RE - 61711 - Sessão: 16/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARIO DE SOUZA contra sentença do Juízo da 32ª Zona Eleitoral do Município de Palmeira das Missões (fls. 198-202), que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-o ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 em virtude da prática de captação ilícita de sufrágio, com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões (fls. 207-214), o recorrente argumentou que não é candidato, não foi cabo eleitoral dos candidatos da última eleição do Lajeado do Bugre, e não comprou voto em nome de candidato. Sustentou, ainda, que a prova dos autos não confirma a conduta irregular a ele atribuída.

Com contrarrazões (fls. 218-233v.), em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 238-245v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade Recursal

A sentença foi publicada no dia 16.4.2018 (fls. 203-205) e o recurso foi interposto em 18.4.2018 (fl. 206).

O apelo é, portanto, tempestivo, pois protocolado dentro do prazo de 03 (três) dias a contar da publicação da sentença no DEJERS, assim como satisfaz aos demais pressupostos de admissibilidade, motivos pelos quais dele conheço.

Preliminar de ofício - ilegitimidade passiva ad causam de terceiro, não candidato, para responder por captação ilícita de sufrágio fundada no caput do art. 41-A da Lei n. 9.504/97

Na origem, o Ministério Público Eleitoral ajuizou Representação, atribuindo a conduta prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 - captação ilícita de sufrágio - a CLAUDIO PEIXOTO DA SILVA, candidato eleito ao cargo de Vereador na eleição municipal de 2016 no Município de Lajeado do Bugre, e a MARIO DE SOUZA, terceiro não candidato, ora recorrente.

A sentença atacada (fls. 198-202) concluiu pela inexistência de provas da participação do então candidato, CLAUDIO PEIXOTO DA SILVA, e julgou parcialmente procedente a demanda para condenar o recorrente, MARIO DE SOUZA, pela prática vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cominando-lhe multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Ocorre que o c. Tribunal Superior Eleitoral, ao interpretar o caput do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, assentou, em consolidada jurisprudência, que terceiros, não candidatos, não são legitimados para responder pela infração do art. 41-A, conforme exemplificam as ementas dos seguintes precedentes daquela Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI 9.504/97). CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio exige-se a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das condutas típicas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) o fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.

2. Na espécie, de acordo com o TRE/CE, a captação ilícita de sufrágio está bem delineada, porquanto a própria candidata prometeu “e doou” bens (telhas) à eleitora com o fim de obter voto.

3. A adoção de entendimento diverso demandaria o reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 7/STJ.

4 Agravo regimental não provido.

(Grifei.)

(TSE – RESPE n. 956791655 - CROATÁ – CE - Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi - Acórdão de 01.9.2011 – Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 178, Data 16.9.2011, Página 43.)

Eleições 2014. Recurso ordinário. Representação Eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Não comprovação.

1. A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a grave pena da cassação do diploma, pelo que se exige para o seu reconhecimento conjunto probatório robusto, apto a demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito e a participação ou anuência dos candidatos beneficiários com a prática.

2. Os depoimentos prestados na Promotoria Eleitoral não foram confirmados judicialmente. A prova testemunhal produzida de forma inquisitorial não pode se sobrepor àquela realizada sob o crivo do contraditório, pena de violação da garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição.

3. Ainda que fosse considerada provada regularmente a ocorrência do ilícito, não haveria elementos para dizer que os candidatos representados dele teriam participado, com ele teriam assentido ou, ao menos, dele teriam conhecimento. 4. Recurso ordinário a que se nega seguimento.

(TSE, RO - Recurso Ordinário n. 224081, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJE 01.3.2018.) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PROVAS

ROBUSTAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.

(TSE, Recurso Ordinário n. 133425, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 44, Data 06.3.2017, Página 81.)

ELEIÇÕES 2016. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA J. LEI COMPLEMENTAR 64/90, ARTIGO 1º, INCISO I. CONDENAÇÃO. CONDUTA VEDADA. AGENTE PÚBLICO. MULTA. CANDIDATO. CASSAÇÃO. INTERPRETAÇÃO.

(...)

12. Consoante pacífica jurisprudência deste Tribunal, na hipótese de captação ilícita de sufrágio, somente o candidato que praticou a compra de voto ou a ela anuiu tem legitimidade para compor o polo passivo da representação

(RO 6929-66, rel. min Laurita Vaz, DJE de 30.5.2014; RO 1800-81, rel. min Dias Toffoli, DJE de 30.4.2014; REspe 39364-58, rel. min Cármen Lúcia, DJE de 3.2.2014; REspe 19.566, rel. min Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 26.4.2002; RP 3-73, rel. min Peçanha Martins, DJ de 26.8.2005), e, “uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope legis. Precedentes: AgRg no RO 791/MT, rel. min Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005; REspe 21.022/CE, rel. min Fernando Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg no REspe 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006” (REspe 277-37, rel. min José Delgado, DJ de 1º.02.2008).

(...)

Recursos especiais providos, por maioria.

(TSE – REspe n. 40487 – Rel. Min. Henrique Neves da Silva – PSESS 27.10.2016.)

Embora se trate de tema doutrinariamente controvertido, este Tribunal alinhou-se ao entendimento do TSE, consoante jurisprudência a seguir colacionada:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE. NÃO ELEITOS. VEREADORA ELEITA. PREFEITO E VEREADOR À ÉPOCA DOS FATOS. SECRETÁRIO MUNICIPAL. SERVIDOR PÚBLICO. EMPRESÁRIO. ELEIÇÕES 2016. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS. ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. CONDUTAS VEDADAS. ART. 73 DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINAR DE OFÍCIO RELATIVA À ILEGITIMIDADE PASSIVA DOS TERCEIROS NÃO CANDIDATOS PARA RESPONDEREM POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO PONTO. AFASTADAS AS ARGUIÇÕES DE NULIDADE DA PROVA, DO PROCESSO E DA CONDENAÇÃO BASEADA EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. REJEITADAS AS PREFACIAIS DE OMISSÃO NA PETIÇÃO INICIAL. MÉRITO. OFERTA DE TERRENOS PÚBLICOS EM TROCA DE VOTOS. COBRANÇA DE PERCENTUAL SOBRE VENCIMENTOS DE SERVIDORES MUNICIPAIS COMISSIONADOS. COBRANÇA DE VALORES DE EMPRESAS QUE POSSUÍAM CONTRATO COM A PREFEITURA. USO DE BENS IMÓVEIS E DE SERVIÇOS CUSTEADOS PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL EM BENEFÍCIO DE CAMPANHA ELEITORAL. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DO VOTO. COMPROMETIDA A LEGITIMIDADE DO PLEITO E A LIBERDADE DE ESCOLHA DOS ELEITORES. MULTA. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. PREQUESTIONADA A MATÉRIA DE DEFESA.

(...)

2. Preliminar de ofício. Ilegitimidade passiva ad causam dos terceiros não candidatos, para responderem por captação ilícita de sufrágio. Diretriz jurisprudencial fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Extinção do processo, sem resolução do mérito com relação a dois recorrentes, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil. Prosseguimento do feito em relação aos demais demandados não concorrentes ao pleito, também responsabilizados pela prática de abuso de poder e condutas vedadas.

(…)

(Grifei.)

(TRE/RS – RE n. 68276 – Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes – J. 02.4.2018.)

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. PREFEITO. VICE-PREFEITO. VEREADOR. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. LICITUDE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS REALIZADAS SEM RESERVA DE SIGILO. MÉRITO. PROMESSA DE RECOMPENSA EM DINHEIRO, RANCHO E TRANSPORTE EM TROCA DE VOTO. ELEITORES INDÍGENAS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO DEMONSTRADA A PARTICIPAÇÃO DOS CANDIDATOS ELEITOS. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO ISOLADA DO TERCEIRO NÃO CANDIDATO. MULTA AFASTADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO DA COLIGAÇÃO. PROVIMENTO DO APELO DO SERVIDOR PÚBLICO.

Preliminar. Entendimento jurisprudencial no sentido de considerar lícitas gravações efetuadas por um dos participantes da conversa, ainda que sem o conhecimento dos demais, desde que inexistente o dever de sigilo ou a reserva de conversação. Hipótese que prescinde de autorização judicial. Os assuntos constantes nas gravações realizadas nas dependências de um escritório de advocacia, embora a tutela da inviolabilidade do sigilo profissional dos advogados, não guardam relação com a atividade. Ainda, não consta nos autos a eventual circunstância de relação de representação, de patrocínio de causa ou defesa de direitos, entre os interlocutores. Os demais áudios, por sua vez, ocorreram em área aberta e na presença de um numeroso grupo. Licitude das gravações ambientais.

Suposta prática de captação ilícita de sufrágio tramada em escritório de advocacia, de propriedade do pai do então candidato a vice-prefeito, mediante esquema de compra de votos, sobretudo em comunidades indígenas. Promessa de recompensa - dinheiro, rancho, transporte camuflado de corrida de táxi - em troca do voto. Necessária a prova inconteste, induvidosa, robusta do vínculo com a conduta ilegal para ocorrência da severa penalidade de cassação do mandato. Acervo probatório formado por áudios, vídeos e prova oral inconsistentes quanto à participação direta ou indireta dos candidatos eleitos.

Reconhecida, pelo magistrado de primeiro grau, a infringência ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97 pelo representado servidor público municipal. Efetuado apoio às candidaturas à chapa majoritária, mediante participação no referido esquema de compra de voto. Possibilidade de aplicação da sanção correspondente à prática do ilícito a terceiro não concorrente ao pleito de modo concomitante ao candidato, na forma de condenação subsidiária, nos termos dos precedentes deste Tribunal. Inviável a sua responsabilização isolada em uma ação de investigação judicial eleitoral. Os ilícitos eleitorais são específicos, e a responsabilização daquele que não lançou seu nome ao eleitorado há de ocorrer em circunstâncias igualmente especiais, de modo que o ato de transgressão seja compartilhado entre o candidato e o terceiro, o que não é o caso dos autos. Não demonstrada a participação dos candidatos recorridos no ilícito. Afastada a multa fixada pelo juízo de origem.

Desprovimento do recurso da coligação.

Provimento do apelo remanescente.

(TRE/RS – RE 277-16 – Rel. Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy – J. 22.11.2017.)

Com efeito, o caput do art. 41-A da Lei das Eleições, além de referir de forma expressa condutas praticadas por candidato, estabelece sanção apenas àquele (candidato) que as pratique ou que seja beneficiado pelos fatos, consentindo ou anuindo com o proceder ilícito.

Transcrevo abaixo o dispositivo em comento, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

Nesse cenário, a participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato constitui requisito para o reconhecimento da prática irregular descrita no art. 41-A da Lei das Eleições. Ou seja, a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 é inaplicável para quem não tenha a condição de candidato.

Importante lembrar que, mesmo naqueles precedentes em que se entendeu, em uma concepção mais ampliativa, pela possibilidade de aplicação de sanção a terceiro não candidato em virtude do cometimento de captação ilícita de sufrágio, o sancionamento derivou da constatação da prática do ilícito em comento também por parte do candidato, ou, no mínimo, de sua anuência.

Não é esse, contudo, o caso dos autos.

Na espécie, o juízo sentenciante concluiu pela inexistência de qualquer elemento que ateste a hipótese de que o candidato CLAUDIO PEIXOTO DA SILVA tenha participado, direta ou indiretamente, no suposto esquema de compra de votos, vindo a julgar improcedente a demanda no que respeita a CLAUDIO PEIXOTO DA SILVA. De esclarecer que, neste ponto em específico, à míngua de recurso da parte autora, operou-se o trânsito em julgado da decisão ora recorrida.

Quanto ao recorrente MARIO DE SOUZA, os autos informam que não figurou como candidato no pleito de 2016.

Assim, sua responsabilização por eventual conduta irregular no transcurso da campanha eleitoral somente poderia ocorrer na esfera criminal eleitoral, em sede de ação penal fundada no art. 299 do Código Eleitoral, tipo que penaliza criminalmente, pelas mesmas práticas, tanto o aliciador quanto o eleitor corrompido:

Art. 299

Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Dessa sorte, consideradas as circunstâncias acima reproduzidas, impõe-se seja reconhecida nestes autos, de ofício, a ilegitimidade de MARIO DE SOUZA para responder pela infração prevista no caput do art. 41-A da Lei das Eleições.

 

Diante do exposto, declaro, de ofício, a ilegitimidade passiva de MARIO DE SOUZA para figurar como parte no feito, extinguindo o processo, sem resolução do mérito em relação ao recorrente, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, restando prejudicada a análise do mérito do recurso.