RE - 2980 - Sessão: 17/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de CAXIAS DO SUL em face da sentença que desaprovou as contas do órgão partidário, referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude do recebimento de valores oriundos de detentores de cargos demissíveis ad nutum da Administração Pública e da ausência de identificação dos CPFs dos doadores nos extratos bancários, bem como determinou a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano e o recolhimento da quantia de R$ 111.542,60 ao Tesouro Nacional (fls. 256-259v.).

Em suas razões (fls. 262-274), a agremiação requer o recebimento do recurso no efeito suspensivo. Em preliminar, pugna pelo sobrestamento do feito até o julgamento da ADIn n. 5.494-DF pelo Supremo Tribunal Federal. Roga pela aplicação da nova Lei n. 13.488/17, com base no princípio da retroatividade da lei mais benéfica. No mérito, afirma que as doações são espontâneas e que a Constituição Federal assegura a filiação partidária do cidadão. Defende a inconstitucionalidade da expressão “autoridade” prevista no inciso II do artigo 31 da Lei n. 9.096/95. Assevera que as nomenclaturas dos cargos da Prefeitura de Caxias do Sul não traduzem a realidade fática, sendo as funções de coordenador, diretor e subprefeito meros assessoramentos. Alega que não ficou ciente de quais doadores estão sem identificação do CPF no extrato bancário visto que tal inconsistência não foi formalmente apresentada. Sustenta que o banco realizou um agrupamento sistêmico dos créditos, dificultando a identificação individual por meio dos CPFs. Ao final, requer o acolhimento da matéria preliminar e, no mérito, a aprovação das contas ou, alternativamente, com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade parcial da sentença, bem como pela possibilidade de julgamento imediato da questão alusiva ao recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia recebida de origem não identificada. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada (fls. 284-299).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

Do efeito suspensivo.

Relativamente ao pedido de recebimento do apelo no efeito suspensivo, destaco que o art. 62, inc. I, da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê a aplicação de sanções somente após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas.

Assim, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença em questão não gera qualquer restrição à esfera jurídica do partido, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso.

Com essas considerações, não conheço do pedido.

Passo ao exame das preliminares suscitadas.

Da nulidade da sentença.

Em prefacial, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que o magistrado a quo deixou de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional das receitas consideradas como de origem não identificada, em descompasso com a previsão do art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Apesar dos bem expostos argumentos, entendo que a preliminar deve ser rejeitada.

A sentença não fundamentou a irregularidade no reconhecimento de recursos de origem não identificada. Pelo contrário, a falha admitida limitou-se à ausência de identificação dos CPFs dos doadores nos extratos bancários. Houve, por outro lado, a conclusão expressa de que a origem das receitas foi aferida por meio dos demonstrativos e livros contábeis apresentados nas contas, afastando o ensejo à aplicação do art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Transcrevo o excerto pertinente da decisão recorrida (fl. 258):

Em que pese ter sido possível para a Unidade Técnica a identificação dos doadores e dos respectivos valores doados por meio dos demonstrativos e livros contábeis apresentados na prestação, a falta de identificação individualizada do CPF do doador nos extratos bancários fere a transparência e publicidade desta prestação de contas.

A questão apresentada, portanto, é diversa da circunstância em que o magistrado, ao expressamente consignar a existência de recursos de origem não identificada, deixa de determinar recolhimento dessa mesma importância ao Tesouro Nacional.

No presente caso, não se pode falar em receita dessa natureza, pois a falha apontada na sentença é representada pela incorreção na escrituração bancária dos dados e não pela omissão da fonte original dos recursos.

Assim, o juiz não silenciou sobre a aplicação de uma norma de ordem pública, mas interpretou os fatos, concluindo pela caracterização de irregularidade distinta daquela pretendida pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Nesse panorama, tratando-se de apelo interposto pelo prestador, entendo que o Tribunal está adstrito tanto ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum quanto à vedação da reformatio em pejus, sendo incabível reanalisar a natureza atribuída pelo convencimento do julgador monocrático, sem o aviamento do adequado recurso pelo Ministério Público Eleitoral, a obstaculizar os efeitos da preclusão sobre a matéria.

Com essas considerações, rejeito a prefacial suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Do sobrestamento do feito.

O recorrente requer o sobrestamento do feito até o julgamento da ADIn n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República (PR), em face da expressão “autoridade”, contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Contudo, o Egrégio STF, em decisão de 13.6.2018, julgou extinto o referido processo, diante da perda superveniente do objeto, tendo em vista a revogação do dispositivo impugnado pela Lei n. 13.488/17, sem adentrar no mérito da questão.

Desse modo, diante da extinção da ação abstrata de inconstitucionalidade, não conheço do pedido de sobrestamento em razão de sua perda de objeto.

A questão atinente à aplicação da legislação mais benéfica, suscitada em preliminar pelo recorrente, a fim de que as doações sejam analisadas sob o prisma da Lei n. 13.488/17, perpassa o próprio mérito do recurso, razão pela qual será adiante analisada.

Do mérito.

No aspecto fático, o órgão de análise técnica identificou o recebimento de doações procedentes de detentores de cargos demissíveis ad nutum na Prefeitura Municipal de Caxias do Sul, conforme relacionado às folhas 181-184 dos autos, em infringência ao art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Inicialmente, tendo por base o princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Contudo, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, prevalecendo os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.
(...)
3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.
4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)
6. Provimento parcial.
(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade) Grifei.

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Deve, então, ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador.

O recorrente alega, ainda, a inconstitucionalidade do termo “autoridade” posto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original, que também está reproduzido no art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Impende ressaltar que os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso, seja em controle concentrado.

Como alhures observado, a ADIn n. 5494, que discutia a constitucionalidade da referida disposição, foi extinta sem resolução do mérito em 15.6.2018, por decisão proferida pelo Relator, Ministro Luiz Fux, publicada no DJe n. 119/2018, diante da perda do objeto, tendo em vista a revogação superveniente do ato normativo impugnado.

Vê-se, portanto, que não há espécie de pronunciamento vinculante da Corte Suprema sobre o tema. Desse modo, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

Em juízo de controle difuso da compatibilidade vertical das normas, igualmente, não verifico indicativos de inconstitucionalidade do preceito.

Rememoro que, no âmbito do TSE, ao ponderar sobre o elemento finalístico da norma em comento, em resposta à Consulta n. 1428, o Ministro Cezar Peluso, relator, assim se posicionou:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.
(…)
Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Com efeito, a vedação não tem outro objetivo exceto o de obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a proibição busca justamente garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a patrimonialização das posições públicas pela distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana.

Desse modo, não prospera a alegação de inconstitucionalidade.

No conceito de autoridade pública referido na norma inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, alhures mencionada, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.
Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.
(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, p. 172) (Grifei.)

Tal entendimento foi reproduzido na Resolução TSE n. 23.432/14, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2015, analisado neste feito, verbis:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

XII – autoridades públicas;

(…)

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(…) Grifei.

No mais, ao contrário do que sustenta a agremiação, a vedação é objetiva, sendo indiferente o fato de os doadores possuírem patrimônio anterior ao cargo ou outras fontes de renda. Primeiro, tal ressalva não é feita pela norma de regência; segundo, não é possível individualizar a origem da renda utilizada nas doações.

Do mesmo modo, a percepção de proventos decorrentes do cargo público por quem já possui outra fonte de rendimentos confere a esses doadores maiores e melhores condições de realizar doações em razão da majoração da renda propiciada pelo cargo público. Assim, a máquina partidária pode acabar sendo alimentada com os recursos de origem pública, justificando ainda mais a norma proibitiva.

Em sequência, o recorrente sustenta que as doações são consideradas lícitas no período eleitoral, de acordo com as previsões da Resolução TSE n. 23.463/15, não havendo congruência ou justificativa, no seu entender, para a subsistência da vedação fora desse tempo. Como fundamento de seu argumento, vale-se da decisão proferida na Consulta n. 89-73, deste Tribunal.

Ocorre que a Resolução TSE n. 23.463/15 é inaplicável na hipótese por regulamentar a arrecadação de valores para o propósito específico de financiamento de campanhas eleitorais em período próprio. Aqui, por outro lado, examina-se exercício financeiro, contemplando as arrecadações e gastos ordinários da agremiação.

Na Consulta invocada, o ilustre Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes consignou expressamente esse entendimento acerca da necessária diferenciação. Vejamos:

Tendo em vista a existência de um regramento específico para as contas de campanha (de partidos políticos e candidatos), e outro para as contas anuais dos partidos (de exercício financeiro), o TSE estabeleceu, no art. 1º, § 1º, da Res. TSE n. 23.463/15, que a aplicação da resolução específica das contas de campanha restringe-se ao período eleitoral. Fora desse interregno de tempo, os recursos arrecadados pelos partidos políticos são regulados pela resolução que trata das finanças e contabilidade partidárias.
[…]
A divergência de hipóteses de fontes vedadas não foi estabelecida ao acaso, merecendo apontar que as resoluções de campanha e de exercício financeiro foram editadas na mesma composição do TSE e quase na mesma data: a Res. TSE n. 23.463/15 foi publicada pelo TSE no dia 15.12.2015 e a Res. TSE n. 23.464/15 em 17.12.2015.
A diferença de proibições é histórica e explica-se porque a previsão de fontes vedadas de arrecadação para campanhas e para o exercício financeiro dos partidos políticos não é idêntica, uma vez que a matéria é regulamentada por legislações diferentes.
A arrecadação de recursos para campanhas tem como base normativa a Lei das Eleições, enquanto que os recursos partidários são regidos pela Lei dos Partidos Políticos.
Especificamente quanto aos recursos repassados por autoridades, verifica-se que as resoluções do TSE que regulamentaram as prestações de contas das eleições de 2006, 2008, 2010, 2012 e de 2014, tal qual a resolução da eleição de 2016, não previam como fonte vedada o repasse de recursos de autoridades, proibição estabelecida aos partidos políticos desde 1995 pelo art. 31, inciso II, da Lei n. 9.096/95.
Assim, nada obstante a posição da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que para as campanhas eleitorais devem ser aplicadas, por analogia, as vedações previstas na normatização específica das contas das agremiações partidárias, penso que não há como fazer equiparação, tendo em vista a existência de previsão normativa própria para campanhas eleitorais, a qual é, historicamente, diversa da regulamentação financeira dos partidos, e a consideração de que, em se tratando de norma restritiva e de caráter sancionatório, a interpretação deve ser restritiva, e nunca extensiva.

Como esclarecido, a matéria é regulamentada por legislações diferentes, não cabendo a postulação de aplicação de outra norma no caso dos autos, senão a Resolução TSE n. 23.464/15.

Cumpre, ainda, afastar a alegação do prestador de contas no sentido de que as contribuições são lícitas porque autorizadas pelo Estatuto do Partido.

O fato de haver imposição estatutária de doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos regular, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, tendo relevo, no caso concreto, o rol constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.432/14. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido ou inviabiliza o seu funcionamento, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos mediante diversos outros meios não proibidos pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

Por fim, a agremiação partidária afirma, em seu recurso, que a mera nomenclatura dos cargos para fins organizacionais não traduz a realidade fática e que os cargos de coordenador, diretor e subprefeito são, na verdade, funções de mero assessoramento, as quais não deveriam constar no apontamento.

Razão não assiste à recorrente.

O rol de fontes vedadas resultou da comparação entre a relação de contribuintes, declarada pela agremiação, e as informações constantes no Sistema Prestcon. Esse sistema foi alimentado com dados oriundos da própria Prefeitura de Caxias do Sul, por meio do Ofício-Circular n. 048/2016-SMRHL-Gab, no qual o ente político respondeu à indagação da Justiça Eleitoral relativa às pessoas ocupantes de cargos de chefia e direção durante o exercício financeiro em tela.

Assim, considerando que, nos termos do art. 37, inc. V, da CF/88, os cargos comissionados e as funções de confiança existentes na administração pública são apenas para desempenho de três funções, direção, chefia ou assessoramento, devem ser admitidas a veracidade e a legitimidade dos dados fornecidos pela municipalidade.

Outrossim, conforme entendimento remansoso deste Regional, a caracterização da ilicitude dos recursos decorre da própria designação do cargo investido. Assim, a dilação instrutória é necessária apenas para demonstrar que a presunção resultante do enquadramento não corresponde à realidade das atribuições.

Portanto, o ônus da prova caberia ao interessado, que não se desincumbiu a contento, pois não acostou documento ou diploma legal capaz de demonstrar que as atribuições dos cargos não consistem em chefia, coordenação ou direção de pessoas ou atividades.

Logo, deve ser considerada como proveniente de fonte vedada a quantia de R$ 111.542,60, procedente exclusivamente de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, impondo-se o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

A segunda irregularidade observada diz respeito à existência de depósitos bancárias não identificados pelo CPF do doador e de rubricas genéricas nos extratos bancários, em infração ao disposto no art. 7º da Resolução TSE n. 23.432/14, que reproduzo:

Art. 7º As contas bancárias somente poderão receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do doador ou contribuinte.

A questão encontra-se devidamente descrita e fundamentada no parecer de exame das contas (item 3 da fl. 184). Igualmente, perscrutando-se os extratos colacionados às folhas 64-129, percebe-se claramente a falha em todo o conjunto da movimentação financeira apresentada nos documentos. Portanto, não deve ser acolhido o argumento de que o Diretório não teve ciência sobre quais os doadores utilizados de base para o apontamento, posto que a amplitude da incorreção tornaria essa pormenorização redundante e desnecessária.

Outrossim, o Diretório Municipal assevera que houve um equívoco da instituição bancária que promoveu “um agrupamento sistêmico, dificultando a identificação individual pela agremiação dos valores, através do CPF”.

Ora, não pode o partido pretender transferir o dever de lisura e de transparência em suas movimentações financeiras a terceiros. Ainda que existente equívoco nos serviços da agência bancária, cumpriria ao prestador buscar eventuais extratos, certidões ou comprovantes complementares a fim de demonstrar que todos os créditos ocorreram, originalmente, de forma identificada, o que não se vislumbra nos autos.

Em relação à suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário em decorrência do recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/97, este Tribunal, admite a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na dosimetria da sanção, na esteira da jurisprudência consolidada do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.
1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.
2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.
3. Agravo regimental não provido
(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data: 19.9.2013, p. 71). Grifei.

No caso dos autos, o valor recebido de fonte vedada representa 47% dos recursos financeiros arrecadados pelo Diretório Municipal em 2015 (R$ 234.502,20). Dessa forma, entendo proporcional a readequação da penalidade de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para o período de 04 meses.

Ante o exposto, VOTO pelo afastamento da matéria preliminar e pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 04 meses.