RE - 24984 - Sessão: 07/11/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por Nasser Souza Muhd, concorrente ao cargo de Vereador pelo Município de Canoas-RS, contra sentença do Juízo da 134ª Zona Eleitoral (fls. 87-89) que desaprovou as contas de campanha referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista as irregularidades encontradas, quais sejam: a) ausência de extrato bancário do mês de agosto/2016; b) falta de comprovante de depósito das sobras financeiras para a Direção Partidária; c) recebimento de doação em dinheiro acima do valor de R$1.064,10; e d) nota fiscal emitida fora do período de campanha eleitoral.

Em seu apelo (fls. 108-111), contrapôs cada uma das razões da desaprovação proferidas pelo juízo a quo, argumentando que os documentos não foram analisados em sua totalidade, prejudicando o julgamento das contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo parcial provimento para afastar algumas das irregularidades (fls. 115-118v.).

É o relatório.

 

VOTO

Preliminar

Preliminarmente, cumpre registrar a viabilidade dos documentos apresentados com o recurso, conforme entendimento pacífico deste Tribunal.

Sobre o tema, adoto como razões de decidir os fundamentos expostos pelo Des. Eleitoral Jamil Bannura no RE n. 386-26, julgado em 25.7.2017:

Não olvido de julgados do egrégio TSE no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber, DJE de 31.10.2016). Contudo, entendo que o rigorismo da preclusão deve ser mitigado em favor do esclarecimento dos fatos.

Decerto, a aferição e fiscalização contábil das contas dos candidatos em campanhas eleitorais, com o máximo de subsídios possíveis, caminha ao encontro do interesse público e da missão institucional da Justiça Eleitoral na garantia da legitimidade do processo eleitoral.

Nesse trilhar principiológico, o STJ tem admitido a juntada de documentos probatórios, em sede de apelação, desde que não sejam indispensáveis à propositura da ação, seja garantido o contraditório e ausente qualquer indício de má-fé (REsp 1.176.440-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17.9.2013; REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.9.2011).

Na seara eleitoral própria, o posicionamento encontra supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Regional, convindo transcrever ementa da seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

Dessa forma, por tratar-se de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as falhas apontadas, entendo adequada sua juntada com o recurso.

 

Mérito

O Juízo Eleitoral Zonal desaprovou as contas apresentadas, com fundamento nas seguintes irregularidades: a) ausência de extrato bancário do mês de agosto/2016; b) falta de comprovante de depósito das sobras financeiras para a Direção Partidária; c) recebimento de doação em dinheiro acima do valor de R$ 1.064,10; e d) nota fiscal emitida fora do período de campanha eleitoral.

Quanto ao ponto a, alega o recorrente que juntou o extrato fornecido pelo banco na época (fl. 03), onde comprova que a primeira movimentação financeira foi em setembro de 2016 e, por meio do documento juntado à fl. 95, no momento do recurso, evidencia a inexistência de trânsito de recursos pelas contas bancárias no mês de agosto daquele ano.

Além disso, sabe-se que o sistema SPCE (Sistema de Prestação de Contas Eleitorais) recebe informações oficiais das instituições financeiras quanto ao movimento das contas utilizadas nas campanhas eleitorais, conforme determinação expressa no art. 12 da Resolução TSE n. 23.463/15, sendo tais dados tornados públicos em site da Justiça Eleitoral denominado www.DivulgaContas.tse.jus.br.

Como tais informações são de acesso público, é possível verificar a ausência de movimentação no mês de agosto de 2016 e, consequentemente, a mitigação da falha quanto à não entrega de extratos completos para aquele mês, o que se diferencia, no caso concreto, da completa ausência dos demonstrativos prevista no art. 48, inc. II, al. a, da Resolução TSE n. 23.463/15. Em razão desses argumentos, afasto a irregularidade aventada pelo Juízo Zonal em sua decisão e ratificada pelo Ministério Público Eleitoral em seu parecer.

Quanto ao ponto b, decidiu o Juiz Eleitoral pela ausência de comprovação de depósito das sobras financeiras para a conta da Direção Partidária, o que ofenderia o art. 46, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Compulsando os autos, verifica-se que o prestador deixou de juntar às suas contas a declaração emitida pelo partido admitindo o recebimento da sobra de campanha no valor referido, qual seja, R$3,00, conforme determina o art. 48, inc. II, al. d, da Resolução TSE n. 23.463/15. Contudo, alega o recorrente que teria, na data de 20 de outubro daquele ano, transferido o valor correspondente à sobra para a conta do Partido Rede Sustentabilidade, juntando o documento de fl. 97.

Em que pese ao extrato bancário juntado carecer de maiores informações, é possível verificar nas contas do partido Rede Sustentabilidade, Diretório Municipal, a transferência oriunda da conta de Nasser Souza Muhd, no valor de R$3,00, o que afasta de forma perene a presente irregularidade. Ademais, o valor é irrisório e não teria, por si só, o condão de gerar a desaprovação das contas.

O terceiro ponto considerado faltoso trata do recebimento de doação, em espécie, acima do valor de R$1.064,10. O magistrado de piso reconheceu ter havido depósito em dinheiro no valor de R$ 1.350,00, na data de 27 de setembro de 2016, sentenciando pela devolução do valor acima do limite legal ao doador.

Repisou o recorrente que a doadora possui renda suficiente para a liberalidade, o depósito foi identificado pelo CPF e que a diferença entre o valor legalmente permitido e a quantia depositada em espécie é mínima, razão pela qual deve ser considerada a insignificância da irregularidade para que atraia, no máximo, ressalvas.

Contudo, o depósito em espécie, realizado em contrariedade ao art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, valorado em R$ 1.350,00, representa 53,7% dos recursos financeiros utilizados na campanha, de modo que macula a confiabilidade das contas, afasta a configuração de meros erros formais e atrai a sua desaprovação. Além disso, ao contrário do que defende o recorrente, não se perquire, nos casos da presente irregularidade, o lastro financeiro do doador. O que se busca é a certeza da origem dos recursos acima de R$ 1.064,10, o que, no caso concreto, foi demonstrado de forma insuficiente para a legislação, uma vez que feito apenas por identificação do CPF da doadora, registrada como sendo Nadja Camilo Muhd. A demonstração da identidade do depositante basta para os valores abaixo de R$1.064,10, mas acima dessa quantia, como no caso, mister que se comprove sua origem, exigindo-se que a transação se dê por transferência bancária.

A legislação vigente dispõe que, nesses casos, os valores recebidos de forma irregular não podem ser utilizados, devendo o candidato beneficiário devolver o montante total ao doador. Entretanto, a utilização de recursos advindos de forma contrária ao preceito normativo impõe o recolhimento, também em sua totalidade, ao Tesouro Nacional.

No caso, o magistrado determinou a devolução ao doador apenas do montante que excedeu o limite de R$ 1.064,10.

No tocante ao primeiro ponto, este Tribunal firmou entendimento no sentido de que todo o valor é considerado irregularmente recebido, devendo a integralidade ser restituída ou doador ou recolhida ao Tesouro. Todavia, reconheço que o dispositivo comporta margem de interpretação, e sua alteração pressupõe o manejo de recurso neste sentido, sob pena de se operar verdadeira reformatio in pejus.

Relativamente ao destinatário do recolhimento, a situação é outra. Este Tribunal assentou que, uma vez empregado o valor irregular na campanha, deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, e não restituído ao doador. A modificação de seu destino de ofício, no recurso, por esta Corte, em nada agrava a situação do recorrente, que continua obrigado a despender a mesma quantia, mas deverá destiná-la a outro credor, conforme já decidiu este Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DOAÇÃO FINANCEIRA. DEPÓSITO DIRETO. AUSENTE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. UTILIZAÇÃO DO RECURSO NA CAMPANHA ELEITORAL. TRANSFERÊNCIA AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. 1. Doações financeiras em valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente são permitidas na modalidade de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, por força do disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

2. Recebimento de doação, por meio de depósito em espécie realizado diretamente na conta-corrente de campanha, cujo montante extrapola o limite legal. Valor irregular utilizado na campanha do prestador. Candidato beneficiado pela ilicitude. Irregularidade grave. Mantida a desaprovação.

3. Determinado, de ofício, o recolhimento ao Tesouro Nacional de parcela do valor doado, correspondente ao excedente do limite legal conforme determinado na sentença, e não à totalidade da doação ilícita, em face da vedação da reformatio in pejus.

4. Provimento negado. (TRE/RS, RE 628-15, Relator Des. Eleitoral Luciano Losekann, julg em 16.8.2017.)

Assim, determino, nos moldes da sentença prolatada, que o recolhimento seja feito no valor de R$ 285,90 (duzentos e oitenta e cinco reais e noventa centavos), a ser destinado, contudo, ao Tesouro Nacional, na forma do art. 26, § 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Quanto ao derradeiro ponto, de letra d, que relata a emissão de uma nota fiscal fora do período de campanha eleitoral, entendo não haver nenhuma falha. Dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.463/15, in verbis:

Art. 27. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

O juízo a quo entendeu irregular o lançamento de nota fiscal na data de 07 de outubro de 2016. Não obstante, calha lembrar que o art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 assim dispõe:

Art. 30 [...]

§ 1º Os gastos eleitorais efetivam-se na data da sua contratação, independentemente da realização do seu pagamento e devem ser registrados na prestação de contas no ato da sua contratação. (Grifei.)

Na prestação de contas que ora se analisa, o gasto referente à nota fiscal n. 1356-1 foi lançado na prestação de contas na data de 05 de setembro de 2016, em que pese à nota fiscal ter sido gerada apenas em 07 de outubro de 2016 e a despesa quitada no dia 13 de outubro de 2016. No entanto, de acordo com o art. 30 da Resolução TSE n. 23.463/15, supracitado, não há falha no presente caso.

Dessa forma, embora superadas algumas inconsistências, remanesceu irregularidade que, por si, justifica a desaprovação das contas e a manutenção da ordem de recolhimento da quantia entendida irregular.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas e determinando, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 285,90, na forma do art. 26, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15.