RE - 3064 - Sessão: 05/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de CAPÃO BONITO DO SUL em face da sentença que desaprovou suas contas, referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de autoridade pública, determinando a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 4 meses, bem como o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 1.000,00 e de multa, fixada no patamar de 10%, atualizados pela taxa Selic (fls. 150-152v).

Em suas razões, a agremiação sustenta que a doação ensejadora da desaprovação das contas, de valor irrisório e realizada por filiado, fora necessária à manutenção do partido. Afirma que a Lei n. 13.488/17 deve ser aplicada retroativamente, por representar disposição mais benéfica. Ao final, requer o provimento do recurso, para que suas contas sejam aprovadas e que sejam afastadas as sanções impostas (fls. 156-167).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 173-179v).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, tendo por base o princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Contudo, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade) (Grifei.)

Na mesma senda, decidiu o TSE:

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. DESAPROVADA PARCIALMENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. QUESTÃO DE ORDEM. As alterações promovidas no caput do art. 37 da Lei nº 9096/1995, reproduzidas no art. 49 da Res.-TSE nº 23.464/2015, são regras de direito material e, portanto, aplicam-se às prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e seguintes. Entendimento contrário permitiria que contas das agremiações partidárias relativas a um mesmo exercício financeiro fossem analisadas com base em regras materiais diversas, o que não se pode admitir. É preciso conferir tratamento isonômico a todos os partidos políticos, sem alterar as regras aplicáveis a exercícios financeiros já encerrados, em razão do princípio da segurança jurídica. O Plenário do TSE, analisando a questão relativa à alteração legislativa promovida pela mesma lei ora em análise na Lei das Eleições quanto ao registro do doador originário nas doações, assentou que "a regra constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei nº 9.504/97, com a redação conferida pela Lei nº 13.165/2015, não pode ser aplicada, [...] seja porque a lei, em regra, tem eficácia prospectiva, não alcançando fatos já consumados e praticados sob a égide da lei pretérita" (ED-REspe nº 2481-87/GO, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 1º.12.2015). A modalidade de sanção em decorrência da desaprovação de contas prevista na nova redação do caput do art. 37 da Lei nº 9.096/1995, conferida pela Lei nº 13.165/2015, somente deve ser aplicada às prestações de contas relativas ao exercício de 2016 e seguintes.

[...]

(TSE, ED em ED em PC n. 96-183, Acórdão de 03.3.2016, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 54, Data: 18.3.2016, pp. 60-61) (Grifei.)

Deve, então, ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador.

Dessarte, afasto a prefacial de retroatividade das disposições da Lei n. 13.488/17.

No mérito, as contas da agremiação foram desaprovadas, ao fundamento de ter havido recebimento de valores oriundos de fonte vedada.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação em vigor durante o exercício financeiro em questão, coibia aos partidos o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

 II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

No conceito de autoridade pública referido na norma inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, mediante a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, p. 172) (Grifei.)

Tal entendimento foi, inclusive, solidificado na Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2016, analisado nestes autos:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(…)

Portanto, para os fins de análise de regularidade das finanças de partido político, autoridade pública é o agente demissível ad nutum da administração pública direta ou indireta que exerça cargo de chefia ou direção.

Nesse sentido é a jurisprudência consolidada desta Corte. Colaciono, a seguir, ementa de acórdão da lavra do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. FONTE VEDADA. AUTORIDADE. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A previsão de fonte vedadas tem por finalidade impedir a influência econômica daqueles que tenham alguma vinculação com órgãos públicos, assim como evitar a manipulação da máquina pública em benefício eleitoreiro. Reconhecidas como fontes vedadas as contribuições provenientes de chefe de gabinete, supervisor, diretor de departamento e coordenador de bancada.

Recolhimento da quantia recebida indevidamente ao Tesouro Nacional. Suficiente a suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de um mês, conforme parâmetros da razoabilidade.

Desaprovação.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 82-18, Acórdão de 16.8.2017, Relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, Publicação: DEJERS – Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do RS, n. 147, Data 18.8.2017, p. 6.) (Grifei.)

No caso dos autos, confrontando o Demonstrativo de Doações Recebidas apresentado pelo recorrente (fl. 123) com a tabela de detalhamento de contribuições oriundas de fonte vedada, elaborada pela unidade técnica (fl. 129), é possível constatar o exercício do cargo de Gerente Municipal de Convênios pelo doador Gelson dos Santos Corbolin.

O acervo probatório torna inequívoco o fato de que o doador ocupava função de chefia à época em que realizada a contribuição, dia 04.5.2016, no valor de R$ 1.000,00, em violação ao disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação então vigente, e ao art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Configurada, por conseguinte, a irregularidade perpetrada pelo partido político, consistente no recebimento de recursos de fonte vedada.

Sustenta o recorrente que a doação foi imprescindível para a manutenção do órgão partidário.

Nesse ponto, infere-se que pretende a agremiação eximir-se da responsabilidade decorrente do cometimento de irregularidade, ao argumento de enfrentar dificuldades em suas finanças.

Ora, eventual situação financeira desfavorável padecida não tem, obviamente, o condão de afastar a aplicação de penalidade, caso apurada a prática de ato ilícito.

Ao contrário, os partidos políticos, os quais lançam candidaturas aos mais relevantes cargos eletivos da República, devem se pautar, na prática de seus atos, pela fiel observância à lei.

Ademais, em oposição ao asseverado pelo recorrente, a doação glosada não pode ser considerada irrisória, pois atingiu o valor de R$ 1.000,00, que representa 46,79% do arrecadado pela grei partidária no exercício de 2016.

Assim, tendo restado configurada a irregularidade consistente no recebimento de doação oriunda de fonte vedada, deve o partido político efetuar o devido recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos especificados na sentença.

Por derradeiro, em relação ao período de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário, entendo que o mesmo deva ser reduzido.

Nesse ponto, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, empregando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. CONTAS DESAPROVADAS. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. OCUPANTES DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL.

1. É vedado aos partidos políticos receberem contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentem a condição de autoridades.

2. Redução do período de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

3. Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 32-85, Relator Des. Eleitoral Luciano André Losekann, sessão de 22.5.2018.) (Grifei.)

No mesmo sentido, destaco o seguinte precedente do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 - consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.08.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.09.2013, p. 71) (Grifei.)

O aporte à agremiação procedente de fonte vedada totaliza R$ 1.000,00, correspondente a 46,79% das receitas partidárias.

Não obstante o importe ilícito seja proporcionalmente elevado, não se trata de cifra vultosa, em termos nominais.

Dessa forma, entendo proporcional a readequação da penalidade de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para dois meses.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário a dois meses, mantidos os demais termos da sentença.

É como voto, senhor Presidente.