RC - 267560 - Sessão: 27/08/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo Eleitoral da 11ª Zona, que julgou improcedente a denúncia oferecida em desfavor de JOSÉ ROQUE ARENHARDT, pela suposta prática do delito de falsidade ideológica, tipificado no art. 350 do Código Eleitoral, em razão do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 04 de novembro de 2008, na 11ª Zona Eleitoral de São Sebastião do Caí, RS, o denunciado JOSÉ ROQUE ARENHARDT omitiu, em sua prestação de contas eleitoral, declaração que dela devia constar, para fins eleitorais.

Na ocasião, o denunciado omitiu em sua prestação de contas eleitorais do ano de 2008 (cópia das fls. 310 a 336), quando concorreu a Vereador na Cidade de Portão, que tomou dinheiro emprestado de Vercedino da Silva para usar em sua campanha.

A denúncia foi recebida em 21.5.2010 (fl. 141) e citado o denunciado (fl. 162), o qual apresentou defesa (fls. 164-172).

Foi realizada a audiência de instrução (fls. 230-231) e apresentados memoriais (fls. 301-307 e 307-309).

A sentença julgou improcedente o pedido da denúncia, entendendo que omissão de gastos na prestação de contas não apresenta finalidade eleitoral, apta a caracterizar o crime em espécie (fls. 311-317).

Interposto recurso pelo Ministério Público Eleitoral, este Tribunal manteve o juízo de improcedência, entendendo que eventuais omissões na prestação de contas não teriam finalidade eleitoral, pois já encerrada a campanha e as eleições no momento da apresentação da contabilidade (fls. 347-350).

Interposto Recurso Especial pela Procuradoria Regional Eleitoral, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, entendendo que a falsidade na prestação de contas pode ter finalidade eleitoral, apta a caracterizar o delito do art. 350 do Código Eleitoral, determinou o retorno dos autos a este TRE para que analise o fato de acordo com o entendimento firmado pela Corte Superior.

Novamente nesta instância, as partes foram intimadas do retorno dos autos, mantendo-se silente o acusado (fl. 490) e reiterando o Ministério Público os termos da sua manifestação anterior (fl. 486).

É o relatório.

VOTO

Versam os autos sobre a possível prática do crime de falsidade ideológica eleitoral por José Arenhardt, candidato à Vereador no Município de Portão no pleito de 2008, mediante a omissão de recursos na sua prestação de contas. O fato é assim descrito na denúncia:

No dia 04 de novembro de 2008, na 11ª Zona Eleitoral de São Sebastião do Caí, RS, o denunciado JOSÉ ROQUE ARENHARDT omitiu, em sua prestação de contas eleitoral, declaração que dela devia constar, para fins eleitorais.

Na ocasião, o denunciado omitiu em sua prestação de contas eleitorais do ano de 2008 (cópia das fls. 310 a 336), quando concorreu a Vereador na Cidade de Portão, que tomou dinheiro emprestado de Vercedino da Silva para usar em sua campanha.

O delito no qual teria incorrido o acusado está tipificado no art. 350 do Código Eleitoral nos seguintes termos:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Este Tribunal Regional julgou improcedente o pedido formulado na denúncia, concluindo que a falsidade das informações inseridas na prestação de contas de campanha não configura o tipo sob análise, pois ausente o elemento subjetivo do tipo, consistente na finalidade eleitoral da conduta. Esta Corte entendeu que os atos praticados após a realização da eleição não teriam essa finalidade específica, pois incapazes de gerar efeitos sobre o pleito.

Ao julgar o Recurso Especial, entretanto, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral concluiu que “o fato de a prestação de contas ser cronologicamente posterior às eleições não afasta por si só a finalidade eleitoral da conduta”, pois as contas de campanha integram uma das etapas do processo eleitoral e o candidato pode ter interesse em omitir recursos ou despesas de campanha com a finalidade de garantir vantagem eleitoral, como ocorre, por exemplo, no “caixa-dois”.

Determinou-se, então, o retorno dos autos a este Tribunal para, nos dizeres do relator, Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho, “novo julgamento, analisando-se, neste caso específico, possível configuração do crime de falsidade ideológica eleitoral decorrente da eventual conduta de omissão de informações na prestação de contas de campanha” (fl. 463).

As provas dos autos mostram que o acusado José Roque Arenhardt efetivamente tomou dinheiro emprestado de Vercidino da Silva, suposto agiota de Portão, para empregá-lo em sua campanha eleitoral.

Em meio a uma investigação para apurar possível lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, foi interceptada uma conversa telefônica no dia 23.6.09 entre o acusado José Roque e Sérgio, na qual o candidato admite ter pegado dinheiro emprestado com Vercidino para sua campanha (fl. 63):

R – não, agora é o seguinte. A gente sabe, ô, Sérgio, que...agora eu entendo assim que quem dá dinheiro a juro é...seria crime dos dois lado.

S – é…

R – é que assim, ó, infelizmente...eu vou te contar, eu já peguei né, eu pego...peguei do Vercedino na campanha! Fazer o que? Eu precisei e peguei. Só que ele me cobrou um pouquinho menos, sabe assim, porque a gente tem uma ligação, e ele tinha interesse que eu ganhava a eleição, nós somo amigo, enfim, né...mas ah...a gente pega, então, como é que eu vou te dizer...não é um crime porque eu peguei. Não cometi crime, eu precisei. É um mal necessário, tanto é que o banco dá, né, Serginho!

Embora a testemunha Vercidino confirme que sempre emprestou dinheiro para José Roque, apenas deu certeza do empréstimo realizado em 2006, não sabendo dizer se emprestou dinheiro em 2008, ano da campanha a que supostamente se referia o acusado.

Em seu interrogatório José Roque negou ter tomado empréstimo em 2008, afirmando que apenas solicitou ajuda financeira a Vercidino no ano de 2006, em razão de seu divórcio.

A negativa de José Roque não se mostra plausível. Confrontado com a degravação, o acusado reafirmou ter tomado empréstimo apenas para seu divórcio em 2006 e disse que se confundiu ao falar em “campanha”, pois queria dizer “separação” (fl. 266v.):

Juíza: ta, o que que o senhor quis mencionar com “campanha” aqui:

Réu: agora assim oh, o que que tá aí acontecendo. Nessa época foi campanha, era época de campanha nessa época aí, eu não lembro de ter dito essa palavra doutora, mas se eu falei essa palavra, na campanha, é porque era época de campanha então de repente eu me expressei né, mas eu peguei na separação eu peguei, e daí isso aqui ó, era época de eleição e separação […].

Todavia, a justificativa não convence, pois caso se tratasse de uma simples confusão de palavras, nada justificaria a afirmação seguinte realizada no diálogo de que Vercidino “tinha interesse que eu ganhava a eleição”. Tal assertiva confirma que o termo “campanha” efetivamente se referia à disputa eleitoral, e não ao divórcio do acusado.

Por outro lado, o testemunho de Vercidino confirmou a preferência pela eleição de José Roque, pois era o único Vereador que adquiria produtos em seu mercado, sentindo-se “obrigado” a votar nele (fl. 264v.):

Depoente: O interesse que eu tenho que ele ganhe a eleição, eu tinha um mercado tá, se é que ele diz isso, isso é um problema dele. Eu tinha um mercado tá, fiquei com 4 anos o meu mercado e numa outra eleição, (…) tinha 70, 100 candidatos, o único candidato na época que comprava no meu mercado e mandava os filhos dele comprá foi ele, então nessa época eu tinha obrigação, eu me sentia quase que na obrigação de votá pra ele porque ele era meu cliente único de todos vereador [...]

O testemunho de Vercidino justifica a afirmação de José Roque de que a testemunha tinha interesse em sua eleição e explica que a preferência se deu em razão das compras realizadas pelo acusado quando era “candidato”. A um só tempo confirma a veracidade das afirmações feitas no diálogo degravado e aponta para o fato de que efetivamente João Roque se referia ao pleito de 2008, ano de eleições Municipais.

Assim, merece confiança a afirmação realizada por José Roque de que assumiu empréstimo perante Vercidino para a campanha de 2008, pois o contexto do diálogo mostra-se coerente com a prova testemunhal e a negativa do acusado não se mostra plausível.

Não há dúvidas também de que o candidato José Roque não atribuiu nenhuma das doações em favor de sua campanha ao seu credor, Vercidino. Cópia da prestação de contas juntada aos autos mostra apenas o registro de receitas oriundas do próprio candidato, do diretório Municipal e de outros candidatos (fl. 28).

Todavia, a prova do empréstimo para a campanha e a ausência do nome de Vercidino como doador oficial, únicos elementos verdadeiramente comprovados nos autos, não evidenciam a presença do dolo do agente, a consciência e vontade de omitir tais valores na prestação de contas.

A respeito do dolo no tipo penal em análise, leciona Rui Stoco:

Para que ocorra o crime o sujeito ativo deve estar consciente de que está praticando o falso ideológico, segundo a descrição da norma.

O tipo subjetivo é o dolo.

Portanto, o elemento subjetivo do tipo está na intenção livre de falsificar, com a perfeita noção da reprovabilidade do ato. Essa intenção está expressa no dolo, enquanto vontade e deliberação, como ocorre nas demais figuras de falso já estudadas (Legislação Eleitoral Interpretada, 4ºed., 2012, p. 713)

Tanto o diálogo degravado quanto a prova oral colhida na instrução são consistentes em indicar que houve um empréstimo, ou seja, a disponibilização de um valor para José Roque, o qual foi restituído a Vercidino. O candidato afirma que Vercidino “cobrou um pouquinho menos”, e o credor confirmou em juízo que os valores alcançados a José Roque sempre foram pagos.

Os autos indicam que ambos acertaram verdadeiro mútuo, distinto da natureza da doação, em que o valor é transferido em definitivo para a campanha do candidato, sem pretensão de restituição futura.

Assim, é possível que José Roque tenha assumido empréstimo a título pessoal e doado tais recursos para sua campanha em seu próprio nome. Na prestação de contas há registro de três doações realizadas pelo candidato acusado, no valor total de R$ 2.201,80, os quais podem ter se originado do empréstimo obtido com Vercidino.

Nada nos autos indica de forma concreta que o montante obtido de Vercidino tenha ficado de fora das anotações nas contas do candidato.

Em primeiro lugar, não há qualquer evidência a respeito do valor que Vercidino passou para José Roque, restando sem esclarecimento algum esse importante elemento para a devida compreensão dos fatos.

Em segundo lugar, não há indícios de que a campanha tenha apresentado um volume de investimento incompatível com aqueles oficialmente registrados. Não há também o testemunho de pessoas que tenham produzido material ou trabalhado na campanha de maneira informal, o que poderia demonstrar o emprego de recursos não contabilizados, indicando uma verdadeira omissão de recursos e gastos de campanha.

Ademais, Vercidino, em nenhum momento afirma que tenha doado valor para a campanha. Ao contrário, confirmou ter concedido empréstimos a José Roque, sem saber para que seriam destinados, afirmando ainda que todos foram adimplidos.

A Resolução TSE n. 22.715/08, que regulamentava a prestação de contas para o pleito de 2008, não tinha dispositivo relativo à identificação do doador originário. Apenas com o gradual reconhecimento da importância das contas de campanha, as Resoluções do TSE têm implementado mecanismos para identificar doadores ocultos, impondo a identificação de eventuais doadores originários.

Assim, não se extrai dos autos que o empréstimo de Vercidino tenha sido omitido de forma deliberada e consciente para enganar o controle das contas de campanha pela Justiça Eleitoral. Ausente a prova do dolo, não resta caracterizado o crime de falsidade ideológica eleitoral, conforme pacífica jurisprudência:

RECURSO CRIMINAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA - CRIME DE FALSIDADE ELEITORAL (ART. 350, CE) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - PROCEDÊNCIA EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS.

[...]

Omitir informações em prestação de contas tipifica, "in thesi", o crime do art. 350 do Código Eleitoral. Entretanto, a existência de dolo específico pressupõe o exame dos elementos probatórios produzidos.

Meros equívocos contábeis não autorizam reprimenda pelo ilícito de falsidade eleitoral se inexiste prova de omissão dolosa de receitas ou despesas em prestação de contas, na qual se atribuiu o ocultamento financeiro da campanha.

(TRE/SC, RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n. 8480, ACÓRDÃO n. 31302 de 27.6.2016, Relator ANTONIO DO RÊGO MONTEIRO ROCHA, Revisor VILSON FONTANA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 111, Data 05.7.2016, Página 3)

INQUÉRITO POLICIAL - PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - PREFEITO - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL - CRIME PREVISTO NO ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - FALSIDADE - OCORRÊNCIA DE ERRO NO PREENCHIMENTO DE RECIBO ELEITORAL - AUSÊNCIA DE DOLO OU MESMO FALSIFICAÇÃO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, COM EFEITOS DE COISA JULGADA MATERIAL.

Verificando-se mero equívoco no preenchimento de recibo eleitoral, ausentes dolo ou intenção de ludibriar a Justiça Eleitoral, afasta-se a subsunção do fato ao artigo 350 do Código Eleitoral e arquiva-se, desde logo, o inquérito policial por atipicidade da conduta.

(TRE/PR, PROCESSO n. 62938, ACÓRDÃO n. 41668 de 26.10.2011, Relator ROGÉRIO LUÍS NIELSEN KANAYAMA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 07.11.2011).

Assim, deve ser mantido o juízo de improcedência da denúncia, absolvendo-se o réu com fundamento no art. 386,  inc. II, do Código de Processo Penal, por não haver prova da existência do fato.

Por todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.