E.Dcl. - 10534 - Sessão: 21/08/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Erechim (fls. 176-178) em face do acórdão das fls. 170 a 172 que reconheceu de ofício a nulidade da sentença, por ter aplicado ao partido político sanção não mais prevista em lei e deixado de determinar penalidade vigente para a desaprovação das contas.

Em suas razões, sustenta que o acórdão ofendeu o princípio da non reformatio in pejus, pois está anulando a sentença para aplicação futura de penalidade mais gravosa. Argumenta que o Tribunal somente pode se manifestar sobre a questão impugnada, por força do princípio dispositivo, havendo preclusão consumativa sobre as demais questões. Afirma que as matérias não objeto do recurso não são devolvidas ao Tribunal, que sobre elas não pode se manifestar. Requer a manifestação do Tribunal sobre as questões suscitadas e o prequestionamento dos arts. 2º, 141, 998, 1.010 e 1.013, todos do Código de Processo Civil.

É o relatório.

 

VOTO

O acórdão embargado anulou a sentença que, ao desaprovar as contas do PT de Erechim relativas ao exercício de 2016, aplicou penalidade de suspensão de repasse do Fundo Partidário, não obstante a Lei n. 13.165/15 tenha passado a prever a aplicação de multa de até 20% sobre a quantia irregular.

O embargante, destacando que apenas a agremiação recorreu da sentença, sustenta a ofensa ao princípio da non reformatio in pejus, ao princípio dispositivo e à preclusão consumativa, requerendo o prequestionamento dos arts. 2º, 141, 998, 1010 e 1013, todos do Código de Processo Civil.

Inicialmente, cumpre esclarecer que os princípios e dispositivos legais somente foram invocados por ocasião dos presentes embargos. Todavia, é possível dizer que essa inovação foi provocada pelo acórdão embargado que analisou a questão da nulidade da sentença, por provocação do parecer ministerial sobre o qual a agremiação não teve oportunidade de se manifestar antes do julgamento.

Em hipóteses tais, embora não se possa atribuir ao acórdão omissão, obscuridade ou contradição, admite-se o manejo dos embargos para provocar o enfrentamento dos temas suscitados pela parte, viabilizando, assim, o manejo do Recurso Especial.

Nesse sentido a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AIJE. DESCABIMENTO.1. Nos termos da jurisprudência do TSE, as decisões interlocutórias proferidas nas ações que seguem o rito da LC 64/90 são irrecorríveis isoladamente, podendo ser impugnado o seu conteúdo no recurso a ser interposto para o Tribunal ad quem da sentença que julgar a causa.2. Sendo manifestamente incabível o recurso especial, os demais recursos que se sucederam também não podem ser conhecidos.3. Na espécie, ainda que não houvesse tal óbice, o recurso não poderia ser conhecido por ausência de prequestionamento, porquanto o conhecimento do recurso especial que aponta violação legal surgida no próprio julgamento - mesmo na hipótese de error in procedendo -, pressupõe o preenchimento do requisito do prequestionamento. Se a matéria não foi apreciada pelo acórdão recorrido, caberia à parte interessada o manejo dos embargos de declaração visando obter manifestação expressa da Corte Regional sobre a questão federal controvertida. Precedentes do TSE e do STJ.4. Agravo Regimental não provido. (TSE, Agravo de Instrumento n. 231195, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, DJE: 30.5.2012.)

Feito esse esclarecimento para a admissão excepcional dos embargos, passo a apreciar os temas suscitados pelo embargante.

Em relação especificamente à alegada reformatio in pejus, não se pode concluir que a decisão causou prejuízo à parte, pois não se verifica de antemão que a multa de “até 20%” sobre o valor irregular representará uma quantia maior do que a representada pela suspensão do Fundo. Não se pode precisar quanto do Fundo Partidário será destinado ao órgão municipal, mas, certamente, a depender do valor, a multa de até 20% sobre o ilícito apurado pode ocasionar um ônus menor à agremiação.

No tocante à competência recursal do Tribunal, que é delineada pelos limites da impugnação da parte, a qual, nos dizeres do embargante, derivam do princípio dispositivo e da congruência (arts. 2º, 141 e 492 do Código de Processo Civil), cabe ter presente que os próprios dispositivos legais invocados pelo embargante – os quais materializam o princípio dispositivo – admitem a existência de matérias aptas a serem enfrentadas de ofício independentemente de provocação das partes:

Art. 2° O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

Uma dessas hipóteses é, exatamente, o reconhecimento de nulidade absoluta, contemplada no art. 278, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que dispensa manifestação das partes e, por consequência, afasta a preclusão, como se extrai da aludida norma:

Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.

Tais dispositivos conformam a compreensão do efeito devolutivo do recurso, sobre o qual se refere o art. 1013 do Código de Processo Civil (“a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”). A devolutividade do recurso alcança a matéria impugnada e também questões cuja análise não exige a iniciativa da parte, assim como comporta o próprio princípio dispositivo. Dentre as matérias de ordem pública apreciáveis de ofício encontra-se a nulidade.

Por fim, a viabilidade de desistência do recurso (art. 998 do Código de Processo Civil), expressão da sua voluntariedade, não tem aplicação ao caso, tendo em vista que a agremiação não desistiu da insurgência e nem o Tribunal negou essa possibilidade.

Dessa forma, este Tribunal, ao identificar que a decisão aplicou uma consequência não prevista em lei para a hipótese de desaprovação das contas, reconheceu a sua nulidade, por ser matéria de ordem pública que dispensa a iniciativa da parte tanto em primeiro quanto em segundo grau, determinando o retorno dos autos à origem para nova decisão a ser proferida com a observância da legislação em vigor, a qual não se pode afirmar que é mais gravosa ao partido.

Nenhuma ofensa houve, portanto, aos princípios e dispositivos invocados nos embargos.

 

DIANTE DO EXPOSTO, acolho os embargos, apenas para agregar ao acórdão embargado a fundamentação acima exposta.