RE - 26918 - Sessão: 16/08/2018 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso contra a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral, por prática de abuso de poder econômico, proposta contra os candidatos não eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Taquari nas eleições 2016, respectivamente, CLÁUDIO LAURINDO DOS REIS MARTINS e JOÃO BATISTA BASTOS PEREIRA, e contra o candidato não eleito ao cargo de Vereador ADÃO CARLOS ALEXANDRE LOPES.

Nas razões recursais, alega que os recorridos praticaram abuso de poder ao inserir, em setembro de 2016, no interior do encarte de promoções e ofertas do Supermercado Ávila, o folder de sua campanha eleitoral, com posterior distribuição em diversas residências do Município de Taquari. Sustenta que ADÃO CARLOS ALEXANDRE LOPES, por ser o gerente do estabelecimento comercial, tinha acesso facilitado ao entregador do material. Ressalta que o verso da propaganda eleitoral trazia um longo texto de promoção do candidato, com expressa menção à sua função de gerente, sendo essa uma das razões pelas quais os eleitores deveriam confiar nele o seu voto. Defende a caracterização de prática de abuso de poder econômico, apontando que os candidatos CLÁUDIO LAURINDO DOS REIS MARTINS e JOÃO BATISTA BASTOS PEREIRA foram patrocinadores da publicidade e também os beneficiários da panfletagem. Assevera o efeito multiplicador da distribuição do material, uma vez que cada cliente, em regra, é membro pertencente a uma família, com a consequente quebra da paridade entre os concorrentes ao pleito devido à utilização da estrutura de uma entidade privada para realização da campanha eleitoral (fls. 176-184v.).

Em contrarrazões, os recorridos suscitam a preliminar de não conhecimento do recurso, ao argumento de que as razões se limitam a reiterar os termos da inicial e, no mérito, postulam o seu desprovimento (fls. 193-199).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, a fim de que seja aplicada ao recorrido ADÃO CARLOS ALEXANDRE LOPES a inelegibilidade prevista no inc. XIV do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 207-213v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar

Inicialmente, analiso a preliminar de não conhecimento do recurso e adianto que não prospera.

Muito embora a peça recursal reproduza elementos da petição inicial, as razões apresentadas são expressas ao atacar a sentença que concluiu pela ausência de interferência na legitimidade do pleito, mencionando, por diversas vezes, a gravidade das circunstâncias que circundam a infração.

Presente, assim, o requisito da dialeticidade recursal previsto no art. 932, inc. III, do Código de Processo Civil, merecendo ser indeferida a preliminar arguida.

Mérito

No mérito, o alegado na inicial - distribuição de propaganda eleitoral dos candidatos Adão Carlos Alexandre Lopes, Cláudio Laurindo dos Reis Martins e João Batista Bastos Pereira, dentro do encarte comercial do Supermercado Ávila - é fato incontroverso que foi admitido pelos recorridos.

A questão controvertida diz respeito à caracterização da conduta como abuso de poder econômico e à presença da condição necessária à procedência da ação, pertinentes à gravidade das circunstâncias, conforme previsão do inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei n. 9.504, de 1997)

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

(Grifei.)

Ao concluir pela improcedência da ação, a magistrada a quo ponderou que, do exame do caderno probatório, extraía apenas a conclusão de terem sido os panfletos do supermercado distribuídos de acordo com a rotina praticada pelo entregador, após solicitação direta de Adão Carlos Alexandre Lopes, o qual comprometeu-se a remunerar o serviço de forma separada, não se evidenciando a certeza quanto à intenção de praticar a infração alegada (fls. 168v. - 169):

A ideia de colocar os “santinhos” na parte interna dos panfletos foi Saul Antônio Rodrigues, como ficou claro em seu depoimento. Tivesse ele simplesmente colocado os “santinhos” nas caixas de correspondência das residências, ainda que simultaneamente à colocação dos panfletos publicitários, nada haveria a reparar na conduta do candidato ora requerido.

Diante da afirmação de Saul Antônio em juízo, ao declarar "Enrolei junto", entendo que a ideia de anexar os "santinhos" ao panfleto possa ter partido exclusivamente do entregador. Afinal, o requerido solicitou que entregasse os “santinhos” junto com os panfletos, mas não há prova de que tenha efetivamente determinado que fosse em anexo, vinculando o estabelecimento comercial à campanha do candidato.

Não há prova neste sentido. O fato do mesmo encarregado haver aceito entregar os "santinhos" não prova tal vinculação, mormente porque o pagamento pelas entregas foi feito em separado.

No que pertine à participação dos requeridos Cláudio Laurindo dos Reis Martins e João Batista Bastos Pereira, restou comprovado nos autos que todas as tratativas de distribuição da propaganda eleitoral foram realizadas exclusivamente pelo ora candidato Adão Carlos Alexandre Lopes, sem o menor indício de participação ou mesmo de ciência dos demais requeridos.

O fato das fotografias de Cláudio Laurindo dos Reis Martins e João Batista Bastos Pereira integrarem os "santinhos" é plenamente justificável. Consabidamente, os candidatos ao cargo de vereador fazem inserir, em seu material de campanha, fotos e nomes dos candidatos da chapa à majoritária, isso em razão das coligações e avenças partidárias. Não há como imputar aos candidatos à majoritária qualquer responsabilidade sobre o destino do material publicitário utilizados pelos candidatos aos demais cargos eletivos.

Note-se que a suposta vinculação do estabelecimento comercial Supermercado Ávila com a campanha eleitoral foi prontamente desmentida e esclarecida por meio de publicação na imprensa local, em 16 de setembro de 2016 (fl. 82). Além disso, há provas nos autos de haver sido imediatamente suspensa a distribuição do material.

Ademais, entendo que a simples distribuição de tais "santinhos", mormente na pequena escala em que ocorreu, não teve o condão de influenciar no resultado da eleição. Não há nos autos prova alguma que aponte para qualquer tipo de vantagem obtida pelos requeridos no pleito em razão da distribuição dos "santinhos"; pelo contrário, uma vez que a repercussão foi extremamente negativa.

Com efeito, apesar das judiciosas razões apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral, não verifico nos autos a presença dos elementos de abuso aptos a atrair o juízo condenatório.

Relativamente à prova documental, foi juntado aos autos o Procedimento Preparatório Eleitoral instaurado pelo Ministério Público Eleitoral para apurar a infração, o qual contém os exemplares do encarte comercial e da propaganda eleitoral impugnada; filmagem da distribuição do material, realizada pelo entregador Saul Antônio Rodrigues; manifestações de eleitores, por escrito e através de mensagens em redes sociais, expressando descontentamento com a vinculação do nome do supermercado ao dos candidatos recorridos; nota divulgada pelo Supermercado Ávila no Jornal O Fato Novo, edição de 16.9.2016, na qual o estabelecimento pede desculpas pelo ocorrido e afirma a sua não vinculação partidária; cópia das notas fiscais da propaganda eleitoral acostada ao encarte, entre outros documentos (fls. 11-101).

Também foram colhidos os depoimentos dos informantes Flávia Machado Ferreira, Rodrigo Pereira Rodrigues, Elisandra Steffen, Elsa Maria Adam Nunes, Clóvis Schenk Bavaresco, Nilton Flores da Silva Neto, e da testemunha Saul Antônio Rodrigues (mídia da fl. 150).

Neste cenário, percebe-se não ter havido a cumulação das atividades empresariais do Supermercado Ávila com a campanha eleitoral dos recorridos, pois o fato somente ocorreu porque, para a distribuição das publicidades, o candidato Adão contratou o mesmo entregador que fazia a panfletagem para o supermercado, Saul Antônio Rodrigues, o qual trabalhava de forma terceirizada.

Saul Antônio Rodrigues foi ouvido em juízo e declarou que sempre tratava da panfletagem do material do supermercado com o gerente, Adão Carlos Alexandre Lopes. Por ocasião do fato, Adão solicitou-lhe que, junto com a distribuição dos encartes do supermercado, fosse distribuída a sua propaganda eleitoral, ajustando pagamento pelo serviço de forma separada. A testemunha resolve enrolar as duas publicidades para facilitar a entrega, pois o material é entregue nas casas na forma de um rolinho. Apontou ter havido falta de comunicação e o desconhecimento sobre a legislação eleitoral.

Embora a Procuradoria Regional Eleitoral afirme não ter sido comprovado pelo candidato o pagamento pela panfletagem de forma separada, é importante ter presente que tampouco o Parquet com atribuição junto à origem produziu prova para contrariar a alegação. Na audiência, Saul sequer foi questionado sobre a questão, de forma que não se mostra possível afirmar, de forma segura, ter ou não havido a remuneração correspondente ao custeio do serviço de panfletagem pelo candidato.

A principal informação que se colhe do testemunho de Saul Antônio Rodrigues é no sentido de que foi sua a ideia de enrolar os panfletos juntamente do encarte do supermercado, para facilitar o seu trabalho, uma vez que realiza a distribuição do material de moto, lançando o material nas residências.

De referir que a única menção quanto ao número de propagandas entregues em conjunto com a publicidade do supermercado consta do depoimento de Saul Antônio Rodrigues. A testemunha disse ter distribuído entre mil e dois mil panfletos, sem saber a quantidade exata, e afirmou ter recolhido parte dos encartes entregues após Adão comunicá-lo, por telefone, que a propaganda eleitoral não poderia ter sido acondicionada dentro do material do supermercado.

Os informantes ouvidos em juízo apenas confirmaram a distribuição de propaganda eleitoral no interior dos encartes comerciais do supermercado, em nada contribuindo para a apuração de abuso de poder econômico.

Nesse contexto, tem-se que os recorridos não se utilizaram da estrutura do Supermercado Ávila, o maior de Taquari, mas sim, do mesmo entregador que faz a distribuição dos encartes comerciais do estabelecimento, o qual assumiu ter espontaneamente dobrado a propaganda eleitoral e colocado dentro dos encartes para facilitar o transporte e a panfletagem.

Além disso, consta dos autos que, logo após o ocorrido, os proprietários do Supermercado Ávila divulgaram em jornal uma nota pública pedindo desculpas e esclarecendo a ausência de vinculação política do estabelecimento (fl. 82).

Quanto ao desequilíbrio no pleito, entendo contraditória a afirmação de que os demais candidatos foram prejudicados pela conduta dos recorridos, porque a propaganda dos adversários estava sendo distribuída de porta em porta, uma vez que a publicidade combatida nestes autos foi entregue exatamente dessa forma.

Do cenário posto nos autos sobressai que o principal fato a ser considerado é que a propaganda eleitoral dos candidatos obedeceu aos ditames previstos na legislação eleitoral, não havendo provas suficientes de que a distribuição, inicialmente de forma incorreta, afetou a legitimidade do pleito municipal.

A meu sentir, os recorridos não fizeram uso do estabelecimento comercial, mas tão somente dos serviços do mesmo entregador que trabalha como freelancer para o Supermercado Ávila distribuindo o seu encarte de ofertas e promoções.

Nada obstante o fato em si carregue a pecha da irregularidade, entendo que a questão posta neste feito não denota a ocorrência de prática de abuso de poder econômico tendente a afetar a normalidade e a legitimidade das eleições, mormente porque, conforme bem referido na sentença, se a propaganda eleitoral tivesse sido distribuída ao mesmo tempo pelo panfleteiro, mas separada do encarte comercial, nenhuma infração teria sido, em princípio, cometida, o que corrobora a convicção pela ausência de gravidade das circunstâncias.

Na lição de Marcos Ramayana, o objetivo principal da ação de investigação judicial eleitoral “é demonstrar a gravidade para desequilibrar as eleições em razão da conduta abusiva. O autor deve demonstrar a anormalidade e a ilegitimidade das eleições (arts. 19 e 22 da Lei Complementar n. 64/1990)”, requisitos que não se encontram presentes nos autos (Direito Eleitoral. 15.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 824).

Em importante artigo sobre o tema, Flávio Henrique Unes Pereira e Bárbara Mendes Lôbo Amaral bem conceituam que a noção de gravidade está atrelada à igualdade de chances entre os candidatos, a qual não parece ter sido atingida pelo cenário posto nos autos (Abuso de poder eleitoral: o alcance da noção de gravidade e de legitimidade do pleito tendo por pressuposto o princípio da mínima intervenção. In Direito Eleitoral – aspectos materiais e processuais. Carvalho Neto, Tarcisio Vieira de; Ferreira, Telson Luís Cavalcante (coord.). São Paulo: Migalhas, 2016, p. 72). (Grifei.)

De igual modo, à luz dos entendimentos jurisprudenciais, para a configuração do abuso de poder econômico, é necessária a presença de provas robustas, contundentes e irrefutáveis que denotem que os candidatos agiram com intuito de influenciar no pleito. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. EMPREGO DE RECURSOS ECONÔMICOS NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. FALTA DE PROVAS ROBUSTAS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. AGRAVO DESPROVIDO. (…) 2. Abuso de poder econômico opera-se pelo emprego exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura. Precedentes. 3. Na espécie, alega-se que o então prefeito de Lagoa de Itaenga/PE sorteou bens em evento público da associação "Clube das Mães" e discursou em prol dos candidatos por ele apoiados no pleito majoritário de 2016, vindo assim a influenciar eleitores. 4. Todavia, diante da moldura fática delineada pelo TRE/PE, é impossível afirmar o efetivo uso de recursos econômicos em benefício das candidaturas, pois não se comprovou que os bens foram realmente oferecidos, tampouco que o Prefeito ou seus candidatos patrocinaram quaisquer dos brindes objeto de sorteio. 5. Ademais, a ausência de informações sobre o valor e a quantidade de bens sorteados ou mesmo prometidos, bem como acerca do número de presentes no evento, impede a adequada aferição da gravidade da conduta, de modo que é inviável avaliar seu impacto perante os eleitores. 6. A falta de provas robustas e incontestes quanto à conduta em exame impede o reconhecimento de abuso de poder econômico por meras presunções. 7. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RESPE: 27238 LAGOA DE ITAENGA - PE, Relator: Min. Jorge Mussi, Data de Julgamento: 01.3.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 62, Data 02.4.2018, Páginas 78-79) (Grifei.)

ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. O Tribunal Regional Eleitoral, por maioria, manteve parcialmente a sentença que julgou procedente ação de investigação judicial eleitoral para cassar os diplomas do prefeito e do vice-prefeito do Município de Santa Adélia/SP, de três vereadores e de um suplente de vereador por entender configurado o abuso do poder econômico decorrente da distribuição de vales combustível no período eleitoral. 2. A ausência de informação sobre gastos eleitorais na prestação de contas parcial não é, por si, suficiente para a caracterização do abuso do poder econômico, pois o efetivo controle e a fiscalização da movimentação financeira das campanhas são realizados a partir da análise da prestação de contas final, admitindo-se, inclusive, que eventual omissão seja sanada em prestação de contas retificadora. 3. A caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes. 4. O uso de combustíveis nas campanhas eleitorais é, em princípio, lícito a teor do que dispõe o inciso IV do art. 26 da Lei nº 9.504/97. Para que se possa afirmar a prática de abuso do poder econômico, é necessário que seja demonstrada a massiva e repetitiva distribuição generalizada de combustíveis a eleitores que não fazem parte da campanha dos candidatos ou, eventualmente, a cabos eleitorais e apoiadores (de forma fraudulenta e/ou à margem da prestação de contas), a demonstrar a utilização excessiva de recursos econômicos e a gravidade do ato abusivo, nos termos do inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90. (...) Recursos especiais providos para julgar improcedente a ação de investigação judicial em relação a todos os investigados condenados. Ação cautelar proposta julgada procedente.

(TSE - RESPE: 51896 SP, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, Data de Julgamento: 22.10.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 211, Data 09.11.2015, Página 87) (Grifei.)

Com esses fundamentos, concluo pela ausência de uso exagerado ou de aproveitamento eleitoral exorbitante no fato narrado nos autos e pela ausência de prova suficiente do comprometimento da legitimidade do pleito e da gravidade das circunstâncias, merecendo ser mantida a sentença recorrida.

DIANTE DO EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.