RE - 5389 - Sessão: 11/10/2018 às 10:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB) de TRAMANDAÍ, por ANTONIO DA SILVEIRA RODRIGUES e ENIO JOSÉ DICK contra sentença da 110ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da grei referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude da arrecadação de recursos de fontes vedadas e de origem não identificada, determinando o recolhimento da importância de R$ 81.314,91 ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano (fls. 1109-1110).

Em seu recurso (fls. 1118-1124), sustentam que as contas foram parcialmente reprovadas, uma vez que o montante arrecadado alcança a quantia de R$ 158.524,12, e a importância considerada irregular, no somatório de R$ 81.314,91, representa 50,98% desses recursos. Invocam a aplicação do princípio da proporcionalidade, com arrimo no art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95. Quanto aos valores provenientes de fonte vedada, esclarecem que o partido seguiu a orientação do Diretório Estadual que, pela Resolução n. 01/06, tornou obrigatória a contribuição financeira de detentores de cargos comissionados, sendo que a previsão foi posteriormente ratificada pelo estatuto da agremiação. Alegam que o TSE conceituou autoridades públicas, por meio da inclusão do § 2º ao art. 12 da Resolução n. 23.432 somente em 2014, e que o tema é fonte de dúvidas e controvérsias. Aduzem que, acaso se admita a validade da resolução, ela somente poderia vigorar a partir de 23.9.2015, quando houve manifestação do TRE. Postulam a concessão de efeito suspensivo ao processo; o provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida, com a aprovação das contas; a exclusão da determinação de devolução das quantias arrecadadas antes de 23.9.2015. Sucessivamente, requerem a redução equitativa da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

Com contrarrazões (fls. 1128-1132), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso, a fim de que seja mantida a desaprovação das contas e determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 92.962,91 (noventa e dois mil novecentos e sessenta e dois reais e noventa e um centavos), correspondendo aos recursos oriundos de fontes vedadas, e de R$ 60,00 (sessenta reais) referentes ao montante de origem não identificada; e b) mantida a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano, nos termos do art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95, c/c arts. 46, inc. II, e 48, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 1137-1143).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Inicialmente, registro que este feito já foi examinado neste Tribunal no acórdão das fls. 1100-1102v., oportunidade na qual foi anulada a sentença e determinada a prolação de nova decisão, observando-se as disposições legais vigentes no tempo do exercício financeiro ao qual se referem as contas.

Com o retorno dos autos à origem, nova sentença foi proferida às fls. 1109-1110, mantendo o entendimento pela desaprovação das contas, determinando o recolhimento da importância de R$ 81.314,91 ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano.

Com relação ao pedido de recebimento do recurso no efeito suspensivo, destaco que o art. 62, inc. I, da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê a aplicação de sanções apenas após o trânsito em julgado da decisão sobre as contas.

Assim, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença em questão não gera qualquer restrição à esfera jurídica do partido, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso.

Com essas considerações, não conheço do pedido preliminar.

Antes de adentrar no mérito do feito, destaco que esta Corte, em 12.12.2017, definiu que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. 6. Provimento parcialArt. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(RE 14-97, Relator Des. Eleitoral Luciano Andre Losekann.) (Grifei.)

 

Dessarte, passo ao mérito da contabilidade seguindo esse entendimento.

Com efeito, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

[...]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, haja vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos com potencial para malferir a paridade de armas entre os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Nesse sentido, sobreveio a Resolução TSE n. 23.432/14, que, em seu art. 12, inc. XII e § 2º, disciplinou o assunto:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

XII – autoridades públicas; (…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Logo, a vedação imposta pela referida Resolução do TSE não tem outro objetivo que não obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra o abuso de autoridade e do poder econômico.

Assim, mesmo que se admita, em tese, que no exercício de 2015 não havia definição legal acerca do conceito de autoridade, pelo menos desde 2007, quando da publicação da resposta à Consulta n. 1428, o Tribunal Superior Eleitoral já estabeleceu que não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que é o caso dos autos.

E a jurisprudência deste Regional seguia o mesmo entendimento, consoante colacionado no julgado que segue, lavrado em 2012:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 1997, ACÓRDÃO de 30.07.2012, Relator Des. Eleitoral EDUARDO KOTHE WERLANG, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 138, Data 01.08.2012, Página 4.) (Grifei.)

Ademais, impende salientar que a invocação do diploma normativo partidário não afasta a irregularidade, pois as regras sobre finanças partidárias impõem limites à autonomia partidária, e a Justiça Eleitoral possui competência para examinar as contas e verificar a retidão no recebimento de receitas e na aplicação dos recursos recebidos.

Além disso, cabe observar que a ADI n. 5494, que discutia a constitucionalidade da referida disposição, foi extinta sem resolução do mérito em 15.6.2018, por decisão proferida pelo Relator, Ministro Luiz Fux, publicada no DJE n. 119/2018, diante da perda do objeto, tendo em vista a revogação superveniente do ato normativo impugnado.

Na situação em análise, os recursos objeto de apontamento são provenientes de detentores de cargos de chefia e coordenação, todos considerados fonte vedada, nos termos da argumentação explicitada. Ressalto que as receitas oriundas de detentores de função de assessoramento e agentes políticos foram excluídas do cálculo (fl. 1096), em atenção ao entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito deste Tribunal.

Nesse sentido:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de vereador. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo vereador. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas. Provimento.

(TRE-RS - RE: 1393 BENJAMIN CONSTANT DO SUL - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 06.12.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 221, Data 11.12.2017, Página 13.) (Grifei.)

Assim, os argumentos lançados pelos recorrentes não são suficientes para alterar a conclusão pela desaprovação das contas, nem a determinação de recolhimento da quantia arrecadada de forma irregular ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Isso porque a quantia irregular representa 50,97% dos recursos arrecadados, o que compromete de forma substancial a transparência do exame contábil, impedindo a adoção dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas, ainda que com ressalvas.

Todavia, no tocante ao período de suspensão do repasse das verbas do Fundo Partidário, pondero que a jurisprudência firmou-se no sentido da fixação proporcional da sanção:

Prestação de contas de campanha. Partido político. Exercício financeiro de 2008.

1. A ausência de comprovação de verbas originárias do Fundo Partidário e a existência de recurso de origem não identificada configuram irregularidades capazes de ensejar a desaprovação das contas.

2. O agravante recebeu do Fundo Partidário o montante de R$ 222.808,17 e as irregularidades das receitas oriundas deste totalizaram R$ 29.885,94, o que equivale a 13,41% do montante total dos recursos arrecadados, além de ter sido registrada a existência de falha, no valor de R$ 15.240,39, referente a recursos de origem não identificada, o que revela que a suspensão do repasse das quotas do Fundo pelo período de seis meses é razoável e não contraria o art. 30, § 2º, da Lei 9.096/95.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 378116, Acórdão de 07.11.2013, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 228, Data 29.11.2013, Página 15)

 

Recurso. Prestação de contas de partido. Diretório Municipal. Artigos 10 e 11 da Res. TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Desaprovam-se as contas quando verificada a utilização de recursos com origem não identificada e não apresentados os livros contábeis obrigatórios, impedindo a fiscalização da escrituração pela Justiça Eleitoral.

Redução da fixação da suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral nº 3489, Acórdão de 10.07.2014, Relator(a) DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 16.07.2014, Página 2.)

No caso, considerando o valor recebido e o porte da agremiação, entendo que o período de suspensão do repasse deve ser reduzido ao prazo de 04 (quatro) meses.

Ante o exposto, afastada a preliminar, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para diminuir o período de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para 04 (quatro) meses, mantendo os demais termos da sentença.