RC - 5966 - Sessão: 16/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto por RENATO INDART RAMOS contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado na denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-o à pena de 07 meses de reclusão e multa de 05 dias-multa, em razão da incidência do art. 289 do Código Eleitoral sobre o seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 13 de maio de 2014, por volta das 15h, na Rua Pinheiro Machado, nº 2382, no Cartório da 44ª Zona Eleitoral, Centro, em Santiago/RS, o denunciado RENATO INDART RAMOS tentou inscrever-se fraudulentamente eleitor, junto ao Cartório Eleitoral, somente não consumando o delito por circunstância alheia à sua vontade.

Na ocasião, o denunciado compareceu ao Cartório Eleitoral deste Município com o intuito de regularizar seu título eleitoral, apresentando carteira de identidade falsificada, em nome de Paulo Roberto Moysés Alvarez, com RG 1113063604 (auto de apreensão das fls. 09-10 dos autos).

O delito somente não se consumou porque o servidor do Cartório Eleitoral (GIDIÃO BARBOSA DAMIAN) tinha em mãos, naquele momento, o processo nº 2-87.2013.6.21.0044, da Justiça Eleitoral de Santiago - no qual foi imputado ao ora denunciado a prática dos delitos previstos nos artigos 289 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) e artigos 304 e 309 do Código Penal - no qual o réu ainda não tinha sido citado por não ter sido encontrado (consoante cópias das fls. 55-232; 266-294 dos autos). Diante disso, a Polícia foi acionada e o denunciado preso em flagrante.

O denunciado é reincidente em crime doloso (Processo Criminal nº 064/2.09.0002582-7, da Vara Criminal da Comarca de Santiago, trânsito em julgado em 11.9.2013, com extinção ou cumprimento da pena em 23.3.2015, consoante certidão judicial criminal das fls. 306-307)

A denúncia foi recebida em 17.8.2017 (fl. 38) e citado o denunciado (fl. 40), apresentou defesa (fls. 44-48).

Realizada audiência de instrução, na qual foram ouvidas testemunhas e o acusado (fl. 62), houve a apresentação de alegações finais (fls. 81-84 e 86-87).

Sobreveio sentença condenatória (fls. 90-93), entendendo que a prova testemunhal confirmou a tentativa de inscrição fraudulenta de Renato Ramos como Paulo Alvarez mediante a apresentação de documento falso. Considerou que o acusado confessou a ação delitiva. Condenou Renato Ramos, pela prática do delito tipificado no art. 289 do Código Eleitoral na forma do art. 14, inc. II, do Código Penal, à pena de 07 meses de reclusão e 05 dias-multa em regime inicial semiaberto, em razão da reincidência específica do acusado. Deixou de converter a pena privativa em restritiva de direitos e de conceder a suspensão da pena também por causa da reincidência verificada.

Em seu recurso (fls. 97-101), o acusado alega que não tentou se inscrever fraudulentamente eleitor, pois somente compareceu ao cartório para se informar sobre a convocação recebida. Argumenta que a caracterização do crime de inscrição fraudulenta requer a finalidade específica de fraudar o processo eleitoral. Requer a absolvição do acusado e, subsidiariamente, a redução da pena privativa e de multa, pelo princípio da proporcionalidade.

Com as contrarrazões, nesta instância os autos foram em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 109-112).

É o relatório.

 

VOTO

No mérito, a sentença reconheceu estar comprovado que Renato Indart Ramos tentou filiar-se eleitor mediante a apresentação de documento de identidade de Paulo Roberto Moysés Alvarez, sendo condenado pela prática do crime tipificado no art. 289 do Código Eleitoral:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

O recorrente alega ausência de dolo, na medida em que compareceu ao cartório eleitoral para atender a uma convocação realizada através da rádio local, sem a intenção de cadastrar-se eleitor. Aduz ainda não estar presente a finalidade eleitoral de sua conduta, pois agiu sem o propósito de fraudar o processo eleitoral.

Está devidamente comprovado que Renato Indart compareceu ao Cartório Eleitoral e apresentou-se como Paulo Roberto Alvarez, com a intenção de inscrever-se como eleitor com o nome de outra pessoa.

O auto de prisão em flagrante verificou que o acusado portava documento de identidade de Paulo Roberto Moyses Alvarez (fls. 10-11).

O chefe de cartório, responsável por chamar a polícia ao local no momento dos fatos, informou em juízo que Renato Ramos era procurado para ser citado em outro processo criminal sobre inscrição fraudulenta. O servidor disse ter se lembrado que o acusado já havia realizado inscrição com o nome de Paulo e respondido processo criminal em razão desse ato. Esclareceu que a intenção de Renato era regularizar sua situação eleitoral, “fazer novamente o título eleitoral que havia sido cancelado com esse mesmo documento”.

Aproveito transcrição de seu depoimento realizada na sentença, que bem expressa seu depoimento:

O Servidor da Justiça Eleitoral, GIDIÃO BARBOSA DAMIAN, disse que tem conhecimento dos fatos que ensejaram a Denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral por conta de que o réu, em 13.5.2014, teria utilizado documento falso perante a Justiça Eleitoral, com a prisão em flagrante do réu. Narrou que contra RENATO INDART RAMOS já havia um processo crime-eleitoral tramitando na Justiça Eleitoral por ter feito título eleitoral com documento falso, com Denúncia ofertada, recebida, mas que não havia sido feito o ato de citação, com sobrestamento do feito por não ter sido localizado. Que não estando nas dependências da serventia judicial, o réu procurou regularizar a situação eleitoral comparecendo ao Cartório Eleitoral e, como havia algumas suspensões criminais em razão de outros delitos, e os colegas alertaram o fato e solicitaram que retornasse depois. Neste meio tempo contatou a Vara Criminal de Santiago e, quando do retorno do réu, esse apresentou documento de Paulo Roberto Alvarez para regularização. O depoente sabia que havia um processo crime-eleitoral contra RENATO INDART RAMOS, e que o réu afirmou que não era ele, que ele se chamava Paulo. De todo o modo intimou o réu com o documento que portava e nesse ínterim a polícia civil foi chamada e compareceu, sendo o réu conduzido à delegacia. Afirmou que o réu tentava se inscrever regularmente novamente como eleitor com documento que não era dele, utilizado anteriormente, sendo que, se não tivesse conhecimento do outro processo, o réu não teria como ter recebido o título eleitoral, haja vista que haviam pendências nos bancos de dados da Justiça Eleitoral (suspensão) e que se fosse apresentado documento de Paulo Renato Alvarez e não houvesse pendência perante a Justiça Eleitoral o réu RENATO INDART RAMOS poderia sair do Cartório Eleitoral com o documento.

O acusado admitiu que utilizava o documento de Paulo Alvarez para evitar sua eventual prisão. Disse ter um primo portador de necessidades especiais e pegou sua certidão de nascimento para providenciar o documento.

A sentença descreve de forma fidedigna seu interrogatório:

RENATO INDART RAMOS, quando interrogado em Juízo, narrou que trabalhava para o interior e que sua esposa ouviu nota no rádio o chamando no Cartório Eleitoral e que, a partir disso, compareceu no outro dia, sendo que o servidor da Justiça Eleitoral o chamou em uma sala e em seguida a polícia chegou, levando-o para a delegacia preso. Que não tentou tirar título eleitoral, mas utilizou o nome de Paulo Roberto Alvarez quando foi ao cartório eleitoral, e estava com o documento de Paulo no momento da prisão. Afirmou que utilizava a identidade de Paulo porque sua ex-esposa, desde 2004, o alertou que se utilizasse o seu verdadeiro nome RENATO INDART RAMOS poderia ser preso, e tinha primo deficiente em Santana do Livramento/RS e pegou o documento dele para fazer novos documentos, sendo que não procurou se informar a maneira correta, mas a ¿mais rápida¿ com a certidão de nascimento do primo. Disse que além desse processo o réu teve vários problemas de relacionamento contra sua ex-esposa e que, como ela faleceu, supõe que foram arquivados os processos contra ele e já esteve preso antes. Afirmou que utilizou a certidão de nascimento do primo Paulo e que tentou fazer título eleitoral e que conseguiu com sucesso da primeira vez, que chegou com a identidade e que chegou falando em espanhol e em seguida estava com o documento em mãos, sem ser questionado pelos servidores do cartório. (fl. 92-v)

Ademais, embora o acusado negue que tenha comparecido ao cartório para realizar nova inscrição como eleitor, afirmando ter comparecido somente para atender ao chamado divulgado pela rádio local, sua versão não se coaduna com as provas.

O testemunho do servidor Gidião Barbosa dá conta de que o acusado chegou ao cartório apresentando-se como Paulo, insistindo que esse era seu nome, apesar da desconfiança da testemunha. A circunstância é confirmada pelo policial civil Jorge Pinheiro de Brum, segundo o qual, ao chegar ao local, o acusado insistiu que seu nome era Paulo, vindo a admitir, posteriormente, que se chamava Renato.

Caso sua real intenção fosse atender ao chamado realizado pela Rádio, teria ele apresentado seu verdadeiro nome, Renato, pois tanto o servidor quanto o acusado admitem que a convocação realizada na imprensa era dirigida a “Renato Indart Ramos”. Assim, se tivesse verdadeiramente comparecido ao local com o fim de atender a convocação para Renato Ramos, não teria se apresentado como Paulo.

Deste modo, merece confiança o testemunho prestado por Gidião Barbosa, pois se mostra coerente com a prova dos autos.

Também não prospera a alegação do acusado de que o delito de inscrição fraudulenta exige a finalidade específica de fraudar o processo eleitoral.

Trata-se de delito formal, cuja consumação prescinde de resultado naturalístico, ou seja, basta a mera anotação falsa no registro eleitoral para se perfectibilizar a conduta criminosa, independente de eventual proveito eleitoral ou do efetivo exercício irregular do voto.

Ao tipificar o ato de inscrição fraudulenta, a legislação busca preservar a fidedignidade do registro eleitoral, a qual resta fragilizada já com a própria inscrição, pouco importando qual era a finalidade última do agente ao alistar-se como eleitor.

Nesse sentido já se manifestou esta Corte e outros Tribunais:

Recurso Criminal. Inscrição fraudulenta de eleitor. Art. 289 do Código Eleitoral. Concurso material. Reconhecida, de ofício, a ocorrência da prescrição retroativa de fato praticado em data anterior à edição da Lei n. 12.234/2010. Alegada ausência de finalidade eleitoral. O art. 289 do Código Eleitoral tipifica delito formal, bastando para sua consumação a inscrição fraudulenta como eleitor, independentemente das intenções futuras do agente. A tipicidade não é afastada pela falta de proveito eleitoral da inscrição fraudulenta, bastando a intenção consciente do agente de alistar-se eleitor mediante fraude.

Pena fixada no mínimo legal. Impossibilidade de redução abaixo desse patamar em razão da circunstância atenuante da confissão espontânea. Reconhecida a continuidade delitiva entre dois dos fatos, porquanto praticados no mesmo dia e no mesmo município, desafiando a incidência da figura do crime continuado. Redimensionamento das penas privativa de liberdade e de multa, mantidas as demais determinações da sentença. Provimento parcial.

(TRE/RS, Recurso Criminal n 815, ACÓRDÃO de 12.11.2014, Relator Des. Eleitoral HAMILTON LANGARO DIPP, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 207, Data 14.11.2014, Página 02)

RECURSO CRIMINAL. INSCRIÇÃO ELEITORAL FRAUDULENTA. CÓDIGO ELEITORAL, ARTIGO 289. TIPO QUE NÃO EXIGE INTENÇÃO DE FRAUDAR COM FINALIDADE ESPECÍFICA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA.

1. O tipo do artigo 289 do Código Eleitoral não reclama nenhuma espécie de dolo específico para configuração do delito. A adequação típica conforma-se com a mera inscrição eleitoral mediante fraude, não havendo necessidade de qualquer finalidade eleitoral na conduta.

2. A inscrição eleitoral fraudulenta consuma-se no momento em que o agente insere as informações falsas no formulário de alistamento, não havendo se falar, no caso, de crime impossível, pois o batimento das inscrições pelo Tribunal Superior Eleitoral somente ocorreu às vésperas das eleições, em 26 de setembro de 2014, enquanto a consumação do delito ocorreu em 16 de março de 2012.

3. Recurso não provido.

(TRE/DF, RECURSO CRIMINAL (1ª INSTÂNCIA) n 1070, ACÓRDÃO n 7166 de 23.02.2017, Relator CARLOS EDUARDO MOREIRA ALVES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 044, Data 13.3.2017, Páginas 2-3)

Dessa forma, correto o juízo de primeiro grau ao reconhecer a materialidade e autoria do delito, devendo ser mantido o juízo condenatório.

Por fim, o pedido alternativo de redução da penalidade aplicada deve ser acolhido.

A pena base foi fixada em seu mínimo legal – 1 ano de reclusão – e foi elevada para 1 ano e 2 meses na etapa intermediária em razão da reincidência. Ocorre que, nesta fase, também deve ser reconhecida a confissão do acusado como causa atenuante, prevista no art. 65, inc. III, al. “d”, do Código Penal.

O Egrégio STJ possui entendimento consolidado no sentido de que, “quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, inc. III, al. "d", do Código Penal” (Súmula 545).

No caso, embora tenha negado que compareceu ao cartório para se inscrever eleitor, admitiu em juízo a posse do documento falso e sua efetiva apresentação ao chefe de cartório, declaração empregada na sentença para justificar a sua condenação.

Caracterizada a confissão, a atenuante deve ser compensada com a agravante da reincidência, mesmo quando se der em razão do mesmo crime anteriormente cometido, também conforme o entendimento pacífico do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. REINCIDÊNCIA. CONFISSÃO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A questão atinente à compensação entre a reincidência e a confissão espontânea foi pacificada no julgamento dos EREsp n.

1.154.752/RS e do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.

1.341.370/MT. No primeiro, julgado em 23.5.2012 (DJe 4.9.2012), a Terceira Seção deste Superior Tribunal fixou o entendimento de que, observadas as peculiaridades do caso concreto, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal".

2. A Terceira Seção desta Corte Superior reafirmou seu posicionamento, ao julgar o HC n. 365.963/SP (DJe 23.11.2017) e admitiu a possibilidade de compensação entre a reincidência específica e a confissão. 3. Ausentes fatos novos ou teses jurídicas diversas que permitam a análise do caso sob outro enfoque, deve ser mantida a decisão agravada.

4. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no REsp 1475884/RO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02.8.2018, DJE 09.8.2018)

 

De acordo com esses parâmetros, a pena intermediária deve ser fixada no mínimo legal, de 1 ano de reclusão. Sobre esta, incide a causa de redução pela tentativa, à razão de ½, tal como fez a sentença, resultando na pena definitiva de 06 meses de reclusão e multa no valor de 02 dias-multa, mantidas as demais determinações da decisão recorrida.

Por todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a pena aplicada para 06 meses de reclusão e multa de 02 dias-multa, mantidas as demais determinações da sentença.