RE - 20659 - Sessão: 05/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LETICIA BASCHI ZEHETMEIYER, concorrente ao cargo de vereador no Município de Arroio do Padre, por ocasião das eleições municipais de 2016, contra sentença do Juízo da 34ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas de campanha em face da não abertura de conta bancária, da ausência de juntada de recibos eleitorais, da não localização de despesas atinentes aos serviços jurídicos e contábeis e da falta de comprovação da propriedade de veículo automotor (fls. 52-53).

Em suas razões recursais (fls. 59-86), alega ser desnecessária a abertura de conta-corrente, pois facultativa em municípios onde não haja agência ou posto de atendimento bancário. Sustenta, também, que os serviços advocatícios e contábeis lhe foram doados. Ainda, alega que o automóvel é de sua propriedade. Requer a juntada de documentos e a final aprovação das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso (fls. 91-96).

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR

Preliminarmente, cumpre registrar a viabilidade dos documentos apresentados com o recurso, conforme entendimento pacífico deste Tribunal.

Sobre o tema, adoto como razões de decidir os fundamentos expostos pelo Des. Eleitoral Jamil Bannura no RE n. 386-26, julgado em 25.7.2017:

Não olvido de julgados do egrégio TSE no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber, DJE de 31.10.2016). Contudo, entendo que o rigorismo da preclusão deve ser mitigado em favor do esclarecimento dos fatos.

Decerto, a aferição e fiscalização contábil das contas dos candidatos em campanhas eleitorais, com o máximo de subsídios possíveis, caminha ao encontro do interesse público e da missão institucional da Justiça Eleitoral na garantia da legitimidade do processo eleitoral.

Nesse trilhar principiológico, o STJ tem admitido a juntada de documentos probatórios, em sede de apelação, desde que não sejam indispensáveis à propositura da ação, seja garantido o contraditório e ausente qualquer indício de má-fé (REsp 1.176.440-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17.9.2013; REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.9.2011).

Na seara eleitoral própria, o posicionamento encontra supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Regional, convindo transcrever ementa da seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

Dessa forma, por se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, entendo adequada a juntada dos novos documentos com o recurso.

 

MÉRITO

Passando ao mérito, as contas foram desaprovadas em razão de: (a) ausência de abertura de conta bancária; (b) não localização de despesas atinentes aos serviços jurídicos e contábeis; (c) falta de comprovação da propriedade de veículo automotor, bem como do termo de doação; e (d) ausência de juntada de recibos eleitorais.

Relativamente à primeira suposta falha, estabelece o art. 7º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2016:

Art. 7º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil.

[...]

§ 4º A obrigatoriedade de abertura de conta bancária eleitoral prevista no caput não se aplica às candidaturas em municípios onde não haja agência bancária ou posto de atendimento bancário (Lei n. 9.504/1997, art. 22, § 2º). (Grifei.)

Em face dos documentos coligidos às folhas 85 e 98 dos presentes autos, que dão conta da inexistência de agência ou posto de atendimento bancário no Município de Arroio do Padre, a abertura de conta-corrente por parte da recorrente não era necessária.

Não subsiste, portanto, a apontada imperfeição.

No tocante à segunda hipotética falha, transcrevo o disposto no art. 29, § 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 29. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[…]

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual. (Incluído pela Resolução n. 23.470/16.) (Grifei.)

Verifica-se que as despesas de candidato com advogado e contador não constituem gastos eleitorais.

Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DIVERGÊNCIA NOS DADOS BANCÁRIOS. OMISSÃO DE DESPESAS COM SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS E CONTÁBEIS. ESCLARECIDAS AS FALHAS APONTADAS. EVIDENCIADA A BOA-FÉ DO PRESTADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar de nulidade da sentença. 1.1. Decisão adequadamente fundamentada, em conformidade com os requisitos do art. 489 do Código de Processo Civil. Conclusão pela existência de irregularidades no lançamento contábil, com base nos apontamentos do parecer técnico.

2. Recebimento de recurso de origem não identificada. Demonstrado o uso de veículo próprio na campanha eleitoral. Identificação da origem da doação de materiais publicitários como sendo provenientes do órgão partidário. Esclarecimentos suficientes para comprovar a origem das receitas e a licitude dos gastos eleitorais.

3. Divergência nos dados bancários. Equívoco no registro do número da conta, com exclusão de um dígito. Erro material incapaz de comprometer a confiabilidade das contas.

4. Omissão de receitas e gastos eleitorais. Pacífica a jurisprudência no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processos jurisdicionais não são considerados gastos eleitorais de campanha. Utilização dos serviços apenas por ocasião da entrega das contas.

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, Processo RE – 38465, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, sessão de 10.05.2018.) (Grifei.)

Logo, a inexistência de documentação de despesas com serviços advocatícios e contábeis em processo de prestação de contas de campanha não configura irregularidade, em face de não constituírem gastos eleitorais.

Quanto à terceira impropriedade, ensejadora da desaprovação de contas, a documentação que acompanhou a peça recursal mostra-se apta ao pleno esclarecimento da questão.

Restou comprovado, pela cópia do certificado de licenciamento e registro de veículo (fl. 84), que o automóvel utilizado na campanha eleitoral é bem de propriedade da própria recorrente.

Ainda neste ponto, foi juntado, às fls. 82-83, o contrato de comodato do referido veículo automotor, no qual as figuras de comodante e comodatário fundem-se na pessoa da candidata recorrente.

Afasta-se, portanto, a irregularidade consistente na omissão de informações apontada na sentença, em face da apresentação, em sede de recurso, de comprovante de propriedade do automóvel e de instrumento de cessão relativo àquele bem.

Por derradeiro, no que concerne ao último ponto acoimado de irregularidade pelo magistrado de piso – ausência de apresentação de recibos eleitorais –, restou sanado, mediante a juntada dos oito recibos eleitorais, devidamente numerados, às fls. 67, 69, 71, 73, 75, 77,78 e 80 dos presentes autos.

Os recibos n. 8 (fl. 67), 7 (fl. 69), 4 (fl. 71), 2 (fl. 73) e 1 (fl. 75) representam doações financeiras realizadas pela própria candidata à sua campanha, totalizando R$ 1.239,55.

O recibo n. 6 (fl. 77), no montante de R$ 150,00, refere-se a serviços advocatícios estimáveis em dinheiro, prestados por Aline Lourenço Ornel, advogada da candidata. Igualmente, o recibo n. 5 (fl. 78), no valor de R$ 150,00, demonstra a doação estimável em dinheiro concernente a serviços de contabilidade, prestados por Adriane Kovalski Ucker, contadora da recorrente.

Já o recibo n. 3 (fl. 80) revela doação estimável em dinheiro consistente na cessão temporária de bem – automóvel –, no valor de R$ 300,00 , realizada pela candidata em favor de sua campanha.

Os recibos demonstram, assim, o aporte de R$ 1.839,55 à campanha eleitoral da recorrente, em integral convergência com o apresentado no extrato da prestação de contas final.

Em vista de as falhas verificadas nos presentes autos não comprometerem a regularidade das contas, merecem estas ser aprovadas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau, para aprovar com ressalvas as contas.