RC - 27487 - Sessão: 10/06/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra a sentença (fls. 1540-1543), que absolveu LEANDRO BORGES EVALDT da prática do crime de quadrilha (CP, art. 288) e de 37 imputações do crime de corrupção eleitoral (CE, art. 299), ambos com fundamento na insuficiência de provas para a condenação (CPP, art. 386, inc. VII). A sentença ainda declarou a extinção da punibilidade de todos os crimes de indução à inscrição fraudulenta de eleitor (CE, art. 290).

Em suas razões recursais (fls. 1551-1559), sustenta que a materialidade e a autoria do delito de formação de quadrilha descrito na denúncia como fato 1 e dos crimes de corrupção eleitoral descritos na denúncia como fatos 2, 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 22 estão demonstradas nos documentos acostados aos anexos 1 e 2, no total de 11 volumes, bem como na prova oral colhida nas fases policial e judicial, sendo o conjunto probatório suficiente à emissão de decreto condenatório.

Em contrarrazões (fls. 1578-1580), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral emitiu parecer pela reforma da sentença no sentido de condenar o recorrente nas penas do art. 299 do Código Eleitoral (fatos 2, 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 22) e nas penas do art. 288 do Código Penal (fls. 1620 a 1676).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

A ação penal teve início neste Tribunal Eleitoral, com denúncia oferecida pela Procuradoria Regional Eleitoral em relação ao recorrente Leandro Borges Evaldt e a outros 68 denunciados pela prática de crimes de natureza eleitoral, descrevendo os 25 fatos delituosos (fls. 02 a 62).

No que se refere a Leandro, as imputações foram no sentido do cometimento dos crimes do art. 288 do Código Penal, c/c o art. 69 do CP, do art. 290 do Código Eleitoral, na forma do art. 71 do CP, praticados 50 vezes, c/c o art. 69 do CP, e do art. 299 do CE, na forma do art. 71 do CP, praticados 37 vezes, fatos ocorridos, o primeiro, entre abril de 2007 e maio de 2008, o segundo, no período de agosto a setembro de 2007, e os demais, entre abril e maio de 2008.

Houve a declinação da competência ao 1º grau em função do término do mandato de Leandro como prefeito de Morrinhos do Sul.

A sentença reconheceu a prescrição de todos os fatos capitulados no art. 290 do CE (induzimento à inscrição como eleitor) atribuídos ao réu Leandro (aliás, como já decretado pela decisão deste Tribunal das fls. 592 - 604v.), pois, de acordo com sua pena máxima (dois anos), o crime em questão prescreve em quatro anos, prazo que já transcorreu desde o recebimento da denúncia, verificado em 26.4.2012. Não há irresignação quanto ao ponto.

O presente recurso envolve, portanto, o cometimento das condutas típicas descritas no art. 299 do Código Eleitoral e no art. 288 do Código Penal.

A análise será realizada inicialmente em relação à compra de votos (art. 299 do CE). Este tipo penal protege o livre exercício da liberdade de voto, abrangendo, em um só normativo, a corrupção ativa e passiva, ou seja, pune-se aquele que dá, oferece ou promete qualquer vantagem em troca do voto, assim como aquele que solicita ou recebe benesses em troca do sufrágio.

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Os crimes descritos envolvem essencialmente condutas voltadas ao induzimento de eleitores a transferirem seus títulos eleitorais para Morrinhos do Sul, mediante documentos falsos, sendo que a corrupção eleitoral teria se verificado pelo fato de o recorrente prometer vantagens (dinheiro, emprego) em troca dos votos desses eleitores transferidos para o domicílio eleitoral do pretenso candidato a prefeito Leandro.

Excluídos os fatos delituosos concernentes às transferências irregulares cuja prescrição foi reconhecida, remanescem os que relatam corrupção eleitoral, assim sintetizados: a) promessa de emprego para Luiz Dimer dos Santos na Prefeitura, em troca do seu voto, de Maria Gorete Constant dos Santos e Letícia Constant dos Santos (fato 2 da denúncia); b) promessa de emprego para Marino de Barros Rodrigues em troca dos votos de todos os integrantes de sua família (fato 3 da denúncia); c) promessa de R$ 75,00, feita por meio de cabo eleitoral, ao eleitor Luiz Fabrício Vasfohl Machado em troca de voto (fato 4 da denúncia); d) promessa de emprego e entrega de dinheiro (R$ 200,00) a Antônio Carlos da Silva e Sirlei Rocha dos Santos em troca de seus votos (fato 6 da denúncia); e) promessa de emprego e quantias em dinheiro a Luciano Junior de Oliveira Belmiro, Caroline Maciel e Alzenir Machado em troca de seus votos (fato 7 da denúncia); f) entrega de R$ 100,00 a José Carlos dos Santos em troca de voto (fato 10 da denúncia); g) promessa de emprego a Antônio Soares em troca de seu voto e de sua filha Edmara Euzébio (fato 11 da denúncia); h) entrega de R$ 50,00 e mantimentos (ranchos e alimentos) a Joelma Silva da Silva, Iara Silva da Silva, Daiane Silva da Silva e Cláudia Silva da Silva em troca de seus votos (fato 12 da denúncia); i) promessa e entrega de dinheiro e vantagens a Vagner Vaisfohl Machado, Onézia Dimer Vaisfohl Machado e Fábio Vaisfohl Machado em troca de seus votos (fato 13 da denúncia); j) promessa de emprego para Natália Schutz Magnus e entrega de R$ 150,00 a Joice Schutz Magnus em troca de seus votos (fato 14 da denúncia); k) promessa e entrega de vantagens a Marizete Torres Sidronio e Adione Sidronio Cardoso em troca de seus votos (fato 15 da denúncia); l) promessa de entrega de R$ 200,00 a Marcio Dewes Rolim em troca de seu voto (fato 16 da denúncia); m) promessa e entrega de vantagens a Dejanir Mota Cardoso em troca de seu voto (fato 17 da denúncia); n) entrega de dinheiro a Celesio Boff Leffa, Adilson Leffa Schardosim, Valmir Cardoso Schwanch e Geni Boff Leffa em troca de seus votos (fato 18 da denúncia); o) promessa e entrega de vantagens a Gomercindo da Luz Batista e Edna Aparecida Santana em troca de seus votos (fato 19 da denúncia); p) entrega de R$ 100,00 a Gilcemir Conceição Bauer em troca de seu voto (fato 22 da denúncia).

Embora impressionem a quantidade de fatos imputados e o longo parecer da operosa Procuradoria Regional Eleitoral, os delitos não restaram comprovados.

Como bem salientado pela magistrada a quo, nenhuma prova documental foi produzida, e a oral, colhida apenas na fase inquisitorial, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foi confirmada em juízo, não se mostrando suficiente para demonstrar a materialidade, autoria ou participação de Leandro em cada um dos fatos.

A fim de evitar desnecessária tautologia, colho na sentença as razões que ensejaram o juízo absolutório do réu (fls. 1541 a 1543):

No mérito, a ação penal não merece prosperar.

Com efeito, em dezessete dos vinte e cinco fatos descritos na denúncia o MPE atribui ao réu Leandro a prática do crime do art. 299, do CE, acusando-lhe, ora de oferecer e dar vantagem pecuniária, ora de prometer qualquer outra vantagem, geralmente um emprego, sempre no intuito da obtenção do voto do eleitor.

Ocorre que não há prova documental alguma desses fatos, e a prova oral colhida na fase inquisitorial, portanto, sem o contraditório e a ampla defesa, foi reproduzida apenas de forma parcial em juízo, revelando-se insuficiente para comprovar a materialidade e a autoria ou a participação do réu Leandro em cada um dos fatos.

Nesse sentido, as testemunhas Marconi e Rosa Laura, servidores do Cartório Eleitoral da 85ª Zona, prestaram declarações genéricas, dando conta, em suma, da intensificação da transferência de títulos eleitorais para Morrinhos do Sul pouco antes do fechamento do cadastro eleitoral para as eleições municipais de 2008, bem assim de que ouviram comentários e “denúncias” no sentido de que alguns desses eleitores não residiam em Morrinhos do Sul.

Assinale-se nesse ponto que o conceito de domicílio eleitoral é mais amplo do que o de domicílio civil, abrangendo o local em que o eleitor possua vínculo profissional, familiar ou político, razão pela qual o fato de o eleitor não residir no município onde vota, mesmo que ele tenha firmado uma declaração nesse sentido, ainda que possa tipificar o crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350, do CE), não implica no reconhecimento automático de que a sua inscrição ou transferência de título eleitoral tenha sido realizada de forma fraudulenta, nem cabe, por óbvio, presumir-se que o eleitor, se assim agiu, o fez em razão da oferta de dinheiro ou da promessa de alguma outra vantagem.

Já a testemunha Giovani, escrivão da Polícia Federal, responsável pela investigação que se seguiu às eleições, resumiu-se, como não poderia deixar de ser, a ratificar as conclusões lançadas em seu relatório.

Por seu turno, das quatro testemunhas restantes arroladas na denúncia, apenas duas foram ouvidas, Letícia e Adilson, envolvidos, respectivamente, no 2º e no 18º fatos. Letícia, menor de idade à época, que se inscreveu como eleitora em Morrinhos do Sul, afirmou que o réu Leandro visitou seus pais e que as conversas tinham por tema as eleições, porém negou ter recebido alguma vantagem em troca de voto e não soube dizer se seus pais obtiveram alguma. Adilson, por sua vez, denunciado também no 18º fato, declarou que à época morava em São Leopoldo, mas sua avó e sua madrinha residiam em Morrinhos do Sul, tendo apresentado no Cartório Eleitoral, para fins da transferência de seu título de eleitor, a certidão do Registro de Imóveis que comprovava que sua avó possuía terras em Morrinhos do Sul e a fatura de energia elétrica em nome de sua madrinha. Afora isso, ciente de que não estava obrigado a responder, negou ter recebido dinheiro para realizar essa transferência.

No mais, as três testemunhas indicadas pela defesa, João Batista, Rudinei e Francisco, sendo, o primeiro, amigo, e o segundo, filiado ao mesmo partido político do réu, prestaram-se mais a abonar a conduta de Leandro do que a contribuir em termos de prova dos fatos, já que nada de relevante disseram nesse sentido.

Por tudo isso, dada a insuficiência probatória, é de rigor a absolvição do réu Leandro em relação às 37 imputações do crime do art. 299, do CE, o que, no caso concreto, acarreta também na sua absolvição no que concerne ao 1º fato, capitulado no art. 288, do CP, uma vez que, se a prova da materialidade e da autoria ou participação do réu Leandro nos 17 fatos capitulados no art. 299, do CE, já é insuficiente, quanto mais o é a de que ele liderasse um grupo organizado de pessoas que objetivasse o induzimento de outras a inscreverem-se fraudulentamente eleitores e a corrupção eleitoral, valendo para essa imputação a mesma análise da prova acima realizada.

Sabido que o bem tutelado pela norma (art. 299 do CE) é a liberdade de escolha do eleitor, por isso o crime pressupõe que a vantagem seja ofertada em troca de seu voto, maculando, prejudicando a livre opção política da pessoa corrompida.

Para que haja a configuração deste delito é imprescindível a presença desta finalidade específica, ou seja, obter o voto, nos termos da reiterada e pacífica jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.

1. Se o Tribunal de origem, soberano na análise de fatos e provas, entendeu que não estava comprovada a intenção de obter o voto, a análise do elemento subjetivo do crime de corrupção eleitoral demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada em sede extraordinária.

2. Segundo a jurisprudência do TSE, a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral depende da demonstração, por meio de provas robustas, do dolo específico.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 428243230, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 31, Data: 09.02.2018, pp. 132-133.) (Grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO. PREFEITO. PROMESSA. CARGO. VOTO. CABO ELEITORAL. CORRELIGIONÁRIO. COMUNHÃO DE MESMO PROJETO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONEXÃO ENTRE CRIME ELEITORAL E COMUM. AUSÊNCIA. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO.

1. O tratamento penal dispensado à prática do delito de corrupção eleitoral exige que se evidencie o dolo específico de obter o voto mediante oferecimento de vantagem indevida.

2. A promessa de cargo a correligionário em troca de voto não configura a hipótese do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ante a falta de elemento subjetivo do tipo. Precedente: HC nº 812-19/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 20.3.2013.

3. In casu, não é possível presumir que a nomeação do Agravado em cargo na Prefeitura implique, necessariamente, oferta de benefícios aos seus familiares.

4. A pretensa inversão do decisum regional, que concluiu pela atipicidade da conduta delitiva, demandaria o reexame de fatos e provas, óbice plasmado no Enunciado de Súmula nº 24 do TSE.

5. Ausente a conexão entre o crime eleitoral e o crime de concussão imputado (art. 316 do Código Penal), compete ao Tribunal de Justiça do Estado o julgamento do crime comum. Precedente: RHC nº 653/RJ, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJe de 16.8.2012.

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 3748, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 237, Data: 15.12.2016, pp. 24-25.) (Grifo nosso)

Assim, em que pese à ocorrência de um aumento considerável de transferências de domicílio eleitoral, como restou evidenciado nos autos, essa circunstância, por óbvio, não tem o condão de comprovar os fatos envolvendo a mercancia do voto, cuja prova deve ser robusta, objetivando a especial finalidade de obtenção do voto.

Dessa forma, diante da insuficiência probatória, deve ser mantida a absolvição do réu Leandro em relação às imputações do crime do art. 299 do CE, o que, de igual modo, ocasiona a manutenção da absolvição no que concerne ao 1º fato, capitulado no art. 288 do CP, ou seja, o crime de quadrilha.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que julgou improcedente a ação penal proposta contra Leandro Borges Evaldt, fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.