E.Dcl. - 55420 - Sessão: 06/09/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos, conjuntamente, por JOÃO PAULO KROTH e ALCINEI ADRIANO BUGS e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra o acórdão que deu provimento ao recurso interposto por VALDIR JOSÉ RODRIGUES e GILMAR HENKER, candidatos eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Segredo nas eleições 2016, para o fim de reformar a sentença que julgou procedente a representação por prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) ajuizada por JOÃO PAULO KROTH e ALCINEI ADRIANO BUGS, candidatos não eleitos, e julgar improcedente a ação, afastando as condenações impostas.

Em suas razões, JOÃO PAULO KROTH e ALCINEI ADRIANO BUGS invocam o art. 489, § 1°, do CPC, e o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, alegando que o acórdão não está devidamente fundamentado, visto não ter enfrentado todos os argumentos recursais nem ter valorado adequadamente a prova dos autos. Afirmam que a ementa da decisão apresenta contradição relativamente às alegações finais e às contrarrazões apresentadas e que as razões de decidir também são contraditórias quanto às provas coligidas e à conclusão de os fatos terem sido comprovados por prova exclusivamente testemunhal, consistente no depoimento dos eleitores alegadamente aliciados. Requerem o prequestionamento do art. 368-A do Código Eleitoral, do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e dos arts. 371 e 489, incs. IV, V e VI, do Código de Processo Civil, e o acolhimento do recurso com atribuição de efeitos modificativos ao julgado (fls. 752-754v.).

Nos declaratórios opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, o Parquet alega a existência de omissão e contradição, asseverando que a decisão fez expressa referência aos elementos caracterizadores de captação ilícita de sufrágio, entendendo, no entanto, por absolver os representados. Além disso, aponta como contraditórias a análise relativa à participação dos candidatos na compra de votos - ainda que na forma de ciência ou anuência - e a conclusão pela improcedência da ação. Postula o acolhimento do recurso, com atribuição de efeitos infringentes, ou, sucessivamente, a manifestação expressa sobre os fatos narrados terem sido objeto de um único, ou mais de um, testemunho e se a prova foi exclusivamente testemunhal (fls. 758-768).

Intimados, VALDIR JOSÉ RODRIGUES e GILMAR HENKER ofereceram contrarrazões, apontando que ambos os declaratórios foram manejados com vistas à reforma da decisão e não ao saneamento dos vícios que autorizam o cabimento do recurso, razão pela qual merecem ser rejeitados (fls. 775-779).

É o relatório.

VOTO

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Recurso de natureza integrativa, os embargos de declaração são instrumento essencial ao ordenamento jurídico.

Da leitura das suas hipóteses de cabimento, hoje previstas no art. 1.022 do CPC, bem se percebe que sua natureza está intrinsecamente relacionada à dialética processual e à falibilidade humana do julgador que, ao decidir a ação e aplicar o direito, pode exarar decisão imperfeita, seja por conter obscuridade ou contradição, seja por omissão sobre ponto essencial que reclamava pronunciamento específico ou mesmo por conter um erro material.

No Direito Português, a previsão dos embargos declaratórios foi inicialmente estabelecida pelas Ordenações Afonsinas, as quais previam que se o julgador desse uma sentença duvidosa, por ter em si algumas palavras “escuras e intrincadas”, poderia, posteriormente, “declarar” (Livro III, Título 70, número 258. <http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l3p258.htm>. Acesso em 29.8.2018).

O instituto está presente não apenas em ordenamentos originários na família romano-germânica do direito (civil law), como também sistemas jurídicos da common law, base do direito processual da Inglaterra e do direito federal e estadual dos Estados Unidos.

Segundo a seção 632 do Código de Processo Civil da Califórnia, após o julgamento de uma questão de fato pelo tribunal, as partes podem solicitar uma declaração de decisão explicando a base factual e legal para a sua decisão quanto a cada uma das principais questões controvertidas em julgamento (<http://leginfo.legislature.ca.gov/faces/codes_displaySection.xhtml?lawCode=CCP&sectionNum=632>. Acesso em 28.8.2018).

No Reino Unido, a regra 36 dos Procedimentos do Tribunal de Primeira Instância da Câmara de Direitos Sociais prevê que, em caso de omissão material, o advogado deve, antes da interposição de um recurso, dar ao órgão julgador a oportunidade de corrigir uma omissão na decisão (<http://www.legislation.gov.uk/uksi/2008/2685/contents/made>. Acesso em 28.8.2018).

De acordo com a jurisprudência do referido Tribunal, o objetivo da regra 36 é corrigir questões que estavam na mente do juiz ao escrever, mas que, por algum motivo, não entraram na página por erro ou lapso momentâneo de concentração que resulta na omissão (CE/2444/2010, AS v Secretary of State for Work and Pensions – ESA – 2011 – UKUT, 159, AAC. <http://administrativeappeals.decisions.tribunals.gov.uk//Aspx/view.aspx?id=3257>. Acesso em 28.8.2018).

Essas considerações iniciais são importantes porque, muito embora não se desconheça a resistência de alguns julgadores em reconhecer eventuais vícios nas decisões proferidas, é certo que os declaratórios se revelam como um instituto indispensável para o aprimoramento de atos judiciais, demandando postura de maturidade e humildade do julgador em rever eventuais equívocos na expressão do seu posicionamento.

Com base nessas convicções, sempre que há alegação de falta autorizadora de embargos de declaração, este relator realiza, indistintamente, o exercício de reler a decisão proferida, que no caso é o voto condutor, para verificar se procede o apontamento de necessidade de aclaramento.

Contudo, é certo que este recurso não se presta ao reexame dos fatos e das provas que embasam a ação para que sejam colhidas novas conclusões e proferido novo julgamento que atenda à parte inconformada.

No caso dos autos, não se desconsidera haver legítima irresignação por parte dos ora embargantes diante da conclusão deste Tribunal, uma vez que o acórdão embargado reformou a sentença condenatória para julgar a ação improcedente com base nas mesmas provas consideradas pela magistrada a quo como caracterizadoras de prática de captação ilícita de sufrágio.

Todavia, é para a superior instância que deve ser dirigido o inconformismo quanto à valoração das provas dada pelo Tribunal, apontando-se o erro de direito na aplicação da legislação e dos princípios que deveriam ser considerados, não sendo os embargos de declaração o meio adequado para atender ao subjetivismo da parte que não viu acolhidos os fundamentos de que se valeu para defender suas razões.

Estabelecidas essas premissas, consigno que na ementa, no relatório e no voto do acórdão embargado não há obscuridade, contradição ou omissão, sendo descabida a alegação de ocorrência de negativa de prestação jurisdicional.

As razões que fundamentam a conclusão do julgado respondem até mesmo as perguntas contidas nos aclaratórios opostos pelo Ministério Público Eleitoral, valendo, no ponto, consignar que na função teleológica da decisão judicial não está compreendida a resposta a argumentos, à guisa de quesitos, quando de forma fundamentada soluciona a controvérsia posta em julgamento.

Em verdade, da leitura das razões apresentadas, penso que os embargantes confundiram a quantidade de provas existentes no feito com a quantidade de provas aptas a comprovar suas pretensões.

Um processo judicial pode ter uma infinidade de documentos juntados para servir de prova de um fato alegadamente contrário ao direito, mas nada impede que ao final da instrução se verifique que nenhum desses elementos demonstrou o fato narrado.

É essa exatamente a hipótese dos autos.

O aresto embargado foi claro ao assentar que as únicas provas apresentadas para comprovar a imputação de captação ilícita do sufrágio a Miguel Eduardo Pereira e Caroline Aparecida Tavares de Morais consistem exclusivamente no depoimento individual de cada eleitor supostamente corrompido na liberdade de seu voto, circunstância que impede a condenação em virtude do comando previsto no art. 368-A do Código Eleitoral.

Consta na decisão, da mesma forma cristalina, que todas as provas utilizadas na sentença para fundamentar a condenação dos candidatos Valdir José Rodrigues e Gilmar Henker pela compra de votos realizada por Márcio Antônio Bernardi e Marcos Benício Soares Marion não eram suficientes “para conferir certeza sobre a anuência ou ciência dos candidatos em suposta captação ilícita de sufrágio”.

O voto condutor justifica por quais razões concluiu que o caderno probatório nada trouxe além de indícios de que os candidatos poderiam ter conhecimento sobre o agir de terceiros, mas que não se extraía a força necessária para a cassação dos cargos eletivos e consequente realização de nova eleição municipal.

A decisão descreve especificamente cada uma das provas contidas nos autos e explica, ponto a ponto, o porquê do raciocínio de que elas conduziam a meras presunções que não bastam para comprovar a participação dos candidatos nas infrações.

Na fundamentação, o acórdão inclusive refere sequer ter sido demonstrada a presença do especial fim de agir, consistente no condicionamento da entrega de vantagem ao voto do eleitor, e relembra a diretriz jurisprudencial no sentido da inviabilidade da condenação por captação ilícita de sufrágio se ausente prova robusta e incontroversa da infração.

Rogério de Vidal Cunha esclarece que o juiz não está obrigado a analisar todos os “argumentos” trazidos pelas partes, mas sim que, à luz do art. 489, § 1º, inc. IV, tenha a decisão enfrentado todos os “fundamentos” que as partes submeteram ao Poder Judiciário (CUNHA, Rogério de Vidal. O Dever de Fundamentação no NCPC: Há Mesmo o Dever de Responder todos os Argumentos das Partes? Breve Análise do Art. 489, §1º, inc. IV do NCPC. In: VASCONCELLOS, Fernando Andreoni; ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto (Org.). O Dever de Fundamentação no Novo CPC: análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 297).

Anote-se que os “fundamentos” constituem os pontos apresentados pelas partes que dão embasamento à procedência ou improcedência da sua pretensão e, por isso, devem ser analisados um a um - e o foram -, como ora repisado. Já os “argumentos” são espécies de reforços aos fundamentos apresentados, com o intuito de convencimento e persuasão, sem que sobre esses haja a necessidade de exame individualizado quando outros elementos de maior peso estabelecem o convencimento do relator, tal qual explicitamente deduzido no voto condutor do relator contido no Acórdão embargado que, à unanimidade, foi chancelado por seus pares.

Dessa forma, inexistindo qualquer defeito no acórdão, é de rigor o não cabimento dos efeitos infringentes postulados.  Assim, entendo pela rejeição dos embargos de declaração.

Por fim, ressalto que, nos termos do art. 1025 do CPC/15, “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.