RE - 46527 - Sessão: 27/08/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EDISON BARALDI MACHADO contra a decisão do Juízo da 140ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a representação ajuizada contra ANTÔNIO SARTORI e ILIANDRO CESAR WELTER, candidatos eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, respectivamente, de Campo Novo, entendendo que o empréstimo de máquinas e a prestação gratuita de serviços aos eleitores no ano do pleito não tiveram conotação eleitoral e não caracterizaram ofensa ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Nas suas razões recursais (fls. 1504-1544), alega estar comprovada a prestação de serviço de silagem sem a cobrança das taxas devidas e sem a emissão de termos de atividades executadas. Argumenta que a inexistência de registro das solicitações e dos trabalhos executados, os quais eram controlados informalmente pelo secretário, como relatou a defesa, é inverídica, pois alguns documentos de controle foram juntados aos autos. Sustenta que o Decreto n. 51/15 da Prefeitura de Campo Novo impõe o pagamento de taxa para prestação de serviços solicitados à Secretaria de Agricultura. Aduz que o uso indevido dos recursos públicos para financiar tais serviços, que deveriam ser custeados pelos cidadãos favorecidos, teve finalidade exclusiva de beneficiar os representados na campanha. Afirma que a cobrança foi suspensa apenas entre o período de abril a outubro de 2016, sendo clara a finalidade eleitoral da gratuidade do préstimo, conforme se verificou pela prova testemunhal. Requer a procedência da ação, com a cassação dos mandatos dos representados e a declaração de sua inelegibilidade.

Com as contrarrazões (fls. 1550-1566), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 1573-1590).

É o relatório.

VOTO

A ação tem por objeto a suposta prática da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, mediante o empréstimo de máquinas e a realização de serviço de silagem a eleitores, de forma gratuita, nos três meses anteriores ao pleito, contrariando decreto municipal que impunha a cobrança antecipada pelos serviços e a praxe adotada pela Administração, a qual sempre cobrou pelas atividades efetuadas pela Secretaria de Agricultura a pedido dos cidadãos.

Transcrevo o dispositivo legal supostamente afrontado:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais

[…]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Ao vedar a distribuição gratuita de bens e benefícios por parte da Administração no ano eleitoral, a lei tem a finalidade de impedir o implemento de novas políticas públicas em período próximo ao pleito, evitando que novos benefícios possam influenciar indevidamente os eleitores em benefícios dos candidatos que estão à frente da Administração Pública, em detrimento da igualdade de oportunidades na campanha. Ao contrário, a manutenção de serviços já implementados é admitida, em verdadeira ponderação entre a continuidade do serviço público e a igualdade entre os candidatos.

A respeito do tema, oportuna a lição de José Jairo Gomes:

Claro está que a regra é a proibição de distribuição. Segundo se tem entendido, para a configuração da presente conduta vedada “não é preciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público, bastando a prática do ato ilícito. [...]” (TSE – AgR-REspe nº 36026/BA – DJe, t. 84, 5-5-2011, p. 47). Note-se, porém, que o fato deve ser considerado à luz do princípio da proporcionalidade.

Em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios se ocorrer alguma das hipóteses legais especificadas, a saber: calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Ainda assim, o artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97 veda o uso político-promocional dessa distribuição, que deve ocorrer da maneira normal e costumeira, sem que o ato seja desvirtuado de sua finalidade estritamente assistencial.

A última das hipóteses permissivas pressupõe a existência de política pública específica, prevista em lei e em execução desde o exercício anterior, ou seja, já antes do ano eleitoral. Quer-se evitar a manipulação dos eleitores pelo uso de programas oportunistas, que, apenas para atender circunstâncias políticas do momento, lançam mão do infortúnio alheio como tática deplorável para obtenção de sucesso nas urnas. (Direito Eleitoral, 14ª ed, 2018, p. 683)

A respeito da cedência de máquinas agrícolas e prestação de serviços pela prefeitura, a Lei Municipal n. 1.852/08 estabelece, em seu art. 1º, que “Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a cobrança de horas Máquina da Patrulha Agrícola: Patrola, Retro-escavadeira, Carregador, Transporte de Pedra, Terra e Cascalho por caminhões, serviços prestados na agricultura para terceiros do Município” (fl. 26).

O Decreto n. 51/2015 expedido pela Prefeitura de Campo Novo para regulamentar o serviço de máquinas nas Secretarias de Transporte, Obras, Agricultura e Meio Ambiente estabelece em seu art. 1º: “...fica determinado que a partir do dia 05 de Agosto de 2015, o(s) serviço(s) solicitados por terceiros junto às secretarias supramencionadas, deverão ser precedidos do pagamento de taxa...” (fl. 24).

O autor da ação, ora recorrente, sustenta que os serviços solicitados por cidadãos à Secretaria de Agricultura eram previamente cobrados pela prefeitura desde agosto de 2015, mas tiveram sua cobrança suspensa entre abril a outubro de 2016, período da campanha eleitoral, com clara finalidade de beneficiar os candidatos representados.

Entretanto, as provas dos autos apontam para a correção da sentença recorrida, a qual concluiu que, embora alguns serviços prestados pela Secretaria de Agricultura não tenham sido cobrados, tratava-se efetivamente de um benefício oneroso aos cidadãos.

Foram juntados aos autos extratos de débitos do Executivo relativos ao serviço de silagem, de feno ou da patrulha agrícola (fls. 220 245, 296, 297, 298, 299), com datas de vencimento variadas, inclusive entre setembro e outubro de 2016, período no qual, segundo o recorrente, não teria havido cobrança.

Tais documentos públicos, sobre os quais não pairam alegações de falsidade, indicam que os serviços agrícolas prestados pelo município eram efetivamente onerosos. Do contrário, não haveria inscrição em dívida ativa dos serviços.

Além disso, a prova testemunhal confirmou que os serviços eram custeados pelos particulares, mas o pagamento somente ocorria, na maioria das vezes, após o trabalho ser concluído.

A testemunha Cleomar Guettens (fls. 678-682) afirmou que solicitou serviços da prefeitura nos anos de 2014 a 2015 e sempre efetuou o pagamento após a prestação do serviço, quando assinava um documento informal para o motorista. Indagado sobre a cobrança antecipada da taxa, disse acreditar que era cobrada apenas de alguns, inadimplentes.

Luiz Carlos Pelizan (fls. 682v.-687) testemunhou ter utilizado dos serviços da prefeitura em 2016 e também nos anos anteriores, afirmando que nem sempre pagou antecipadamente, mas em até 30 dias após os trabalhos, inclusive para evitar juros.

No mesmo sentido é o testemunho de Vilson Dresh (fls. 693-695), segundo o qual pagava pelo serviço da prefeitura após realizado o trabalho. Afirmou que a cobrança anterior do serviço era falha, pois não era possível precisar quanto tempo de trabalho seria demandado. Então o funcionário anotava o tempo em um papel assinado pelo beneficiário, o qual comparecia posteriormente à prefeitura para pagar.

O Secretário de Agricultura durante o período de agosto a outubro de 2016, Aurino Rospide Filho (fls. 671-677), foi ouvido como informante e disse que era praxe na prefeitura deixar de cobrar pelos serviços da secretaria, pois, muitas vezes, as pessoas os solicitavam sem ter dinheiro, pagavam antecipadamente por um reduzido número de horas-máquina que acabavam demandando tempo maior, ou utilizavam o serviço e somente pagavam posteriormente por ele. Disse ainda que a ideia do Decreto, de exigir pagamento antecipado, destinava-se a atender orientação do Tribunal de Contas, mas que não era seguida na prática.

Certamente o desrespeito do secretário ao normativo municipal não se mostra adequado. Aurino admite que a prefeitura expediu o Decreto apenas para atender orientação do Tribunal de Contas, mas que, na prática, não era observado pela Administração, em clara afronta ao princípio republicano da legalidade, além de causar prejuízo ao equilíbrio das contas, pois fornecia-se serviços ficticiamente remunerados por taxas, mas que na prática eram custeados com outras rubricas orçamentárias.

Mas é relevante ter presente a distinção entre as irregularidades. A conduta admitida pelo secretário mais se amolda com a prática de improbidade administrativa ofensiva aos princípios da administração.

Todavia, o aparente descaso com as contas públicas não contém os elementos necessários para caracterizar o pretendido ilícito eleitoral. A falta de controle nas cobranças ocorria desde a edição do Decreto, havendo a permanente prestação de serviços sem o seu prévio pagamento pelo cidadão.

Os efeitos da conduta ilícita devem ser percebidos sob o ângulo dos eleitores, e não da Administração. Nesse sentido, não se verificou que a prefeitura tenha efetivamente alterado a sua política em relação aos serviços prestados pela Secretaria de Agricultura durante o período eleitoral. Ao contrário, as atividades foram constantemente realizadas sem controle eficiente dos pagamentos, o que se manteve a partir do mês de abril de 2016.

As provas invocadas pelo recorrente não alteram o panorama acima exposto.

Adriano Almeida de Souza (fls. 646-649) disse que foi realizado um serviço de silagem no começo de junho, pelo qual tentou pagar por três vezes na prefeitura, mas não havia registro do débito. Na terceira oportunidade, foi informado pelo Secretário Rospide que o valor não seria cobrado “na época de eleição”. Ainda assim, confirmou que foi cobrado pelo serviço após as eleições.

No mesmo sentido foram as informações de Gilson Gonzato (fls. 650-654), filiado a partido adversário dos investigados. Disse que tentou pagar por três oportunidades o trabalho realizado em sua propriedade, mas não havia débito registrado no sistema. Passada a eleição, recebeu a visita do então Secretário Rospide, cobrando pelo serviço realizado.

Marcos Aurélio Nunes, servidor público, ouvido como informante, por ter apoiado a campanha do autor da ação, disse que não houve cobrança do serviço desde quando Rospide assumiu a secretaria, mas admitiu a cobrança dos serviços após a eleição, inclusive por uma solicitação da Câmara de Vereadores. Disse desconhecer os motivos do atraso no lançamento dos débitos e confirmou que alguns serviços eram cobrados e outros não, ignorando os motivos dessa inconsistência.

O comportamento das duas primeiras testemunhas, comparecendo na prefeitura para pagar pelo serviço, indica a efetiva natureza onerosa do trabalho realizado. Ademais, admitiram que, passada a eleição, receberam a cobrança. Diante do quadro probatório, a afirmação do secretário, de que os valores não seriam cobrados durante o período eleitoral, pode ser justificada por uma eventual diminuição no ritmo das atividades, retomado após as eleições, o que justificaria também a ausência de débitos no sistema. Essa cobrança posterior é confirmada por Marcos Aurélio Nunes.

A prova oral não indica a gratuidade dos serviços, mas confirma a cobrança, ainda que tardia, dos trabalhos, indo de encontro à tese recursal.

Dessa forma, o conjunto probatório demonstra que os serviços realizados pela Secretaria de Agricultura possuíam efetivo caráter oneroso, embora não fossem cobrados antecipadamente, como impunha o Decreto n. 51/2015. Demonstrado, também, que a desorganização na cobrança era prática corriqueira desde 2015, a qual se manteve durante o período eleitoral, de forma que não se vislumbra uma ação deliberada da prefeitura para tornar gratuito o serviço anteriormente cobrado dos eleitores.

A caracterização da conduta vedada pelo art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 requer o implemento, no ano do pleito, de programa (a) sem previsão legal que (b) não esteja em execução no ano anterior ao da eleição e (c) gratuito.

O fato não se enquadra na descrição legal, pois (a) estava previsto em lei e (b) em execução no ano anterior ao pleito, além de (c) ser custeado pelos eleitores, cobrança esta que não era corretamente realizada desde o início do programa. Não houve, assim, o incremento de um benefício social ou o início de um serviço gratuito, capaz de causar algum impacto eleitoral benéfico aos representados.

Correto, portanto, o juízo de improcedência da ação.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.