RE - 60424 - Sessão: 17/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença (fls. 270-294) do d. Juízo da 28ª Zona Eleitoral, sediada em Lagoa Vermelha, a qual julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta contra FAUSTINO JÚNIOR TUMELERO, MARCOS JOSÉ CANALI e PAULO JOÃO NADIN, fundamentalmente por entender não haver provas suficientes para um juízo condenatório.

Nas razões (fls. 300-305), sustenta a presença, nos autos, de comprovação da prática de captação ilícita de sufrágio, ocorrida mediante o compromisso de pagamento de R$1.000,00, bem como a promessa de cargo público. Aduz que o bem jurídico tutelado é a preservação da vontade do eleitor. Indica trechos dos testemunhos e traz dados sobre o eleitorado do Município de Caseiros. Requer o provimento do recurso, para condenar os recorridos conforme o art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Após as contrarrazões dos recorridos (fls. 311-316 e 317-349), a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer pelo provimento do recurso (fls. 353-363).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da decisão em 27.4.2018, uma sexta-feira (fl. 298), e apresentou a irresignação em 02.5.2018, quarta-feira, primeiro dia útil subsequente à data do transcurso do prazo (fl. 299).

Estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade. Conheço do recurso.

Preliminar de gravação ambiental

Nas contrarrazões, os recorridos apontam que a prova constituída pela gravação ambiental seria ilícita.

Sem razão.

Inicialmente, cumpre sublinhar que a gravação juntada aos autos não foi obtida por meio de interceptação, meio de prova no qual terceiro, geralmente estranho aos interlocutores, capta o conteúdo de diálogos. Tal modo de produção probatória é efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.

Aqui, houve gravação, de fato, clandestina, sem o conhecimento do interlocutor FAUSTINO JÚNIOR TUMELERO.

Ocorre que a clandestinidade não implica, necessariamente, ilicitude.

Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, não há que se falar em necessidade de autorização judicial ou presença em inquérito, pois não houve interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo.

Inclusive, o STF já assentou tal validade em regime de repercussão geral:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE n. 583.937-QO-RG, Relator Min. Cezar Peluso, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.) (Grifei.)

É certo que, em alguns casos, o conteúdo da gravação ambiental deve estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da CF, mormente naquelas situações em que a conversa, em si, tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais e, do sopesamento, conclua-se pelo privilégio à proteção da esfera privada dos envolvidos, afastando-se topicamente a primazia do interesse público.

Aqui, de fato, o TSE possui alguns precedentes restritivos.

Contudo, tais restrições tratam de hipóteses de especial tutela da intimidade – aquelas que nem mesmo o interlocutor poderia vir a testemunhar sobre o conteúdo versado.

E aqui é que se torna possível realizar a separação dos assuntos em que a gravação ambiental é permitida daqueles em que ela é vedada: o direito fundamental à intimidade visa preservar o assunto conversado, e não o método de prova.

Ou seja, tudo aquilo que não invade a esfera privada do interlocutor, no caso, de FAUSTINO JÚNIOR TUMELERO, poderia ser, sim, objeto de gravação. E, também, não se argumente que o local em que o registro ocorreu seria de índole privada: nitidamente ocorreu em via pública.

Como dito, há decisões do TSE que restringem a utilização de tal espécie probatória, ainda que realizada por um dos interlocutores.

Mas o assunto merece lupa, pois o órgão de cúpula vinha sendo mais restritivo, especialmente no período de 2013 e no início de 2015; antes, sobretudo entre 2008 e 2012, o e. Superior já construía precedentes pela licitude da gravação ambiental.

Uma jurisprudência um tanto pendular, portanto.

E, recentemente, houve um novo movimento daquela Corte Superior, no sentido de admitir como prova a gravação ambiental realizada, por exemplo, em lugares públicos, o que teve início no REspe n. 637-61/MG, Relator Min. Henrique Neves, DJE de 21.5.2015, quando se decidiu:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

Recurso especial da Coligação Cuidando de Nossa Cidade para Você

[...]

2. Nos termos da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de um deles e sem prévia autorização judicial, é prova ilícita e não se presta à comprovação do ilícito eleitoral, porquanto é violadora da intimidade. Precedentes: REspe nº 344-26, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 28.11.2012; AgRRO nº 2614-70, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 7.4.2014; REspe nº 577-90, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.5.2014; AgRRespe nº 924-40, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 21.10.2014.

3. As circunstâncias registradas pela Corte de origem indicam que o discurso objeto da gravação se deu em espaço aberto dependências comuns de hotel, sem o resguardo do sigilo por parte do próprio candidato, organizador da reunião. Ausência de ofensa ao direito de privacidade na espécie, sendo lícita, portanto, a prova colhida.

4. O quadro fático delineado no acórdão regional não revela a mera tentativa de obtenção de apoio político, pois, em diversas passagens, o que se vê são os pedidos expressos de voto e o oferecimento de vantagem aos estudantes. Incidência, na espécie, das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ação cautelar proposta com o objetivo de conferir efeito suspensivo ao recurso especial julgada improcedente.

Recuso especial conhecido e desprovido. Ação cautelar julgada improcedente.

O Tribunal, por maioria, desproveu o recurso de Francisco Lourenço de Carvalho, nos termos do voto do Relator. Vencida a Ministra Luciana Lóssio. (Grifei.)

Ainda, julgado deste Tribunal Regional Eleitoral:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Condenação. Vereador. Cassação do diploma. Eleições 2016.

Afastadas as prefaciais de nulidade de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e de prova testemunhal. Teor de conversa não protegido pela privacidade. Provas não sujeitas à cláusula de sigilo. Sendo lícita a gravação, não se caracteriza como ilícita por derivação a prova consistente em depoimento de testemunha.

Entrega de dinheiro, a duas eleitoras identificadas, condicionada a promessas de voto. Comprovado o especial fim de agir para obter-lhes o voto, circunstância apta a configurar a captação ilícita de sufrágio. Cassação do diploma decorrente da simples prática do ilícito, independentemente do grau de gravidade da conduta. Incidência obrigatória. Fixação da multa de maneira adequada, bem dimensionada para o caso em tela.

Provimento negado.

Por unanimidade, negaram provimento ao recurso e determinaram providências nos termos do voto do relator.

(RE n. 573-28, acórdão de 17.02.2017, Relator Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, DEJERS de 21.02.2017.)

Ao caso dos autos: o áudio foi gravado por Elisandro, abordado por FAUSTINO. A Elisandro, portanto, é permitida a reprodução do ocorrido sem ofensa à Constituição Federal – aliás, com o apoio da Carta Magna, pois o assunto tratado é, além de público, de interesse público, versando sobre burla à ação afirmativa e exercício de direitos políticos, de jaez constitucional, em um estabelecimento comercial, em horário de funcionamento, sem ofensa à intimidade.

A título de desfecho, a não ocorrência de transcrição do conteúdo do diálogo, nos autos, não ofende o exercício ao direito de defesa, nem do ponto de vista formal, muito menos sob o aspecto material, pois disponibilizado nos autos, na íntegra, no formato de áudio.

Afasto a preliminar.

Mérito

Indico que o Ministério Público Eleitoral de 1º grau não recorreu da decisão no tocante à inocorrência de abuso de poder econômico, hipótese ventilada por ocasião do ajuizamento da demanda.

A questão de fundo diz, portanto, tão somente com a ocorrência, ou inocorrência, de ato contrário à legislação eleitoral sob o prisma da captação ilícita de sufrágio, ilícito cuja matriz legal está localizada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

E a interpretação do c. Tribunal Superior Eleitoral sedimentou que, para caracterizar a captação ilícita, necessita-se pelo menos de três elementos, a saber: “a) prática de uma das condutas típicas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) o fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato” (RE n. 956791655, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Pub. DJE de 16.9.2011, p. 43).

Assim, necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos, os quais hão de envolver, por óbvio, uma situação concreta.

Os fatos são, em resumo, os seguintes:

1. Os então candidatos a Prefeito de Caseiros, MARCOS JOSÉ CANALI, e a Vice-Prefeito, PAULO JOÃO NADIN, teriam sido beneficiados por captação ilícita de sufrágio praticada por FAUSTINO JÚNIOR TUMELERO em relação a um eleitor, Sr. Elisandro. Os recorridos, ainda assim, foram derrotados no pleito, pela diferença mínima – 1 (um) voto.

2. A ocorrência do ilícito teria se dado da seguinte forma: FAUSTINO TUMELERO teria abordado Elisandro na rua, indicando que o eleitor se deslocasse até um galpão, localizado em terreno de propriedade do candidato a Vice-Prefeito, PAULO. Imaginando o conteúdo da conversa, Elisandro entendeu por bem gravá-la, em áudio.

3. Na oportunidade, teria recebido R$ 1.000,00 (um mil reais), além da promessa de nomeação a cargo em comissão da Prefeitura de Caseiros, desde que adesivasse o veículo, trabalhasse nos finais de semana e votasse nos candidatos MARCOS e PAULO.

A mídia do diálogo gravado integra os autos (fl. 13v.) e trechos foram indicados na sentença. Em conjunto com a oitiva de testemunhas compõem o acervo probatório da demanda. 

Acervo probatório, antecipo, insuficiente para o provimento do recurso.

De início, sublinho duas circunstâncias: 

Em primeiro lugar, não importa para a caracterização do ilícito que os recorridos tenham sido derrotados nas eleições. A conduta e o respectivo desvalor é que serão objetos de análise para fins de provimento ou desprovimento do recurso.

Em segundo lugar, a rara situação de vitória pela margem mínima - apenas um voto - assim como o tamanho do município não comportam efeitos para o deslinde da ação, pois, na captação ilícita de sufrágio, aspectos muitas vezes examinados (gravidade das circunstâncias, etc.) em outras espécies de desobediência à legislação eleitoral aqui não carecem de análise.

No que concerne à colheita e análise do contexto probatório, merece transcrição trecho da decisão do 1º grau, o qual adoto expressamente como razões de decidir:

[…]

As testemunhas arroladas pelas Defesas, CESAR SPILLER, LUIZ ALBERTO SGARBOSSA, RENAN LUIZ FRACASSO, VILMAR CIRINO RODRIGUES e ROSIMAR CIRINO PIRES, cujos depoimentos foram acima transcritos, são unânimes ao referir que FAUSTINO (pessoa que teria oferecido e entregue a vantagem a ELISANDRO) não exercia função de liderança na campanha política de MARCOS e PAULO, não participava dos comícios, não panfletava e não usava ou era proprietário do veículo Corcel branco. Todas relatam, por outro lado, que ELISANDRO (pessoa a quem oferecida a vantagem e que denunciou o ilícito ao Ministério Público Eleitoral) trabalhava ativamente em favor da candidatura dos opositores de MARCOS e PAULO, tanto que, após a eleição, foi beneficiado com cargo em comissão. Tais testemunhas, todas vinculadas, de algum modo, à candidatura dos requeridos MARCOS e PAULO, deixam clara a tese defensiva principal, no sentido de que FAUSTINO não era cabo eleitoral de MARCOS e PAULO e, assim, não atuava em nome destes, e que ELISANDRO, por sua vez, atuava em favor dos opositores.

Evidente que tais depoimentos têm que ser analisados com temperamento, dado o envolvimento das testemunhas com a campanha eleitoral vencedora, contrária a dos réus MARCOS e PAULO. De toda sorte, não paira nenhuma dúvida que ELISANDRO tinha íntima relação com a campanha opositora, tanto que foi agraciado com cargo comissionado na atual gestão.

O mesmo pode se dizer de Faustino, o qual, no período de campanha eleitoral de 2016, circulava pelo município de Caseiros dirigindo um veículo Corcel, branco, com adesivos relacionados à candidatura de MARCOS e PAULO, e tal veículo ficava estacionado em sua casa, tudo levando a crer, sem muita margem para erro, que se tratava de cabo eleitoral de MARCOS e PAULO. FAUSTINO inclusive foi notificado pela servidora do Ministério Público dentro de tal veículo, adesivado (fotografia de fl. 26), mas, no dia seguinte, já havia removido os adesivos, deixando as marcas evidentes da alteração (fotografia de fl. 28).

O fundamento do pleito condenatória se funda em três alicerces, gravação ambiental supostamente efetuada por ELISANDRO, o depoimento deste em juízo e a apreensão do dinheiro.

A gravação ambiental, destaco, por si só não serve de prova para condenação, tendo em vista a ausência de perícia técnica a apontar a real identidade dos interlocutores. Todavia, analisada em conjunto com a prova testemunhal, revela-se possível a sua utilização, como aliás já acima apontado.

A questão que surge, no entanto, é a manifesta participação de ELISANDRO com a campanha opositora, o que de certa maneira fragiliza a prova. Isso não deve apenas ao fato de ter participado da campanha eleitoral e ser agraciado com cargo público posteriormente, mas sobretudo porque não parece razoável seja oferecido dinheiro para alguém que tenha vínculos estreitos com uma determinada coligação, com vista a que manifeste apoio político à coligação adversária, em especial no Município de Caseiros, cuja disputa eleitoral é deveras acirrada, tumultuada e com diversas acusações recíprocas de desvios no processo eleitoral.

Não bastasse tal ponderação, ainda que reputasse suficiente a prova angariada para comprovar a captação ilícita de sufrágio, entendo que não existe prova nos autos de que os candidatos MARCOS e PAULO tinham ciência ou mesmo anuíram com tal ato.

Bem verdade que não é necessária prova cabal da ciência ou anuência do candidato da captação ilícita, quando os elementos indicarem que o sabia. Não parece ser o caso dos autos, todavia.

ELISANDRO, em seu depoimento judicial, quando foi questionado detidamente pelo magistrado e pelos defensores, foi categórico ao afirmar que não estava no Galpão do candidato MARCOS e, também, que não podia afirmar que estava na propriedade deste. Do seu relato, conclui-se que a suposta compra de votos se deu em via pública.

Disso se depreende, portanto, que do local onde supostamente se realizou o ilícito, não se pode presumir ciência e tampouco anuência do candidato MARCOS. Logo, tirante o fato de FAUSTINO apoiar a chapa de MARCOS e PAULO, quiçá fazendo campanha, nada mais há a evidenciar o envolvimento dos referidos candidatos.

Dessa feita, diante da fragilidade probatória no que toca à captação ilícita de sufrágio e da não comprovação da ciência ou anuência dos candidatos, a improcedência é medida que se impõe, inclusive no que toca ao terceiro não candidato.

 

Irretocável.

O próprio eleitor Elisandro, objeto da pretensa captação ilícita, indica que o diálogo não ocorreu no galpão do então candidato PAULO, mas na rua, ainda que próximo à edificação. A oitiva do áudio assim demonstra: há ruídos de automóveis e movimento de transeuntes.

Lembre-se, ainda, que Caseiros é uma cidade bastante pequena – conta com 2.702 eleitores, um dos menores eleitorados do estado do Rio Grande do Sul. Logo, razoável concluir que as edificações são um tanto próximas, sobretudo aquelas em que há reunião de pessoas em período eleitoral – são locais centrais, por óbvio.

A captação ilícita de sufrágio consiste na promessa ou no oferecimento de vantagem ao eleitor em troca de voto. Tratando-se de norma restritiva, mostra-se imperioso que o investigante comprove os ilícitos que alega de forma robusta e incontroversa, com provas sólidas que confiram credibilidade à versão da testemunha, o que não ocorreu.

Retornando ao conteúdo do áudio, é importante frisar que em momento algum o voto de Elisandro foi objeto do diálogo.

Tal ponto é fundamental: não há negociação de voto.

A rigor, o que ocorre é o seguinte: Elisandro e FAUSTINO possuem relação pessoal próxima. No primeiro minuto de conversa (a gravação possui um total de quatro minutos e quarenta e seis segundos), há falas periféricas, sobre a película do automóvel, etc.

A partir do final do primeiro minuto é que há a fala de FAUSTINO no sentido de “incluir um vereador nisso daí”, ao que Elisandro passa a demonstrar nítido interesse em saber quem repassou o dinheiro – se “PAULO” ou “CANALI”. FAUSTINO responde, sempre, que foi PAULO.

Na sequência, uma passagem importante na qual Elisandro expressamente indica que não conversou com nenhum dos candidatos e que estava “na confiança” com FAUSTINO. Mais: FAUSTINO diz que “avisou lá” que Elisandro “vai pegar junto, vai adesivar o carro”. Após a contagem do valor (mil reais), Elisandro diz que a política é assim: se quatro anos atrás (2012) tinha “ido com eles”, na eleição anterior (2008), já havia apoiado exatamente PAULO JOÃO NADIN.

E Elisandro diz: “eu sempre fui do lado de vocês tudo, sempre correndo, correria”; FAUSTINO enfatiza a necessidade de Elisandro “pegar junto”, dar apoio, ao que Elisandro responde “se tem os adesivo aí, já botemo” pois “não deve nada para os caras”.

Do diálogo, não se extrai ofensa à escolha livre de eleitor. O que há, é bem verdade que de maneira moralmente desabonadora, é a negociação de serviços como cabo eleitoral: adesivar o carro, fazer campanha, pois Elisandro nitidamente transita, eleição após eleição, entre as vertentes políticas de Caseiros, apoiando aquela que mais benefícios lhe traga no momento – e exatamente por isso o seu depoimento, como indicado pelo Juízo de Origem, há de ser considerado de maneira muito relativa, com todas as reservas.

O próprio diálogo gravado demonstra essa indução: Elisandro refere que vai “pegar junto”, ajudar na campanha dos recorridos.

Portanto, assiste razão aos recorridos. O caderno probatório não revela, com isenção de dúvidas, ter havido aliciamento espúrio do eleitor Elisandro, não se prestando a comprovar a relação negocial de compra e venda do voto repudiada pela lei eleitoral.

Desse modo, ausente manobra escusa na busca do voto do eleitor, os autos retratam uma suposta e confusa contratação de cabo eleitoral, em diálogo dúbio, ocorrido entre duas pessoas nitidamente envolvidas na disputa eleitoral, uma com desconfiança em relação à outra. Lembro que a punição tão gravosa contida no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 reclama prova inequívoca da compra de votos, não sendo suficientes juízos de aproximação, de verossimilhança.

Nesse passo, a jurisprudência do TSE, em caráter exemplificativo:

Recurso especial. Representação. Captação Ilícita de sufrágio. Vereador. Eleições 2012.

[...]

3. A aplicação das sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleições exige prova robusta de que o candidato participou de forma direta com a promessa ou a entrega de bem em troca do voto ou, de forma indireta, com ela anuiu ou contribuiu, não bastando meros indícios e presunções.

(AgR-REspe nº 66173 – palmeiras do tocantins/TO. Ac 01/07/2014, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA) (grifei)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a captação ilícita de sufrágio pode ser comprovada mediante prova exclusivamente testemunhal, desde que demonstrada, de forma inconteste, a ocorrência de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97. 2. No caso dos autos, porém, os depoimentos colhidos em juízo revelam-se frágeis, tendo a Corte Regional assentado não somente a existência de contradições, como também que nenhuma das testemunhas presenciou o agravado Evandro Pereira de Sousa oferecendo dinheiro a Jacivan Alves Damaceno em troca de seu voto. 3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-AI n. 44498 – Tupaciguara/MG. Ac 24.06.2014 Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio.) (Grifei.)

Ademais, o recorrente não se desincumbiu do ônus de prova que lhe cabia, qual seja, a demonstração de participação ou, no mínimo, ciência dos candidatos MARCOS e PAULO nos atos de FAUSTINO JÚNIOR TUMELERO – sobre os quais também cabem algumas considerações: FAUSTINO refere conversa com PAULO sobre o encontro com Elisandro; contudo, não orienta como Elisandro deve votar, em momento algum – frisa, sempre, o trabalho que Elisandro deve realizar como apoiador da candidatura.

Dessa forma, ainda que dos autos seja possível extrair condutas altamente reprováveis do ponto de vista moral, sobretudo no trato das convicções político-partidárias, tenho que o recurso não merece provimento.

 

Diante do exposto, afastada a preliminar de ilicitude da gravação ambiental, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença pelos próprios fundamentos.