E.Dcl. - 31631 - Sessão: 20/08/2018 às 18:00

RELATÓRIO

 

EDISON BARALDI MACHADO opôs embargos declaratórios com pedido de efeitos infringentes (fls. 518-524) em face da decisão desta Corte (fls. 502-514v.) que, por maioria, manteve a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE movida em face de ANTONIO SARTORI e ILIANDRO CESAR WELTER.

Em suas razões, o embargante alegou a existência de omissão, contradição e obscuridade no acórdão embargado.

Omissão, porque o voto condutor do acórdão, que manteve a sentença de improcedência dos pedidos, não teria analisado a) as diligências realizadas pelo juízo em que se constatou inexistir qualquer atividade da empresa contratada para realizar o serviço de pavimentação de rua nos anos anteriores à contratação; b) a não localização do estabelecimento comercial da empresa no endereço declinado no contrato; c) a ausência de registro de empregados na empresa contratada; d) o beneficiamento da empresa pertencente ao candidato JULIÃO, correligionário dos embargados, e sua esposa; e) o beneficiamento de eleitores, consistente na isenção do tributo de contribuição de melhorias, vedado pelo § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 no ano da eleição.

Obscuridade, omissão e contrariedade no ponto em que há referência à contribuição de melhoria como um tributo praticamente em desuso nos pequenos municípios, quando não estaria.

Requer sejam sanadas as omissões e esclarecidos os pontos obscuros e contraditórios com a possibilidade de atribuir efeito modificativo aos embargos.

É o relatório.

 

VOTO

O acórdão foi publicado em 06.7.2018, sexta-feira (fl. 516), e a petição recursal, protocolizada em 11.7.2018, quarta-feira (fl. 518), portanto, dentro do tríduo legal. Assim, como o recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Inicialmente, consigno que os aclaratórios servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão, assim como sanar erro material que possa emergir do acórdão, nos termos do art. 275, caput, do Código Eleitoral c/c o art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC).

Em suas razões, o embargante aduziu omissão, contradição e obscuridade no acórdão, as quais passo a analisar de forma individualizada.

Sustenta o embargante ser omisso o acórdão por suposta ausência de enfrentamento das questões relativas à diligência realizada pelo juízo de origem, que detectou inatividade da empresa contratada para realizar a pavimentação objeto da lide nos anos anteriores à contratação, bem ainda ao fato de não ter sido localizado o estabelecimento no endereço declinado no contrato e à inexistência de registro de empregados da empresa.

Todavia, razão não lhe assiste.

Tais questões estão relacionadas à alegação de “empresa de fachada”, devidamente enfrentadas no voto condutor, como se observa no trecho a seguir:

Sobre a pecha de “empresa de fachada” atribuída a contratada

Dentre as alegações iniciais e recursais acolhidas pelo eminente relator, está a de que a empresa contratada - Comércio de Materiais de Construção Zete Ltda. - é empresa de fachada, criada em 2004 e reativada em 2016, para uso eleitoreiro.

Entende-se, comumente, por empresa de fachada aquela criada em nome de terceiros para o cometimento de ilícitos, ou seja, aquela em que se ocultam os verdadeiros donos.

No caso dos autos, a empresa Comércio de Materiais de Construção Zete Ltda. tinha como sócia-proprietária Joana Pretto da Rosa, esposa de Júlio Cesar da Rosa, o qual, em junho de 2016, assumiu as quotas que pertenciam a sua irmã Sandra Elizete da Rosa Fachinello, passando a integrar o quadro societário da empresa. Ora, não me parece crível que alguém crie (ou reative) uma empresa de fachada justamente no nome da esposa, com a qual é casado pelo regime de comunhão parcial de bens (fl. 63) e, mais ainda, que depois venha, escancaradamente, integrar o quadro da empresa como sócio-proprietário.

A acusação não é de que o serviço não teria sido realizado ou teria sido realizado por outra empresa, servindo a contratada de fachada. Ao contrário: a própria inicial dá conta que Julião “se esmerou no trabalho para vincular seu nome a do prefeito reeleito...”, restando claro que a obra não só foi executada pelos verdadeiros contratados como foi efetuada com esmero.

Além, de acordo com os documentos juntados aos autos, as contratações se deram por meio de processo licitatório na modalidade pregão presencial (números 044/2016 e 030/2016), mediante publicidade no Jornal Celeiro (fls. 60 e 123), e os respectivos processos administrativos foram instruídos com a documentação pertinente, com sessões públicas.

No mesmo sentido a decisão de primeiro grau, a qual adoto como razões de decidir (fl. 457):

Todavia, após acurado exame da prova encartada aos autos, não há como acolher a pretensão do investigante, pois restou comprovado, através dos documentos de fls. 55/156, que as contratações entabuladas entre o Município de Campo Novo e a empresa Comércio de Materiais de Construções Zete Ltda ME. ocorreram após os devidos processos licitatórios, segundo as normas insculpidas na Lei de Licitações e regulamentações correlatas, não se identificando, ao menos até prova em contrário, mácula alguma nos procedimentos adotados, muito menos ilicitude de conotação eleitoral. (…) O simples fato de uma empresa não possuir sede administrativa e empregados, por si só, não a torna "fantasma", mormente em tempos atuais em que é comum a terceirização de mão de obra e a aquisição de materiais de fornecedores diversos, sem a necessidade de estoque.

Como se observa, não há elementos aptos à conclusão de que a empresa contratada é “fantasma” ou “de fachada”.

(Grifos no original)

Outra omissão alegada pelo embargante refere-se ao suposto beneficiamento da empresa pertencente ao candidato JULIÃO, correligionário dos embargados, e sua esposa.

O tema foi analisado e afastado em tópico próprio, a saber (sem grifos no original):

No caso concreto, a tese acerca do abuso de poder restaria, teoricamente, esvaziada com o reconhecimento de que as contratações ora discutidas não estão abarcadas no rol do art. 73 da Lei das Eleições. No entanto, alega o recorrente que ditas contratações, além de caracterizarem conduta vedada, teriam ocorrido para beneficiar Julio Cezar da Rosa, marido da sócia-proprietária e, depois, sócio-proprietário da empresa Comércio de Materiais de Construção Zete Ltda. – alegadamente fantasma –, e, assim, convencê-lo a concorrer ao cargo de vereador visando à captação de votos tanto para ele quanto para a candidatura dos recorridos.

Em outras palavras, a contratação da empresa de JULIÃO teria sido uma espécie de compra de apoio político, fato que, se comprovado, revelaria inquestionável abuso de poder, seja político ou econômico, mas não é, na minha ótica, a conclusão que sobressai dos autos.

Isso porque, como já mencionado, a contratação deu-se mediante procedimento licitatório, ao qual se deu a devida publicidade, não havendo, nos autos, qualquer indicativo de que o certame tenha sido direcionado ao vencedor, o que caracterizaria fraude ao caráter competitivo da licitação e ensejaria denúncia aos órgãos competentes, cuja ocorrência não foi noticiada nestes autos.

A alegação de que a contratação oportunizou a Julio Cezar da Rosa – JULIÃO – a obtenção de recursos financeiros para custear sua campanha eleitoral e angariar votos para o prefeito e vice-prefeito não tem o condão de, por si só, atrair a lei eleitoral.

Oportuno registrar que, consultando-se a movimentação processual do processo de registro de candidatura do então candidato a vereador Júlio Cezar da Rosa (Rcand 96-33.2016.6.21.0140), constata-se que o registro foi objeto de impugnação com base na mesma contratação de pavimentação de rua ora sob análise, tendo a ação sido julgada improcedente sob os seguintes fundamentos:

(…)

Entretanto, como bem referiu o pré-candidato em contestação, o contrato em questão decorreu de licitação realizada na modalidade de pregão presencial, sob o nº 30/2016-PR (processo administrativo nº 037/2016), possuindo, por isso, características de contrato de adesão, com a previsão das chamadas "cláusulas uniformes". Tal fato, aliás, pode ser facilmente constatado através do cotejo entre o contrato das fls. 127/130 e o edital de pregão das fls. 74/81, os quais guardam simetria em diversos aspectos, como objeto, prazo para execução dos serviços, pagamento etc., revelando que as cláusulas contratuais foram pré-elaboradas, sem margem de negociação entre contratante e contratado, conforme exigências do edital licitatório.

Logo, tenho como perfeitamente configurada a exceção legal contida na parte final do art. 1º, II, "i", da Lei das Inelegibilidades, pois o contrato firmado entre a empresa representada pelo pré-candidato e o Poder Público obedece a cláusulas uniformes, hipótese para a qual a própria lei excepciona a necessidade de desincompatibilização.

Nesse contexto, para caracterização de abuso, imprescindível prova contundente de que a contratação da empresa de JULIÃO se deu em fraude ao caráter competitivo do certame, ônus do qual não se desincumbiu o recorrente.

No ponto, colho trecho da percuciente análise do juízo sentenciante (fl. 459):

E mais, caso se admitisse que Júlio tivesse pretensões políticas e tencionava realizar negócios espúrios com o Prefeito Sartori, não seria mais prudente omitir seu nome no estatuto da empresa? Ou seja, ele parece ter caminhado exatamente no sentido contrário, sem qualquer cautela. É razoável convir, também, que, ao demonstrar interesse pela contratação para a realização da obra e dos serviços licitados, inexistia para a empresa qualquer garantia de que venceria o certame, já que outras propostas melhores poderiam ter sido apresentadas, de modo a frustrar-se, se fosse o caso, supostos pré-ajustes.

O tema abuso de poder consubstanciado em “calçamento de via pública em período eleitoral” foi objeto de debate no Tribunal Superior Eleitoral nos autos do Recurso Especial Eleitoral n. 613-72.2012.6.19.0095, julgado em 28.06.2016, de relatoria da Ministra Luciana Lóssio, em cuja ementa restou assentado que:

O simples incremento das atividades administrativas no período que antecede o pleito - quais sejam, pavimentação de vias públicas e obras de terraplanagem -, sem que haja a mínima correlação com o pleito eleitoral, não configura, por si só, o abuso do poder político.

Do corpo do acórdão do precedente acima referido, extraio os seguintes excertos (grifos no original):

Em primeiro lugar, não foram detectadas irregularidades no processo licitatório. Ao que se tem no decisum, a licitação transcorreu de forma regular, observando o disposto no art. 37, XXI, da Constituição11 e na legislação de regência. Reproduzo o excerto do acórdão regional:

Da análise dos documentos formais à contratação e execução da obra não se vislumbra qualquer irregularidade, uma vez que já afastada o eventual vício decorrente da data de início do procedimento. (fl. 884v).

Tal fato permite inferir que o interesse público na pavimentação foi devidamente justificado na fase preparatória do certame ou este seria alvo dos órgãos de controle.

(...)

Sublinhe-se, ainda, que as obras não foram associadas à figura dos candidatos ou condicionadas à sua reeleição. Tampouco foi afixada propaganda de cunho institucional nos locais beneficiados, para que fosse possível inferir que a atuação administrativa, a despeito de estar apenas voltada ao interesse público, tivesse o real objetivo de beneficiar a reeleição dos recorrentes.

(...)

Ressalte-se que a possibilidade de reeleição não pode paralisar a administração em ano eleitoral, prejudicando a população que deixa de ser beneficiada pelas melhorias que necessita.

No caso ora examinado, a exemplo do julgado pela Corte Superior, também não restou comprovado que a contratação da empresa de JULIÃO tenha sido uma manobra perpetrada pelos recorridos com finalidade eleitoreira, o que afasta qualquer alegação de abuso de poder político.

[...]

O embargante, ao mencionar supostas omissões no que chama de “beneficiamento na contratação da empresa pertencente ao candidato a vereador JULIÃO e sua esposa ...”, traz uma inovação, referindo que a empresa estaria em débito com o município “e mesmo assim foi habilitada no certame e contratada pelo Município, em flagrante beneficiamento ao ‘companheiro’ de partido do prefeito, SARTORI”.

A afirmação beira a má-fé. Primeiro, porque não há uma linha sequer nas razões do recurso eleitoral principal a respeito de suposta dívida da empresa contratada para realizar a pavimentação, logo não poderia haver omissão sobre questão não suscitada no recurso; segundo, porque não é verdade, conforme pode se verificar na Certidão Negativa de Débitos à fl. 71.

Quanto a alegada omissão em relação ao beneficiamento de eleitores consistente na isenção de contribuição de melhorias, vedado pelo § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97 no ano da eleição, mais uma vez, razão não assiste ao embargante.

Com efeito, o tema foi devidamente enfrentado no acórdão embargado, como se observa no seguinte excerto:

Por outro lado, a alegação do recorrente de que teria havido beneficiamento de eleitores pela ausência de cobrança de contribuição de melhorias em decorrência da obra não é objeto inicial da lide, posto que ventilada apenas quando do oferecimento de réplica, ou seja, depois de apresentada a defesa.

Entretanto, considerando a eloquente manifestação do digno representante da PRE a respeito do tema, é importante ressaltar que o período eleitoral não pode redundar em ônus para a população, especialmente em se tratando de um tributo praticamente em desuso em pequenos municípios. Ou seja, não sendo, a cobrança de contribuição de melhoria, uma prática costumeira na administração municipal, não me parece razoável exigi-la apenas no período eleitoral, como asseverado.

Ademais, não há nos autos quaisquer estudos sobre quantos e quais imóveis teriam sofrido valorização em decorrência da mencionada obra.

Conforme mencionado no voto condutor do acórdão, a questão relativa ao suposto beneficiamento de eleitores por isenção do tributo de contribuição de melhorias não é objeto da lide, haja vista ter sido suscitada apenas depois de ofertada a defesa. Inviável, portanto, o enfrentamento, pena de redundar em flagrante prejuízo aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Ao autor somente é permitido aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir até a citação ou até o saneamento do processo desde que, no último caso, com o consentimento do réu, nos termos do art. 329 incs. I e II do CPC.

Assim, mesmo que eventualmente se considerasse a aplicação subsidiária do CPC, nesse ponto, ao rito específico estabelecido pelo art. 22 da Lei n. 64/90, trata-se de matéria preclusa, porque suscitada depois de angularizado o processo e sem consentimento da parte adversa.

Alega o embargante que “não há óbice algum sobre o fato da demonstração de falta de pagamento da contribuição de melhoria posteriormente, pois não se pode permitir que o fato apurado posteriormente seja simplesmente ignorado pela Justiça Eleitoral, sendo considerado crime eleitoral”.

Ocorre que, reitero, o tema isenção fiscal, não tendo sido deduzida na inicial, é matéria estranha aos autos, não havendo se falar em possibilidade de demonstração, posterior ou não. Ademais, a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral tem natureza cível eleitoral, não sendo, portanto, o instrumento adequado para discussão de eventual matéria penal.

No mesmo sentido, não há vício no voto divergente ao referir que a contribuição de melhoria é um tributo praticamente em desuso nos pequenos municípios, uma vez que se trata de mera ilustração, pois esclarecido que a matéria não foi abarcada na inicial.

Ainda, não satisfeito, o embargante juntou com os presentes embargos documentos pelos quais pretende provar ser prática no Município de Campo Novo a cobrança de contribuição de melhoria, em contraponto ao que foi referido no acórdão no sentido de se tratar de tributo em desuso em pequenos municípios.

Em se tratando de matéria estranha à lide, nos termos da fundamentação acima, com muito mais razão resta inviável a análise de documentos apresentados em sede de embargos de declaração.

Como se infere da argumentação recursal, a pretensão do embargante traduz, em verdade, divergência quanto ao entendimento adotado pelos julgadores e ao resultado do julgamento.

O acórdão combatido apresentou fundamentação com as razões suficientes da formação do convencimento da maioria dos integrantes do Pleno deste Tribunal, em franco detrimento dos pontos ora indicados como omissos e contraditórios e em conformidade com a normativa do art. 371 do CPC.

Assim, a evidente tentativa de rediscussão da matéria fático-jurídica debatida nos autos é hipótese não abrigada por essa espécie recursal.

Nesse sentido, a jurisprudência paradigmática deste Regional:

Embargos de declaração. Ação de investigação judicial eleitoral. Improcedência. Omissão e contradição. Art. 275, inc. II, do Código Eleitoral. Ausentes os vícios para o manejo dos aclaratórios. Inexistente omissão ou contradição a ser sanada. Decisão devidamente fundamentada, na qual debatidos os pontos trazidos pelo embargante.

Tentativa de rediscussão da matéria já apreciada, o que descabido em sede de embargos. Rejeição.

(TRE-RS – E.Dcl. n. 301-12.2016.6.21.0092 – Rel. DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – Julgado em 11.5.2017.)

 

É desnecessário, enfim, que o julgador justifique, explicitamente, as razões de não ter utilizado legislação ou entendimento diversos para a solução do caso. Basta, para tanto, abordar os elementos essenciais da causa, com observância ao preconizado pela Constituição Federal, em seu art. 93, inc. IX:

Art. 93. […]

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

[…]

Por essas razões, a decisão embargada deve ser mantida nos seus exatos termos.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos declaratórios opostos por EDISON BARALDI MACHADO.