RE - 37523 - Sessão: 17/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO POR UMA CANOAS DE VERDADE e LUIZ CARLOS GHIORZZI BUSATO contra a decisão que reconheceu a decadência, devido a não  formação de litisconsórcio passivo necessário no prazo legal, da Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada contra JAIRO JORGE DA SILVA, MARIO LUIS CARDOSO, LUCIA ELISABETH COLOMBO SILVEIRA e COLIGAÇÃO BLOCO DO ORGULHO MUNICIPAL, por alegada prática de abuso de poder político e econômico e captação ilícita de sufrágio.

A sentença recorrida considerou que o candidato a vereador não eleito LIOMAR BORGES DOS SANTOS deveria ter integrado o polo passivo da ação na qualidade de litisconsorte passivo necessário dos beneficiários, por ser o agente público acusado de praticar as infrações alegadas na inicial. Ponderou que a sua inclusão no feito somente poderia ter ocorrido até a data da diplomação dos eleitos, conforme prazo estabelecido no art. 73, § 12, da Lei das Eleições e que, dessa forma, operou-se a decadência para a propositura da ação, julgando extinto o feito sem resolução do mérito (fls. 166-170).

Em suas razões, os recorrentes invocam o art. 73, § 1º, da Lei das Eleições, sustentando que o candidato LIOMAR BORGES DOS SANTOS não exercia a função de agente público na época dos fatos, embora tenha agido a mando dos candidatos recorridos para realizar as infrações imputadas. Além disso, alegam que deveria o juízo a quo ter procedido à intimação para o acréscimo da parte no polo passivo da ação. Requerem a reforma da sentença, com o processamento da ação (fls. 176-180).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 186-196).

Intimados (fl. 198), os recorridos não apresentaram contrarrazões (fl. 202), e a Procuradoria Regional Eleitoral reiterou o parecer ofertado nos autos (fl. 205).

 

VOTOS

Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença não merece ser reformada.

É pacífica a jurisprudência no sentido da existência de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiário e o responsável pela prática dos atos ilícitos nas ações de investigação judicial por prática de abuso de poder:

Nesse sentido, o precedente do colendo TSE, paradigma que inaugurou essa tese:

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CANDIDATO BENEFICIADO. RESPONSÁVEL. AGENTE PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.

1. Até as Eleições de 2014, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou no sentido de não ser necessária a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o responsável pela prática do abuso do poder político. Esse entendimento, a teor do que já decidido para as representações que versam sobre condutas vedadas, merece ser reformado para os pleitos seguintes.

2. A revisão da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral deve ser prospectiva, não podendo atingir pleitos passados, por força do princípio da segurança jurídica e da incidência do art. 16 da Constituição Federal.

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados.

4. Tendo sido as provas dos autos devidamente analisadas pela Corte Regional, não há omissão ou contradição no acórdão recorrido, mas apenas decisão em sentido contrário à pretensão recursal. Violação ao art. 275 afastada.

5. A condenação por captação ilícita de sufrágio (Lei nº 9.504/97, art. 41-A) exige a demonstração da participação ou anuência do candidato, que não pode ser presumida. Recurso provido neste ponto.

6. O provimento do recurso especial para afastar a prática de captação ilícita de sufrágio não impede que os fatos sejam analisados sob o ângulo do abuso de poder, em face do benefício auferido, o qual ficou configurado na hipótese dos autos em razão do uso da máquina administrativa municipal, mediante a crescente concessão de gratificações no decorrer do ano eleitoral, com pedido de votos.

7. A sanção de inelegibilidade tem natureza personalíssima, razão pela qual incide somente perante quem efetivamente praticou a conduta. Recurso provido neste ponto para afastar a inelegibilidade imposta ao candidato beneficiado, sem prejuízo da manutenção da cassação do seu diploma. Ação cautelar e mandado de segurança julgados improcedentes, como consequência do julgamento do recurso especial.

(TSE - MS: 37082 JAMPRUCA - MG, Relator: João Otávio de Noronha, Redator para o Acórdão: Min. Henrique Neves da Silva, Data de Julgamento: 21.6.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 170, Data 02.9.2016, Páginas 73-74)

O entendimento foi firmado a partir do raciocínio de que, quando se acusa um agente público de utilizar a máquina pública de forma abusiva, o responsável por essa utilização tem de vir a juízo para se defender.

Os recorrentes defendem que somente poderia ser considerado como litisconsorte necessário eventual agente público, considerando-se os parâmetros estabelecidos no art. 73, § 1º, da Lei das Eleições, que dispõe sobre as condutas vedadas a agentes públicos em ano eleitoral, para o seu enquadramento:

Art. 73 (…)

(…)

§ 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional.

Todavia, esse não é o entendimento que se extrai da leitura do leading case.

Ocorre que o acórdão prolatado no MS n. 37082 não tratou de condutas vedadas a agentes públicos, e sim, da mesma matéria versada nos presentes autos: captação ilícita de sufrágio e abuso de poder.

Na decisão, o Relator, Min. João Otávio de Noronha, expressamente consignou que o entendimento pela necessidade de litisconsórcio passivo entre o candidato e o autor da conduta se dava em virtude do disposto no inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, o qual dispõe que “julgada procedente a representação (...) o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes”.

De acordo com o TSE, “assim como nos §§ 4º e 8º do art. 73 é fixada sanção ao autor do ilícito que não o candidato (vindo este a ser o mero beneficiário), no inciso XIV do art. 22 essa distinção também ocorre, estabelecendo-se sanção a quem comete o ilícito em benefício do postulante a cargo eletivo”.

Desta feita, sobressai cristalina a conclusão de que não há exigência de que o litisconsorte seja um agente público, bastando, para atrair a sua legitimidade ad causam, que tenha sido o responsável pela prática do ato abusivo.

Tanto é assim que o Redator para o acórdão, Ministro Henrique Neves, em seu voto-vista, referiu que o raciocínio que estava sendo adotado era no sentido de que o terceiro que pratica a infração deve ser obrigatoriamente incluído na lide, em nada fazendo referência ao requisito de que exerça mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional:

Em outras palavras, se a acusação formulada contra determinado candidato é no sentido de que ele foi beneficiado por omissão incorrida ou ato praticado por terceiro, e havendo - como há - consequências jurídicas previstas na legislação que podem atingir quem praticou o ato14, tal terceiro deve ser obrigatoriamente incluído na lide - independentemente do tipo de ação - para que possa se defender e, se for o caso, arcar com as consequências de eventual condenação (Aliás, a jurisprudência é no sentido de que “deve ser feita distinção entre o autor da conduta abusiva e o mero beneficiário dela, para fins de imposição das sanções previstas no inciso XIV do art. 22 da LC n° 64/90. Caso o candidato seja apenas beneficiário da conduta, sem participação direta ou indireta nos fatos, cabe eventualmente somente a cassação do registro ou do diploma, já que ele não contribuiu com o ato” - REspe n° 130-68, de minha relatoria, DJE de 4.9.2013).

Assim, tal como o eminente relator, reconheço a necessidade de este Tribunal rever sua jurisprudência no que tange à necessidade de inclusão de quem pratica o abuso de poder no polo passivo das ações de investigação judicial eleitoral, pelas mesmas razões que impuseram a alteração do entendimento relativo às representações que tratam das condutas vedadas.

No recente julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 624-54, ocorrido em 11 de maio do corrente ano, o egrégio TSE reconheceu a necessidade de formação litisconsorcial porque os candidatos beneficiários não participaram do ato ilícito, como expressamente consignado na ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA.

1. Trata-se de recursos especiais interpostos por Amanda Lima de Oliveira Fetter e Lúcio José de Medeiros (vencedores do pleito majoritário de Sandovalina/SP nas Eleições 2016) contra acórdão proferido pelo TRE/SP, em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), em que se reformou sentença para cassar a chapa e declarar inelegível o candidato a vice-prefeito por abuso de poder econômico, consubstanciado na distribuição gratuita de 150 latas de cerveja após comício por terceiros.

[...].

PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUTORES. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA.

4. Em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), impõe-se litisconsórcio passivo necessário entre o autor do ilícito e o beneficiário (precedente). Entendimento que incide nos casos de abuso de poder econômico, político e de uso indevido dos meios de comunicação social, pois, a teor do art. 22, XIV, da LC 64/90, aplica-se a inelegibilidade também a quem praticou o ato.

5. A citação das três pessoas que distribuíram a bebida afigurava-se imprescindível, pois a conduta não fora praticada pelos candidatos, que nem sequer estavam presentes. […]

(Recurso Especial Eleitoral n. 62454, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 11.5.2018, Página 32)

Na hipótese dos autos, a petição inicial narra um único fato afirmando que Liomar Borges dos Santos, candidato não eleito e ex-diretor de obras da Prefeitura Municipal de Canoas, compareceu à Rua da Barca, naquela cidade, um local em que residem cerca de 100 famílias de baixa renda, e realizou discurso com finalidade eleitoral em benefício dos candidatos à majoritária recorridos, os quais não estavam presentes na ocasião.

Portanto, com base na jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, era indispensável ao processamento da ação a inclusão de Liomar Borges dos Santos na condição de parte, circunstância que deveria ter sido observada pelos recorrentes até o dia 19.12.2016, data da diplomação dos candidatos eleitos em Canoas, o que não ocorreu.

Anoto, outrossim, que não prospera a alegação de que a matéria não poderia ter sido decidida por falta de intimação para a correção do defeito processual, seja porque a alegação foi arguida em sede de preliminar pela defesa (fls. 34-43), da qual os ora recorrentes foram inclusive intimados e ofereceram réplica manifestando-se sobre a questão (fls. 137-141), seja porque, quando verificado o vício pelo julgador monocrático, já havia expirado o prazo legal para o ajuizamento da ação.

Ademais, no parecer do Ministério Público Eleitoral com a atribuição junto à origem, o Parquet informa que os fatos contidos na presente ação constam do objeto (mais amplo) da AIJE n. 382-15, proposta contra os ora representados e contra Liomar Borges dos Santos, feito que atualmente tramita perante o juízo a quo (fls. 144-146v.).

Assim, não merece reparos a sentença recorrida, devendo ser desprovido o recurso interposto diante da jurisprudência que fixa a exigência de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiário e o praticante do ato ilícito, seja ele agente público ou não.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

 

(Após votar o relator negando provimento ao recurso, pediu vista o Des. Eleitoral Gerson Fischmann. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)