do sindicato e operações bancárias realizadas na conta da entidade, adiro às razões de decidir da análise acurada realizada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral que, sem olvidar a gravidade dos fatos narrados, não verificou a comprovação de nexo mínimo de causalidade entre as ações e os atos de campanha:

Quanto às respostas dos ofícios expedidos às instituições bancárias foram constatadas as seguintes movimentações financeiras no período de 01/04/2016 a 03/01/2017:

1) fl. 1015/1016, identificação de operação “saque contra recibo”, pelo Banco do Brasil (fl. 1015), informando retirada de R$ 1.600,00, pela pessoa jurídica identificada pelo RG “3064112604 SJS/RS”, correspondente a EDERSON BATISTA DA ROCHA, tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação e em Cooperativas de Carazinho;

2)fls. 1058/1068, identificação dos cheques emitidos da conta corrente 3000000106, ag. 464, do Sindicato dos Trabalhadores nas Ind de Alim e Coop, a saber,

2.1 cheque 821, R$ 2.900,00, de 30/01/2016, assinado por Alex Antônio Rodrigues, depositado na conta 912-3, da agência n. 501 do Banco do Brasil, de “Eliane C. da Silva” (fl. 1083);

2.2 cheque 824, R$ 3.100,00, de 10/03/2016, assinado por Alex Antônio Rodrigues, depositado na conta 912-3, da agência n. 501 do Banco do Brasil, de “Eliane C. Da Silva” (fl. 1082);

2.3 cheque 834, R$ 28.000,00, de 13/04/2016, assinado por Alex Antônio Rodrigues, trocado na boca do caixa, nominal para Alex Antônio Rodrigues (fl. 1.081);

2.4 cheque 823, R$ 8.000,00, de 12/04/2016, assinado por Alex Antônio Rodrigues, trocado na boca do caixa, nominal para “Gracieli Forster” (fl. 1080);

2.5 cheque 826, R$ 15.000,00, de 18/11/2016, assinado por Alex Antônio Rodrigues, depositado na conta 15131-9, agência 0886 da CEF (Ponta Porã/MS), em nome de NILVA LOURENÇO DAUTO SILVA, RG 792103 SSP/MS, CPF 792.578.281-15, “cel 99672-1973”, (fl. 1077/1079);

3) fls. 1.058/1.068, identificação da “guia de retirada”, de 08/04/2016, de R$ 1.000,00, referente a saque em espécie (fl. 1075), bem como identificação do “débito autorizado”, de 04/10/2016, de R$ 24.084,41, referente a depósito judicial no Processo n. 0020460-79.2016.5.0.0561 (fl. 1075/1076).

Registre-se que GRACIELI FORSTER, destinatária do cheque de R$ 8.000,00, assinado por Alex, emitido em 12/04/2016, é funcionária do SICREDI, agência Chapada/RS e possui vínculo com Jaime Herbert, vendedor da sociedade Atlântica

Sementes S.A., que comercializa sementes de produtos agrícolas.

Por sua vez, NILVA LOURENÇO DAUTO SILVA, destinatária do cheque de R$ 15.000,00, assinado por Alex, emitido em 18/11/2016, é vinculada à Fazenda Novo Rumo, estabelecida no município de NAVIRAÍ/MS, propriedade indicada como “maior produtora de milho e soja da região do Cone Sul”.

Por fim, ELIANE CARDOSO DA SILVA, destinatária dos cheques de R$ 2.900,00 e R$ 3.100,00, assinados por Alex, emitidos em 30/01/2016 e 10/03/2016, é companheira de Ederson Batista da Rocha, tesoureiro do Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação em Cooperativas de Carazinho.

De outro lado, verifica-se que a quantia sacada pelo próprio Alex na boca do caixa em 13/04/2016 (fl. 1.081) totaliza quantia mais de dez vezes superior àquela por ele declarada à Justiça Eleitoral.

Destaque-se as pessoas destinatárias das quantias ora indigitadas não têm qualquer vinculação à atuação da entidade sindical presidida por Alex e que,pela proximidade do período eleitoral denotam conduta praticada no sentido de desviar recursos daquela entidade para fins de gastos na campanha, ou posterior pagamentos de despesas realizadas com tal finalidade.

[…]

No presente caso, a sentença entendeu que não ficou comprovado o uso de dinheiro desviado do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação e em Cooperativas de Carazinho em prol da campanha de Alex, seja através da prática do “caixa dois”, seja através de doação indireta do sindicato para a campanha.

[…]

Com efeito, ainda que haja fortes indícios de desvio/utilização de recursos do sindicato em prol dos interesses próprios do impugnado, não há nos autos prova específica do desvio de recursos do sindicato em favor da campanha do candidato Alex, senão vejamos.

A prova trazida aos autos demonstra, sem qualquer dúvida, que houve a arrecadação de recursos financeiros em ano eleitoral, antes e depois do pleito de 02 de outubro de 2016, em desacordo com a norma legal, haja vista o desvio e utilização indevida de recursos do sindicato pelo impugnado Alex.

Porém não houve a demonstração nos autos do nexo entre a arrecadação de recursos financeiros do sindicato e o proveito da campanha eleitoral do impugnado, tampouco a demonstração do chamado “caixa dois”, isto é, recebimento de recursos financeiros do sindicato pelo candidato, sem que tais recursos tenham transitado pela conta bancária específica de campanha.

Não se olvida que desimporta que a captação de recursos ilícitos tenha ocorrido fora do período eleitoral, podendo ela ocorrer ainda antes do início do processo eleitoral, desde que tais valores sejam direcionados para custeio de atos de campanha.

[..]

Em que pese todos esses fatos constituam indícios da utilização indevida dos recursos financeiros arrecadados pelo sindicato por parte do impugnado, enquanto o mesmo esteve na presidência formal (e de fato) daquela entidade, carece o feito de comprovação da utilização desses recursos para o fim específico de financiamento de sua campanha eleitoral. (Grifei.)

Logo, embora o recebimento de recursos procedentes de entidade sindical represente conduta vedada pela legislação eleitoral (art. 24, inc. VI, da Lei n. 9.504/97), não há nos autos prova de que esses valores tenham sido destinados à campanha eleitoral, não obstante verificada a existência de indícios no sentido de má utilização dos recursos da entidade coletiva pelo impugnado Alex, circunstância que enseja, necessariamente, a improcedência da ação e, por conseguinte, o desprovimento do recurso.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.