RC - 951 - Sessão: 05/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

EVERTON RODRIGUES DA SILVA interpõe recurso criminal contra a sentença (fls. 74-77v.) do Juízo da 008ª Zona Eleitoral que julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Publico Eleitoral, condenando o recorrente pela prática do delito do art. 347 do Código Eleitoral.

Narrou a exordial acusatória (fls. 2-3) que, no dia 02.10.2016, por volta das 13h45min, no prédio em que funcionava a Seção Eleitoral n. 243, da 008ª Zona Eleitoral, o denunciado, sem justa causa, abandonou o serviço eleitoral, que desempenhava na função de Presidente de Mesa Receptora (1º fato), deixando de repassar aos demais integrantes o vale-alimentação, no valor R$25,00 para cada um (2º fato).

A denúncia foi recebida em 15.3.2017 (fl. 29). Houve o oferecimento de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público Eleitoral, aceita pelo acusado. O benefício foi, posteriormente, revogado pelo Juiz Eleitoral da 008ª ZE, devido ao recebimento de denúncia em desfavor do réu no processo de n. 005/2.17.0005352-7 (fl. 47).

Instruído o feito e oferecidas as alegações finais, sobreveio sentença de procedência parcial da denúncia, absolvendo o denunciado em relação ao delito previsto no art. 344 do Código Eleitoral (1º fato) e condenando-o como incurso nas sanções do art. 347 do Código Eleitoral (2º fato).

Inconformado, EVERTON RODRIGUES DA SILVA apresenta recurso (fls. 80-84), sustentando a necessidade de reforma da decisão para o fim de ser absolvido. Invoca a aplicação dos princípios da intervenção mínima ou da ultima ratio e afirma que, em decorrência da sanção administrativa prevista no art. 124 do Código Eleitoral, não é possível cumular a penalidade específica com a sanção penal. Colaciona arestos de jurisprudência. Argumenta que a conduta não configura crime, mas ilícito administrativo. Requer a reforma parcial da sentença.

Com contrarrazões (fls. 91-94), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 97-98).

É o relatório.

VOTO

O recurso é próprio, regular e tempestivo, observando-se o prazo estabelecido no art. 362 do Código Eleitoral. Ainda, note-se que não ocorreu prescrição, bem como inexistem nulidades a serem declaradas.

A denúncia narra que o recorrente EVERTON RODRIGUES DA SILVA, no dia das eleições municipais de 2016, por volta das 13h45min, no prédio em que funcionava a Seção Eleitoral n. 243, da 008ª ZE, saiu para o período de almoço e não retornou ao serviço eleitoral, que desempenhava na função de Presidente de Mesa Receptora, deixando de repassar aos demais integrantes o vale-alimentação, no valor R$25,00 para cada componente da mesa, totalizando a quantia de R$ 75,00.

Quanto à alegação de abandono do serviço eleitoral, o juízo a quo afastou a imputação do delito previsto no art. 344 do Código Eleitoral, por entender que a existência da penalidade administrativa a que se refere o art. 124 do Código Eleitoral obsta à aplicação da sanção penal para a mesma conduta, não havendo ressalva na legislação regente quanto à admissibilidade de cumulação com sancionamento penal.

Contudo, quanto ao 2º fato, a sentença combatida julgou procedente a denúncia, para o fim de condenar o recorrente como incurso nas sanções do art. 347 do Código Eleitoral, em decorrência da falta de repasse, na qualidade de Presidente de Mesa Receptora, dos valores relativos ao auxílio-alimentação aos demais mesários componentes da mesa, na soma de R$ 75,00.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução:

Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa.

A respeito do crime de desobediência eleitoral, é entendimento consolidado na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que o delito previsto no art. 347 do Código Eleitoral requer o descumprimento de ordem judicial direta e individualizada:

RECURSOS CRIMINAIS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE. PROIBIÇÃO FORMALIZADA EM PORTARIA. AUSÊNCIA DE ORDEM DIRETA E ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DA AUTORIA. ABSOLVIÇÃO.

1. A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 347, CE) EXIGE PROVA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DOS DENUNCIADOS ACERCA DO INTEIRO TEOR DA ORDEM JUDICIAL, A QUAL DEVE SER PROFERIDA POR AUTORIDADE JUDICIÁRIA ELEITORAL COMPETENTE E DIRIGIDA AO DESTINATÁRIO, PRÉVIA E PESSOALMENTE, POR MEIO DE NOTIFICAÇÃO. O QUE NÃO SE CONSTATOU NA ESPÉCIE.

2. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INCONTESTE ACERCA DA AUTORIA DO DELITO. A MERA EXISTÊNCIA DE SANTINHOS NO LOCAL NÃO CONFIGURA O CRIME. ADEMAIS, AS TESTEMUNHAS NÃO PRESENCIARAM OS FATOS.

3. RECURSO PROVIDO, PARA ABSOLVER OS RECORRENTES, COM FUNDAMENTO NO ART. 386, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

(RECURSO CRIMINAL n. 55013, ACÓRDÃO de 23.4.2015, Relator ANDRÉ GUILHERME LEMOS JORGE, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 04.5.2015) (Grifei.)

Habeas Corpus. Eleitoral. Desobediência. Art. 347 do Código Eleitoral. Desobediência. Dolo. Comprovação. Ordem direta e individualizada. Inexistência. Previsão de consequências específicas em caso de descumprimento da ordem judicial. Precedentes do Supremo Tribunal. Atipicidade da conduta. Ordem concedida.

(TSE - HC: 130882 GO, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, Data de Julgamento: 17.10.2011, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 213, Data 10.11.2011, p. 56) (Grifei.)

NOTÍCIA-CRIME. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL. ORDEM JUDICIAL. AUSÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A jurisprudência é firme no sentido de que, para a caracterização do crime de desobediência eleitoral, "exige-se o descumprimento de ordem judicial direta e individualizada" (RHC nº 1547-11, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 11.10.2013). No mesmo sentido: Habeas Corpus n. 130882, relª. Min. Cármen Lúcia, DJE de 10.11.2011; STF: Inquérito n. 2004, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 28.10.2004.

2. Por não ter havido decisão judicial direta e específica da autoridade judicial e por se ter averiguado apenas que o paciente não acolheu determinação do chefe de cartório para que o acompanhasse à sede da zona eleitoral, em face da prática de propaganda eleitoral vedada no art. 39, § 3º, III, da Lei das Eleicoes (condução de veículo a menos de 200 metros de escola), não há falar na configuração do delito do art. 347 do Código Eleitoral. Recurso ordinário provido.

(TSE - RHC: 00001286120156190000 RIO DE JANEIRO - RJ, Relator: Min. Henrique Neves Da Silva, Data de Julgamento: 01.12.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 04.02.2016.) (Grifei.)

Na situação dos autos, em que pese à reprovável conduta do réu, não houve determinação judicial específica descumprida, o que afasta o seu enquadramento na figura delitiva prevista no art. 347 do Código Eleitoral.

Nesse sentido, convém observar que o recibo de benefício para alimentação apresentado na folha 26, mesmo que mencione a obrigação de realizar o devido repasse, não contempla a possibilidade de ensejar a configuração do crime de desobediência eleitoral em caso de descumprimento, não sendo sequer subscrito pelo Juiz Eleitoral. Outrossim, inexiste qualquer previsão nesse sentido na Portaria TSE n. 222, juntada na fl. 27.

É por tais razões, assim como pela constatação de que o Direito Penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico e só opera quando expressamente previsto e necessário para a proteção do bem jurídico, que não se pode ampliar a aplicação do tipo previsto no art. 347 do CE para a circunstância apurada.

Por isso, o fato narrado é atípico, devendo ser provido o recurso para absolver o recorrente.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para absolver EVERTON RODRIGUES DA SILVA, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.