RE - 55335 - Sessão: 27/09/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MAYERHOFER (fls. 1270-1275) e por JULIO MIGUEL NUNES VIEIRA e ALENCAR FURLAN (fls. 1277-1296) contra a decisão do Juízo da 53ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada por Júlio Vieira e Alencar Furlan e condenou Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer à pena de multa de 15.000 UFIR pela prática das condutas vedadas previstas no art. 73, incs. II, III e VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97.

LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MAYERHOFER (fls. 1270-1275) negaram a divulgação de propaganda pública com intuito de promoção pessoal, sustentando a finalidade de informar à coletividade. Afirmaram não haver provas de que servidoras comissionadas tenham atuado em benefício da campanha dos recorrentes durante o horário de expediente. Argumentaram que estavam afastados da administração durante a campanha, por isso não podem ser responsabilizados por eventual conduta irregular. Alegaram que o ilícito requer o afastamento dos servidores de seu serviço ordinário, situação não caracterizada, pois houve meras postagens na internet, incapazes de afetar o trabalho das servidoras supostamente cedidas. Aduziram ser desproporcional e estar desprovida da devida fundamentação a multa de 15.000 UFIR aplicada a cada candidato. Requerem o julgamento de improcedência da representação.

JULIO MIGUEL NUNES VIEIRA e ALENCAR FURLAN (fls. 1278-1296) argumentaram estar comprovada a oferta e entrega de ranchos em troca do voto dos eleitores para Luiz Trevisan, pois os testemunhos são claros e coerentes sobre os fatos. Defenderam a licitude da gravação ambiental afastada pelo juízo de primeiro grau. Sustentaram que Carlos Volmir foi cabo eleitoral de Armando Mayerhofer e de Luiz Trevisan, para os quais cooptou eleitores em troca de vales. Asseveraram haver provas da oferta de vantagem pessoal a Marieli Rodrigues, consistente em interceder perante o Conselho Tutelar para solucionar sua situação. Aduziram que houve distribuição de ranchos da rede de supermercados de Trevisan em troca do voto de eleitores, conforme prova documental produzida. Requerem a total procedência da representação, com a cassação do diploma dos recorridos.

Com as contrarrazões (fls. 1303-1304 e 1306-1312), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo reconhecimento da licitude da gravação ambiental, pela aplicação da multa e pela cassação do diploma de Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer (fls. 1316-1351).

É o relatório.

 

VOTO

Luiz Affonso Trevisan, candidato eleito ao cargo de prefeito de Sobradinho, e Armando Mayerhofer, candidato eleito a vice-prefeito, foram absolvidos das imputações de captação ilícita de sufrágio mediante a oferta de ranchos, vales e dinheiro a eleitores e condenados à pena de multa de 15.000 UFIR pela prática de conduta vedada, consistente na divulgação de publicidade institucional em período vedado e emprego de servidores públicos na campanha durante o horário normal de expediente.

O recurso de Júlio Vieira e Alencar Furlan pretende o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio, e a insurgência de Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer busca a total improcedência da representação.

Passo à analise das imputações.

 

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO:

A captação ilícita de sufrágio é vedada, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

A vedação tem a finalidade de preservar a liberdade de escolha do eleitor, o qual deve definir seu voto de acordo com seus projetos políticos e suas preferências ideológicas. Sanciona, assim, o candidato que busca conquistar o voto através da oferta ou entrega de vantagens pessoais, desvirtuando o próprio sistema democrático na sua origem.

Nesse norte, a configuração do ilícito requer (1) uma vantagem pessoal oferecida a (2) um eleitor específico com (3) a finalidade específica de obter-lhe o voto em troca desse benefício.

Tendo esses requisitos como norte, serão analisados os fatos imputados aos representados.

 

Licitude da gravação ambiental:

A captação ilícita de sufrágio pretendia ser demonstrada, entre outras provas, mediante a gravação ambiental de diferentes conversas, as quais foram consideradas ilícitas pelo juízo de primeiro grau porque realizadas sem o conhecimento de um dos interlocutores, os quais esperavam sigilo do diálogo.

O tema da licitude da gravação ambiental já foi por diversas vezes enfrentado nesta Casa em situações semelhantes. A gravação ambiental – realizada por um dos interlocutores – não se confunde com a interceptação, na qual uma terceira pessoa capta a conversa. Nesta última hipótese, a interferência de pessoa estranha ao diálogo pode representar ofensa à privacidade, pois chega ao seu conhecimento conversa da qual não foi autorizado a participar. Por isso, na interceptação faz-se necessário o consentimento dos interlocutores.

Na gravação ambiental (caso dos autos), de regra, não há que se falar em necessidade de anuência do interlocutor gravado, pois as palavras ditas foram ouvidas e captadas pela mesma pessoa a quem elas se destinavam, sem interferências externas. Se o participante pode divulgar a conversa, inclusive testemunhando sobre seu conteúdo, nada impede que proceda também à sua gravação. Somente quando o próprio teor da conversa imponha sigilo, impedindo inclusive o testemunho do interlocutor sobre o seu conteúdo, será possível pensar em eventual ofensa à privacidade.

Excepcionadas tais situações, é perfeitamente possível a captação de conversas por um dos interlocutores, conforme já definiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, como se extrai da seguinte ementa:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.)

Este Tribunal já reconheceu ser lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, como se extrai da seguinte ementa:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria.

Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.)

Assim, ausente qualquer situação de excepcional sigilo, em que seria vedado o próprio testemunho do interlocutor sobre o conteúdo da conversa, deve-se reconhecer a licitude da gravação.

 

1º Fato:

A inicial afirmou que durante o período de campanha eleitoral, Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer entregaram ranchos a diversos eleitores em troca de seus votos, com o auxílio de Fabiano Puntel, proprietário do Mercado Puntel.

Foi juntada aos autos a gravação de uma conversa entre 04 pessoas, cuja degravação consta na fl. 74, a qual foi considerada ilícita pelo juízo sentenciante, tendo em vista a falta de ciência e anuência de um dos interlocutores, identificado pelas partes como sendo Fabiano Puntel.

Na hipótese dos autos, ao que tudo indica, Fabiano, o interlocutor gravado sem consentimento, encontrou Jerônimo, Arlei e Marcos e foi por eles informado de que alguém havia chamado a polícia para averiguar a realização de um churrasco na localidade onde Fabiano teria distribuído vários ranchos. O diálogo ocorreu em local público e, aparentemente, Fabiano não conhecia os interlocutores, sendo razoável concluir que não trataria sobre um assunto íntimo ou privado com desconhecidos. Não se vislumbra, assim, como poderia haver expectativa legítima de sigilo do diálogo, a ponto de inviabilizar o próprio testemunho dos demais interlocutores.

Deve-se afastar, assim, a ilicitude da gravação.

Todavia, mesmo se considerada lícita, o seu conteúdo e o contexto no qual foi efetuada, somados aos demais elementos dos autos, não lhe conferem confiabilidade suficiente para demonstrar a pretendida captação ilícita de sufrágio.

Inicialmente, como bem destaca a sentença, não é possível identificar de forma segura os interlocutores da conversa. Os autores afirmam que o diálogo se deu entre Jerônimo Lazzari, Arlei Scotta, Marcos Henrique Franceschett e Fabiano Puntel. Arlei e Marcos, ouvidos em juízo, confirmaram ter participado da conversa com Fabiano. Este, por sua vez, afirmou não lembrar da conversa, pois estava bastante alcoolizado naquela noite.

Ademais, o diálogo não esclarece de forma definitiva o pretendido ilícito.

Uma primeira voz reclama que alguém havia chamado a polícia, desconfiando que eram “os do onze”. Mais adiante, esta mesma voz afirma que já havia liberado mais de R$ 4.000,00 em ranchos, em uma vila localizada mais acima, onde não sobrou nenhum “onze”, porque ele teria “fechado” “tudo quinze”. Adiante, seguem afirmando que o PP nunca perdia naquela localidade, mas desta vez a situação seria diferente. Em seguida se despedem.

Acerca da distribuição de ranchos, reproduzo a passagem específica do diálogo:

Voz 2: Viu! E amanhã de manhã hum, vão te que libera home, se não ó.

Voz 1: Não, ma eu to liberando. Ali eu já liberei, hoje deu sss…, quatro mil e pouco de rancho.

Voz 3: Quatro mil e pouco pra onde foi isso aí?

Voz 1: Tudo kit lá.

Voz 3: lá em cima lá?

Voz 1: Ma tem um lugar, tem que nem lá em cima uma vilazinha lá que entre não sobrou nenhum do onze. Nenhum onze aqui dentro.

Voz 3: Aham.

Voz 1: Eu fechei tudo quinze. Os que era. Essa mesa tem desde que existe a mesa o PP nunca perdeu aqui. Desde que existe essa essa mesa.

Como se verifica, o diálogo não é esclarecedor a respeito dos fatos imputados. Aparentemente, houve a distribuição de ranchos na localidade, mas a conversa não esclarece de que forma essa distribuição foi feita. Se houve pedido de votos ou se os candidatos estavam efetivamente envolvidos na situação.

O conteúdo da conversa, por si, não esclarece o ilícito, necessitando ser complementado por outros elementos, que também não resolvem de forma suficientemente segura a questão.

Dentre os interlocutores, Arlei foi cabo eleitoral e Marcos Henrique é genro do representante Júlio Vieira, também candidato ao cargo de prefeito. Ambos admitiram em juízo que estiveram na Linha Quinca para apurar em que termos uma suposta janta estava sendo realizada. Estavam, portanto, a serviço do candidato adversário quando abordaram Fabiano e gravaram a conversa com ele.

O próprio teor do diálogo deixa transparecer essa “missão” que foram cumprir, pois não se identificaram para Fabiano, perguntaram porque as pessoas estavam reunidas, falaram mal daqueles que chamaram a polícia (quando, na verdade, tinham também interesse em que acabasse o jantar) e indagaram se Fabiano iria “liberar”, indicando a distribuição de vantagens pessoais, quando então incentivaram o interlocutor a falar sobre os ranchos distribuídos. No final, ainda elogiaram a conduta de Fabiano: “show de bola”, e perguntaram seu nome para registrá-lo na gravação.

Como se vê, os demais interlocutores direcionaram a conversa, inclusive incentivando Fabiano a falar sobre eventuais irregularidades. Portanto, além de não ser esclarecedora, a conversa foi conduzida por pessoas diretamente ligadas aos candidatos adversários, que encontraram Fabiano enquanto procuravam falhas de seu opositor.

A situação de inconsistência da prova ainda é agravada diante da evidência do estado de embriaguez de Fabiano. Tal estado foi admitido pela testemunha em juízo e foi reconhecida pelos demais interlocutores no final da conversa, quando, após se despedirem de Fabiano, conversam entre si e afirmam: “esse home tá bêbado”, “claro que tá”.

Esta última passagem não consta na degravação da fl. 74, mas está na ata notarial das fls. 613 e 614 e pode ser confirmada pela gravação juntada na fl. 615.

Ademais, a dita distribuição de ranchos não é confirmada de forma segura pela prova testemunhal.

De todas as testemunhas ouvidas, apenas Tiago Roberto de Souza, residente na Quinca, afirmou ter recebido um rancho de Fabiano, que foi entregue a pedido de Maninho (como é conhecido Luiz Trevisan) quando esteve no Mercado. Afirmou ainda que outras pessoas do bairro teriam recebido o rancho em troca de voto, citando uma eleitora chamada Laura e um eleitor chamado Joceli. Disse também que depois da eleição não podia mais passar no Mercado, pois era constantemente ameaçado de morte, motivando-o a realizar um boletim de ocorrência.

Houve a desistência da oitiva de Joceli, e Lauren Rehbein – a eleitora referida como Laura por Tiago – negou ter recebido rancho de Fabiano e ainda afirmou que tanto ela quanto a testemunha Tiago receberam oferta de dinheiro em troca dos seus votos por parte de Gorete e Júnior, representantes do PP, cujos candidatos promovem a presente ação.

Diante do conjunto probatório, não se pode concluir de forma segura sobre a aludida compra de votos em troca de ranchos.

A conversa gravada nada esclarece sobre as práticas imputadas, além de ser conduzida por pessoas diretamente ligadas aos candidatos representantes para obter afirmações comprometedoras de alguém que, a toda evidência, estava alcoolizado. Embora o diálogo possa indicar alguma irregularidade, seria necessária sua confirmação por outras provas, o que não ocorreu, pois as testemunhas não ratificaram a suposta distribuição de ranchos em troca de votos e ainda imputam a prática de irregularidades a pessoas envolvidas com o partido dos representantes.

O único testemunho confirmatório é o de Tiago, mas que restou isolado, sem a confirmação de nenhum outro elemento, e mostra-se insuficiente para demonstrar a pretendida captação ilícita de sufrágio.

Diante da imprecisão da prova produzida, o resultado positivo obtido pelos representados na localidade não provam por si que os votos foram conquistados ilicitamente. Inúmeros fatores podem ter contribuído para tal resultado, como um maior empenho na campanha, uma insatisfação com a oposição ou a atuação eficaz da prefeitura em prol dos moradores, entre outros. Diante da inconsistência da prova do ilícito, o resultado nas urnas não contribui para provar a pretendida ilicitude.

Correto, assim, o juízo de improcedência em relação ao primeiro fato.

 

2º Fato:

Afirmou a inicial que os representados ofereceram vales-rancho e dinheiro a diversos eleitores em troca de seus votos com o auxílio de Carlos Volmir dos Santos, vulgo "Coco".

A respeito do ponto, testemunhas afirmaram ter recebido um vale a ser trocado no mercado Padilha pelos seus votos para os representados Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer (mídia da fl. 988).

Valéria Borges disse que tinha adesivo do “11” em sua casa e estava com a água cortada. Foi procurada por Carlos Volmir com a promessa de que teria a água religada se trocasse o adesivo para o do “15”. Indagada pela magistrada se a oferta tinha sido feita em troca de alguma coisa, a testemunha afirmou: “só pra tirar o 11”. Em seguida foi perguntada se Volmir pediu voto de Valéria, ao que a testemunha respondeu: “daí eu tinha que votar no 15”. Afirmou desconhecer fatos sobre a distribuição de vales ou ranchos no seu bairro.

Afirmou morar no bairro Pinhal, o mesmo onde reside o representante Alencar Furlan.

Rosecler Mussart disse que Cláudio Volmir ofereceu um vale de R$ 80,00 para votar em “Maninho” e no vereador “Tuki”. A testemunha disse-lhe que não votaria no 15 para prefeito, então ficou com o vale apenas para votar no “Tuki”. Afirmou ter conhecimento da distribuição de vales para outras famílias. Disse não ter recebido a visita de Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer e desconfiar que não foi visitada porque tinha um adesivo do “11” em casa, partido pelo qual sempre teve preferência.

Maria Francisca Fátima de Souza afirmou ter recebido um vale no valor de R$ 80,00 de Carlos Volmir em troca do seu voto no vereador “Tuki”. Indagada sobre pedido de voto a favor dos representados, a testemunha negou expressamente tal pedido. Reiterou em diferentes oportunidades que recebeu o vale apenas para votar no vereador “Tuki”, e não no prefeito.

Juarez da Rosa Ferreira (mídia da fl. 928) disse ter recebido um vale de R$ 80,00 de “Taquara”, proprietário de um mercado na Medianeira. Na oportunidade, “Taquara” teria dito que “era o prefeito que tava dando, que era pra nós votar pro 15”.

Laureci Padilha, proprietário do mercado Padilha e funcionário da prefeitura, confirmou ser conhecido pelo apelido de “Taquara”, mas negou ter participado de qualquer esquema de distribuição de ranchos em troca de vales.

Carlos Volmir dos Santos, conhecido como “Coco”, foi ouvido como informante e negou ter participado da campanha e distribuído vales em troca de votos.

Sirlei dos Santos, esposa de Carlos Volmir, também ouvida como informante, disse ser filiada ao PP, mas que apoiava as candidaturas de “Maninho” para prefeito e de “Tuki” para vereador, pois ambos ajudaram muito uma de suas filhas quando precisou. Por essa gratidão, afirmou que raspou a cabeça quando soube da vitória de seus candidatos.

Embora os testemunhos de Valéria Borges, Rosecler Mussart e Juarez da Rosa Ferreira tenham confirmado o recebimento de vales e pagamento de água em troca de seus votos, o contexto probatório mostra insegura a conclusão pela ocorrência da captação ilícita de sufrágio.

Inicialmente, cada testemunha trata de um fato isoladamente, sem que existam outras testemunhas capazes de confirmar a versão desses fatos.

A legislação eleitoral impõe prudência em situações de testemunhos isolados, como se extrai do art. 368-A do Código Eleitoral, segundo o qual, “a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Ademais, especialmente em relação ao depoimento de Rosecler Mussart e Valéria Borges, as testemunhas são induzidas pelas perguntas dos representantes da acusação, perguntando se "Coco" esteve na casa da eleitora, se ele entregou um rancho ou ofereceu um valor e se ele pediu que a eleitora votasse nos representados. As testemunhas resumiam-se a responder sim ou não. A própria magistrada chegou a advertir os procuradores que não conduzissem a resposta das testemunhas.

Mesmo sem essa situação de condução das respostas, os testemunhos são sucintos. Limitam-se a afirmar o oferecimento do vale e o pedido de voto, sem explicitar como se deu a visita, sobre o que conversaram, como acertaram a troca do vale, ou seja, sobre detalhes da visita que permitiriam ao juízo compreender melhor a dinâmica dos fatos e concluir se houve mesmo o ilícito.

Ademais, tanto Rosecler e Valéria admitiram que possuíam adesivo do “11” nas suas casas. A testemunha Rosecler possuía tal vínculo de preferência pelo PP que disse ter negado categoricamente qualquer possibilidade de votar no “15” quando lhe foi oferecido o vale rancho.

Some-se a isso a evidência de que as testemunhas foram sistematicamente procuradas pelos representantes após a eleição, com a finalidade de encontrar eleitores que tivessem recebido alguma oferta em troca de seus votos. Isso fica claro pelas degravações juntadas nas fls. 84 a 96, as quais retratam a conversa de alguém ligado aos representantes conversando com eleitores para saber sobre a oferta de vantagens com a finalidade de ingressar com a ação.

Por certo que cada um desses elementos não demonstra um conluio entre partes e testemunhas, mas o importante para reconstrução dos fatos é a qualidade da prova, e não sua quantidade.

Os diferentes elementos, somados, enfraquecem a força probatória dos testemunhos. Embora três eleitores tenham confirmado a compra de votos, cada um se refere a uma ocorrência isolada, são pessoas que têm preferência pelos representantes, seus testemunhos são sucintos e, por vezes, conduzidos pelas perguntas, e foram todos procurados ao fim da eleição com o intuito de ingressar com a presente ação.

Os eleitores que apenas foram gravados afirmando que receberam vales em troca de votos também não comprovam o pretendido ilícito. Tais afirmações foram obtidas pelos representantes, interessados no deslinde da causa, e os eleitores não foram submetidos ao crivo do contraditório, em audiência, o que reduz o valor probatório das degravações.

A respeito do vale acostado na fl. 88 dos autos, no qual se lê: “Mercado Padilha” e “Coco”, não se presta a demonstrar o ilícito pretendido. Trata-se de documento único, que nada demonstra de concreto. A respeito da grafia do apelido, comparando-se visualmente o padrão da fl. 88 com o da fl. 987, manuscritos por Carlos Volmir a pedido da juíza de primeiro grau, não se vislumbra semelhança consistente entre eles, embora tenham utilizado, ambos, letra de forma.

Alie-se à insegurança da prova o fato de que a diligência da Delegacia de Polícia de Sobradinho, no mercado Padilha, para a busca e apreensão de material apto a demonstrar a distribuição de vales, resultou negativa (fls. 453-769). Dentre outros elementos, buscava a autoridade policial encontrar vales, tais como aquele juntado na fl. 88 dos autos, mas nada foi encontrado.

Mesmo que se entendesse segura a prova a respeito da distribuição de vales a eleitores em troca de votos, não há prova nos autos a respeito da participação ou anuência dos representados nos ilícitos.

Nenhuma das testemunhas referiu ter recebido pedido de voto ou recebido oferta de vantagem dos candidatos Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer. Ademais, nenhum elemento dos autos liga os candidatos a Carlos Volmir dos Santos, o “Coco”.

É fato que Carlos Volmir e sua esposa, Sirlei dos Santos, aparecem em uma foto ao lado dos candidatos, a qual foi divulgada por Armando Mayerhofer na rede social Facebook com os dizeres: “Muito obrigado ao Coco, a Sirlei e toda a família do bairro Pinhal que sempre foram 11 e que nesta eleição foram de 15. A amiga Sirlei prometeu raspar a cabeça se o 15 ganhasse e aí está a prova que cumpriu a promessa” (fl. 89).

Sirlei, em juízo, confirmou ter cortado o cabelo, para pagar promessa realizada pela vitória dos representados. Disse ter grande apreço por Armando, em razão da ajuda recebida por sua filha, e negou ter realizado tal ato em troca de algum benefício.

Embora possa parecer estranho o comportamento de Sirlei, as pessoas podem exteriorizar seu apreço pelos outros das mais variadas formas. O que se extrai dos autos é apenas a existência de uma admiração da eleitora pelo representado. Concluir que essa preferência demonstra participação ou anuência em atos de compra de votos realizados por seu marido requer exercício de suposição, inadmissível para sustentar um juízo condenatório.

Como se verifica, as provas a respeito do 2ª fato não se mostram seguras o suficiente para justificar o pretendido juízo condenatório, devendo-se manter íntegra a sentença recorrida neste ponto.

 

3º Fato:

Segundo a inicial, Luiz Affonso Trevisan garantiu à eleitora Marieli Rodrigues que providenciaria perante o conselho tutelar o restabelecimento de seu poder familiar sobre sua filha se a eleitora votasse nele.

Na folha 121 dos autos consta a degravação de uma conversa entre Marieli e uma pessoa chamada Gerson, na qual a eleitora afirma ter encontrado Luiz Trevisan e que o candidato teria lhe garantido ajuda com a questão de sua filha se a eleitora votasse nele.

Embora a gravação não possa ser considerada ilícita, seu valor probatório é bastante inexpressivo. Não se sabe em que condições ocorreu o diálogo, o qual inclusive foi provocado por pessoas envolvidas com a acusação após as eleições para preparar eventual ação judicial. Ademais, a própria eleitora afirma, na gravação, que “trabalhava” para o onze, evidenciando vínculo com o partido dos representantes.

A mera afirmação da eleitora, em uma gravação ambiental, de que teve seu voto cooptado ilicitamente é incapaz de sustentar o pretendido juízo condenatório.

No tocante aos registros perante o Conselho Tutelar, consta na folha 995 uma ata da reunião do Conselho Tutelar na qual relata que Marieli compareceu à entidade e informou que Luiz Trevisan iria ajudá-la a recuperar o poder familiar sobre sua filha, mesmo que precisasse contratar advogados para tanto, pois entendia inadequada a conduta da entidade.

O registro nada refere sobre eventual pedido de voto e em nada contribui para o esclarecimento dos fatos.

 

4º Fato:

Constou na inicial que cabos eleitorais distribuíram ranchos provenientes do supermercado Treviso, de propriedade do representado Luiz Trevisan. Sustentou que moradores próximos ao local perceberam o aumento da movimentação de veículos conforme se aproximava a eleição.

Edemar Soares Antunes testemunhou, afirmando ter percebido uma maior trânsito de veículos no depósito do supermercado Treviso na quarta-feira que antecedeu a eleição, movimento este que não havia antes e que encerrou-se tão logo passado o pleito. Dentre os veículos que chegavam ao local, identificou o de Bruno Kegler e o de Dirceu Rode.

Embora tenha percebido o movimento, não sabia o que os carros carregavam, nem viu sairam levando ranchos.

A testemunha Almedo Costa disse ter visto uma Kombi do supermercado Treviso entregando rancho em uma residência no seu bairro, situação que nunca havia ocorrido. Afirmou que um dos moradores lhe disse que receberam o rancho em troca dos seus votos e que um dos moradores é sobrinho do representado Armando Mayerhofer.

Afirmou ainda saber de outras pessoas que receberam o rancho, mas não soube identificá-las, nem falar seus nomes. Confirmou também que o veículo Kombi sempre faz entregas de ranchos na região.

A prova produzida é incapaz de esclarecer os fatos. Edemar Antunes somente soube afirmar que percebeu uma movimentação maior de veículos no supermercado Treviso dias antes da eleição, mas não viu se carregavam ranchos, nem soube precisar o que faziam no local. Nada sabia informar, portanto, sobre o alegado aumento de veículos no local.

Por sua vez, Almedo Costa apenas disse ter visto um veículo do supermercado deixando uma entrega na residência de seu vizinho, o qual, por sinal, é parente do próprio representado, Armando Mayerhofer. Quanto aos demais vizinhos, chega a afirmar que outros receberam ranchos, mas não os identificou.

Ademais, tanto Almedo quanto Edemar afirmaram ser ligados ao PP, partido dos representantes, o que não desconstitui por si só seus testemunhos, mas é um elemento que se soma à imprecisão dos depoimentos e reforça a inconsistência da prova produzida.

A prova do fato, portanto, limita-se a uma pessoa que apenas percebeu o aumento de veículos no supermercado Treviso e a outra que viu ranchos sendo entregues a vizinhos por um veículo do próprio mercado, que rotineiramente realiza este trabalho.

Mais uma vez chama atenção os diminutos detalhes sobre as circunstâncias, sendo a testemunha Almoedo, por vezes, conduzida pelos representantes. Acerca da finalidade eleitoral dos ranchos, os representados indagaram: “a troco de que seu Almoedo, eles pediram voto pra dar esses ranchos?”, ao que a testemunha apenas afirmou: “é, voto”.

Novamente, o testemunho de Almoedo é pobre e pouco esclarecedor sobre as circunstâncias dos fatos. Disse que na residência onde foi entregue o rancho moram umas oito ou nove pessoas, e que somente afirmou genericamente que “convidaram” ele para um jantar e que “contaram” que o rancho foi entregue em troca de voto, sem precisar quando e com quem conversou.

A inexistência de detalhes, sem identificação dos supostos eleitores cooptados e sem apurar se houve real pedido de votos, conduz à conclusão de que deve ser mantido o juízo de improcedência no ponto.

 

CONDUTAS VEDADAS:

A Lei n. 9.504/97, notadamente em seu art. 73, enumera algumas condutas que são vedadas aos agentes públicos na atividade administrativa, porque tendem “a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”, tal como dispõe o caput do aludido artigo.

A respeito do tema, elucidativa a doutrina de José Jairo Gomes:

Tem-se salientado a unicidade do conceito de abuso de poder, conquanto sua concretização possa dar-se a partir de diferentes situações ocorridas na realidade fenomênica, apresentando, ainda, diversidade de efeitos na esfera jurídica. Conforme lição clássica, trata-se do mau uso de poder – ou de direito subjetivo – detido pelo agente, que desborda do que é comum e da normalidade.

Caracteriza-se o abuso de poder político pela exploração da máquina administrativa ou de recursos estatais em proveito de candidatura, ainda que aparentemente haja benefício à população. Distingue-se do abuso de poder econômico, porquanto neste se encontra ausente a atuação de agente estatal.

Entre as inumeráveis situações que podem denotar uso abusivo de poder político ou de autoridade, o legislador destacou algumas em virtude de suas relevâncias e reconhecida gravidade no processo eleitoral, interditando-as expressamente. São as denominadas condutas vedadas, cujo rol encontra-se nos

artigos 73 a 78 da Lei no 9.504/97. Trata-se de numerus clausus, não se admitindo acréscimo no elenco legal. Sobretudo em razão de seu caráter sancionatório, as regras em apreço não podem ser interpretadas extensiva ou ampliativamente, de modo a abarcar situações não normatizadas. (Direito Eleitoral, 13ª ed., 2017, p9. 685-686)

São, assim, condutas tipificadas como ilícitas pelo legislador, cuja ocorrência enseja a incidência da pena de multa de cinco a cem mil UFIR (art. 73, § 4º) e, a depender da gravidade da situação, da cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado (art. 73, § 5º).

A sentença recorrida condenou os representados por veicular publicidade institucional com intuito de promoção pessoal do representado Luiz Trevisan, consistente na divulgação, na página oficial da prefeitura no Facebook, de notícia sobre obras realizadas em escolas públicas (fato 3 da inicial) e por usar servidores públicos em benefício de sua campanha durante o horário de expediente (fato 4 da inicial), aplicando-lhes pena de multa de 15.000 UFIR.

Registro, apenas, que a representação, em relação aos fatos 01 e 02 descritos sob o título da conduta vedada foram extintos, em razão da litispendência, como esclarece a sentença recorrida.

O recurso dos representados, Luiz Affonso Trevisan e Armando Mayerhofer, insurge-se contra tal condenação, sob o argumento de que não estão configurados os ilícitos, pelos quais também não podem ser responsabilizados.

Analiso os fatos de forma individualizada.

 

3º Fato:

A sentença reconheceu que, no dia 08 de julho de 2016, foi publicada na página oficial da Prefeitura de Sobradinho no Facebook, publicidade institucional.

A divulgação considerada ilícita informa o valor investido pela prefeitura em reformas de escolas públicas e compra de novos materiais, acompanhada de fotografias externas de dois prédios e do interior de uma cozinha.

Transcrevo o texto publicado (fl. 17):

A Secretaria de Educação, Cultura, Turismo e Desporto está investindo 230 mil reais em melhorias nas estruturas físicas das escolas municipais, as quais estão recebendo pintura interna e externa, reforma de banheiros, troca de piso, manutenção de ginásios de esportes, fechamento com cercas de PVC e aquisição de equipamentos. Na escola Dr. Adolpho Sebastiany, do Bairro Vera Cruz foi ampliada a cozinha, sala dos professores e os banheiros. Nas escolas de educação infantil está sendo feita a substituição do piso comum pelo laminado, que serve como isolante térmico, ajudando a manter a temperatura ambiente. Foram adquiridos materiais pedagógicos e brinquedotecas e ofertadas formações continuadas a todos os profissionais da rede municipal de ensino. Está sendo construída uma nova escola ao lado de Polo de Educação, no valor de R$ 1.200.000,00, e quadras poliesportivas cobertas no Bairro União, Campo de Aviação e no Bairro Pinhal – obra esta já concluída. Também foi reformado o Ginásio Castelão e a quadra do Ginásio da Feijão e serão construídas três quadras esportivas com rede nos bairros Peões e Copetti, e me linha Apolinário.

A divulgação de publicidade institucional é vedada dentro dos três meses que antecedem a eleição pelo art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97, excepcionando-se apenas os casos de grave e urgente necessidade, assim reconhecidos pela Justiça Eleitoral.

Transcrevo o dispositivo pertinente:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

Em 2016, o pleito ocorreu em 02 de outubro, de forma que a publicidade foi divulgada dentro dos três meses em que era vedada.

Seu conteúdo não retrata nenhuma informação de urgente necessidade pública. Ao contrário, possui nítido caráter de publicidade governamental, informando o valor gasto na reforma de escolas, compra de materiais e melhoramento de suas estruturas. De fato, seu conteúdo está mais ligado ao tema de campanha eleitoral, noticiando as providências adotadas pelo governo na área da educação, do que informar questões de utilidade pública.

A publicidade institucional é objetivamente vedada dentro dos três meses que antecedem a eleição, pouco importando se os titulares do cargo já possuíam registro ou até mesmo se pretendiam lançar candidatura.

Da mesma forma, não socorre os recorrentes a alegação da inexistência de prova da sua anuência para a veiculação da publicidade institucional. Luiz Trevisan ocupava o cargo de prefeito, responsável pela orientação e fixação das diretrizes administrativas, respondendo pelos excessos praticados pelos servidores, submetidos à sua orientação, ainda que indiretamente. Nesse sentido, a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. CHEFE DO PODER EXECUTIVO. CONDUTA VEDADA. CARACTERIZAÇÃO.

1. Deve ser comprovada a autorização ou prévio conhecimento da veiculação de propaganda institucional, não podendo ser presumida a responsabilidade do agente público (AI nº 10.280/SP, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 14.9.2009, e REspe nº 25.614/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 12.9.2006). Contudo, não há se falar em presunção no caso em debate.

2. Cabe analisar, em cada caso concreto, se o beneficiário da propaganda institucional teve ou não conhecimento da propaganda (Precedentes: REspe nº 35.903/SP, Min. Rel. Arnaldo Versiani, DJE de 2.9.2009; AgRg no AI nº 10.969, de minha relatoria, DJE de 4.8.2009; e AAg 7.501/SC, Rel. Min. Gerardo Grossi, DJ de 16.3.2007). No caso, o e. TRE/SP entendeu como peculiaridade do caso o fato de o agravante, beneficiado pela propaganda institucional, ser o chefe do Poder Executivo, e, portanto, responsável por esta.

3. A Corte a quo analisou as provas e as circunstâncias do caso em tela e concluiu pela prática de propaganda institucional em período vedado. Conclusão diversa do arremate do e. TRE/SP ensejaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas, inadmissível na via do recurso especial (Súmulas nº 279/STF e nº 7/STJ).

4. Agravo regimental não provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 36251, Acórdão, Relator Min. Felix Fischer, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data 10.3.2010, Página 17.)

Ademais, as condutas descritas como vedadas na Lei n. 9.504/97 têm a finalidade de assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, que fica naturalmente prejudicada se um dos concorrentes é beneficiado pela publicidade do ente público que titulariza.

Nessa linha de raciocínio, pouco importa se a divulgação gerou gasto público ou não. O bem tutelado não é a finança pública, mas a igualdade entre os candidatos, a qual é afetada por qualquer difusão positiva divulgada pela Administração Pública. Ademais, mesmo a informação transmitida no Facebook possui gastos inerentes à atividade, como a remuneração dos servidores que elaboraram o texto e o seu deslocamento para fotografar os locais, não havendo que se falar em gratuidade da publicação.

É pacífica a jurisprudência no sentido de que a publicidade institucional é objetivamente vedada pela legislação, incluindo as realizadas na internet, como se extrai da seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. GOVERNADOR, VICE-GOVERNADOR E SECRETÁRIO DE ESTADO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. CONDUTA VEDADA DO ART. 73, VI, B, DA LEI 9.504/97, ABUSO DE AUTORIDADE (ART. 74 DA LEI 9.504/97) E ABUSO DE PODER POLÍTICO (ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR 64/90). 

CONDUTA VEDADA. ART. 73, VI, B, DA LEI 9.504/97.

1. O fato narrado na ação de investigação judicial eleitoral consiste na veiculação de notícias referentes ao governo do Distrito Federal no site da Agência Brasília, canal institucional do GDF e em página do Facebook, nos três meses que antecederam o pleito.

2. Ainda que se alegue que as publicações questionadas veicularam meras notícias, resultado de atividades jornalísticas da administração pública, a publicidade institucional não se restringe apenas a impressos ou peças veiculadas na mídia escrita, radiofônica e televisiva, porquanto não é o meio de divulgação que a caracteriza, mas, sim, o seu conteúdo e o custeio estatal para sua produção e divulgação.

3. O art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97 veda, no período de 3 meses que antecede o pleito, toda e qualquer publicidade institucional, excetuando-se apenas a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado e os casos de grave e urgente necessidade pública, reconhecida previamente pela Justiça Eleitoral.

4. As notícias veiculadas não se enquadram nas duas exceções legais, estando caracterizada a conduta vedada que proíbe a veiculação de publicidade institucional no período proibitivo.

5. É evidente que o governo do Distrito Federal, no período crítico vedado pela legislação eleitoral, prosseguiu com a divulgação na internet (rede social e sítio eletrônico) de inúmeras notícias que consistiram em publicidadeinstitucional, sem passar pelo crivo da Justiça Eleitoral, que poderia, em caráter preventivo, examinar se elas se enquadravam na hipótese de grave e urgente necessidade pública exigida para a pretendida veiculação em plena campanha eleitoral.

6. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que o chefe do Poder Executivo é responsável pela divulgação da publicidade institucional, independentemente da delegação administrativa, por ser sua atribuição zelar pelo seu conteúdo (AgR-RO 2510-24, rel. Min. Maria Thereza, DJe de 2.9.2016).

7. Ademais, igualmente pacificada a orientação de que a multa por conduta vedada também alcança os candidatos que apenas se beneficiaram delas, nos termos dos §§ 5º e 8º do art. 73 da Lei 9.504/97, ainda que não sejam diretamente responsáveis por ela, tal como na hipótese de vice-governador.

[…]

(Recurso Ordinário n. 172365, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 40, Data 27.02.2018, Página 126/127.)

Assim, correta a sentença ao reconhecer que a publicação acima transcrita caracterizou publicidade institucional em período vedado, ofendendo assim o art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97. Deve ser mantida a sentença no ponto.

 

4º Fato:

A sentença reconheceu que as servidoras Luciana Siman, Beloni Turcatto e Saionara Soder realizaram atos de campanha eleitoral em favor dos candidatos representados durante o horário de expediente, conduta que é vedada pelo art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, cujo teor segue:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.

Os fatos foram objetivamente identificados na sentença, conforme os documentos juntados nas folhas 205 a 212 e não foram negados pelos representados.

Transcrevo o pertinente trecho da decisão (fl. 1.252):

Com relação a servidora Luciana Siman, realizou atos de campanha eleitoral nos dias 03/08 às 09h39min, 16/08 às 14h40min, 22/09 às 15h40min, e 23/09 às 14h20min (fls. 210/212). Conforme o documento de fl. 853, a referida servidora estava em gozo de férias por 20 dias, a contar de 12/09/2016, razão pela qual, incide a norma somente nas postagens de 03 e 16/08.

Saionara Soder, por sua vez, realizou campanha eleitoral nos dias 16/08 às 13h16min, 23/08 às 15h07min, e 24/08 às 16h48min, conforme imagens de fls. 209/210; e participou de manifestação em via pública no dia 29/09/2019 às 10h17min, conforme ata notarial de fls. 205/207 e fotografias de fls. 207/208.

A servidora Beloni Turcatto participou de manifestação em via pública no dia 29/09/2019 às 10h17min, nos termos da ata notarial de fls. 205/207 e fotografias de fls. 207/208.

Como se verifica, os fatos ilícitos consistem (a) nas postagens de propagandas eleitorais realizadas pela servidora Luciana Siman nos dias 03.8.2016 às 9h39min (fl. 211) e 16.8.2016 às 14h40min (fl. 210) no Facebook e pela servidora Saionara Soder nos dias 16.8.2016 às 13h16min (fl. 209), 23.8.2016 às 15h07min (fl. 209) e 24.8.2016 às 16h48min (fl. 210) no Facebook; e (b) na participação de manifestação política por Saionara Soder e Beloni Turcatto no dia 29.9.2016 às 10h17min.

No tocante às postagens realizadas na rede social Facebook, verifica-se que as servidoras publicaram propagandas eleitorais dos candidatos Luiz Trevisan e Armando Mayerhofer em suas páginas pessoais.

Embora as postagens tenham ocorrido durante o horário normal de expediente, entre 09 e 17 horas, não se pode qualificar tais condutas como cedência vedada de servidores em prol da campanha dos representados.

A conduta vedada pelo art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97 busca resguardar a isonomia entre os candidatos, impedindo o uso da máquina pública a favor da campanha daqueles que estão à frente da Administração ao mesmo tempo em que preserva a devida continuidade do serviço público, assegurando a manutenção dos servidores em sua atividade pública.

Na hipótese, postagens esparsas de propaganda eleitoral realizadas no perfil pessoal das servidoras não caracterizam o desvio de função pública que a norma pretende evitar. Eventuais manifestações pessoais sobre a preferência política individual dos servidores durante o horário de expediente, embora possam ser sancionáveis do ponto de vista funcional, não demonstram desvio de função pública em prol da campanha eleitoral.

Não há evidências de que as manifestações tenham ocorrido por meio de computadores da prefeitura, nem de que houvesse orientação superior para os servidores promoverem a campanha dos representados.

Assim, pelo que se extrai dos autos, as manifestações impugnadas se limitam à manifestação da preferência pessoal das servidoras, o que não configura conduta vedada, conforme entendimento deste e de outros Tribunais, de acordo com as ementas que seguem:

Recurso. Conduta vedada. Art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Manifestações de apoio político em rede social facebook por servidores municipais, em horário de trabalho e utilizando computadores da prefeitura. Representação julgada parcialmente procedente no juízo monocrático, condenando os servidores à multa e absolvendo os candidatos beneficiados.

Não demonstrada a utilização da máquina pública a serviço da campanha dos candidatos representados. Exercício da livre manifestação de pensamento e liberdade política pelos servidores. Eventual ilícito administrativo  pelo uso de equipamentos da administração municipal, em horário de trabalho, para divulgação de preferências políticas, deve ser apurado por processo administrativo disciplinar. Não configurada a conduta vedada.

Reforma da sentença para afastar a aplicação da multa.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 48872, ACÓRDÃO de 22.10.2013, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 198, Data 24.10.2013, Página 5)

- ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL CUMULADA COM REPRESENTAÇÃO - CONDUTA VEDADA - ARTIGO 73, INCISOS I E III, DA LEI N. 9.504/1997 [...]

- MÉRITO: SERVIDORES MUNICIPAIS QUE REALIZARAM POSTAGENS VOLUNTÁRIAS E ESPORÁDICAS NA REDE SOCIAL "FACEBOOK", DIZENDO QUE SEU VOTO SERIA PARA O CANDIDATO RECORRIDO - AFASTAMENTO, DE PLANO, DA CONDUTA VEDADA PREVISTA NO INCISO III DO ART. 73 DA LEI N. 9.504/1990, POIS NÃO SE TRATA DE CESSÃO DE SERVIDORES PARA COMITÊ ELEITORAL - NÃO CONFIGURAÇÃO, OUTROSSIM, DA CONDUTA VEDADA PREVISTA NO INCISO I DO ART. 73 DA LEI N. 9.504/1997, POIS NÃO RESTOU DEMONSTRADA A CESSÃO DE BENS PÚBLICOS PARA REALIZAÇÃO DE CAMPANHA ELEITORAL - INEXISTÊNCIA DE ABUSO DE AUTORIDADE E DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(TRE/SC, RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n. 70190, ACÓRDÃO n. 32656 de 26.7.2017, Relator WILSON PEREIRA JUNIOR, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 128, Data 02.8.2017, Página 4)

No tocante à manifestação realizada pelas servidoras Saionara Soder e Beloni Turcatto no dia 29.9.2016 às 10h, as fotografias das folhas 207 e 208 retratam a reunião de um pequeno grupo de pessoas portando bandeiras em volta de um veículo adesivado com propaganda dos candidatos representandos e portando bandeiras do PMDB que eram acenadas para o público, como fica claro na fotografia da folha 208.

Tudo indica que se tratava de um verdadeiro ato de campanha, especialmente porque a movimentação ocorreu em frente à rádio Sobradinho enquanto ocorria o debate eleitoral entre os candidatos, fato público e notório, conforme consignou a sentença e que não foi negado pelos representados.

A situação, aqui, afigura-se diversa da simples manifestação pessoal das servidoras nas redes sociais. Houve um ato de apoio envolvendo diversas pessoas, que portavam bandeiras padronizadas, reunidas no mesmo local onde os representados realizavam debate eleitoral.

Claramente se trata de um ato organizado de divulgação da campanha realizado às 10h, do qual participaram servidoras públicas, que foram afastadas de suas funções ordinárias durante o horário de expediente normal da prefeitura, como restou incontroverso nos autos.

A realização de atos de campanha por servidores durante o horário normal de expediente caracteriza a conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, conforme pacífica jurisprudência:

RECURSOS. JULGAMENTO CONJUNTO. CONTINÊNCIA. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. LEI N. 9.504/97. PREFEITO E VICE REELEITOS. CEDÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO. CAMPANHA ELEITORAL. HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CARACTERIZAÇÃO. MULTA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER DE AUTORIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. PRÉ-CANDIDATO. CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. CANDIDATURA NÃO ACOLHIDA. INDEFERIMENTO DA MANUTENÇÃO DA LICENÇA. ATO ADMINISTRATIVO. LEGALIDADE. ELEIÇÃO 2016.

[…]

2. São proibidos aos agentes públicos ceder servidor ou empregado público, ou usar de seus serviços para comitês de campanha eleitoral durante o horário normal de expediente, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Regramento que tem por desiderato a preservação da isonomia de oportunidade entre os candidatos.

3. RE 163-14 - Secretário Municipal da Administração, sem estar afastado de suas funções, nomeado representante legal da Coligação pela qual concorria à reeleição o prefeito e seu vice. Demonstrada a participação, durante o horário de expediente, de reunião no cartório eleitoral, acerca de propaganda para o pleito de 2016, bem como sua efetiva presença em atos e ações judiciais durante o período eleitoral. O engajamento do servidor público na campanha dos candidatos da situação revela conduta vedada, em afronta à legislação eleitoral. Todavia, necessária a demonstração da gravidade da conduta para atrair a sanção de cassação do registro ou do diploma. Infração que não se reveste de maior gravidade. Conduta vedada perpetrada por um único servidor, cujos serviços prestados não foram expressivos. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Suficiente a aplicação de multa. Eventual incidência de causa de inelegibilidade a ser avaliada por ocasião do registro de candidatura.

[...]

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 16314, ACÓRDÃO de 11.7.2017, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 14.7.2017, Página 10)

Não prospera a alegação de que os representantes deixaram de comprovar que as servidoras Beloni e Saionara não estavam no gozo de licença ou folga no dia da manifestação. Compete aos representantes demonstrar o apoio de servidores durante o horário normal de expediente, tal como tipificado no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Cabe aos representados o ônus da prova do fato impeditivo do direito alegado, qual seja, o de que as servidoras estavam em licença ou folga no dia da manifestação. Diga-se, aliás, que esta prova seria de fácil obtenção, pois bastaria apresentar o documento concessivo da licença ou da folga.

No tocante à alegada ausência de responsabilidade pela cessão das servidoras, porque Trevisan e Armando não estavam no exercício de seus cargos públicos, aquele em razão de férias e este por força de sua exoneração, conforme documentos das folhas 866 e 867, tal afastamento, no caso, não elide sua responsabilidade.

A manifestação de apoio à campanha foi realizada no mesmo local do debate realizado pelos representados, os quais seguramente tinham ciência da presença das servidoras no local. Ademais, Luiz Trevisan estava afastado provisoriamente de suas atividades e, embora não participasse da gestão administrativa da prefeitura, certamente ainda exercia influência no Executivo, assim como Armando Mayerhofer, que se retirou da Secretaria com a pretensão de retornar à Administração como vice-prefeito.

Essas circunstâncias evidenciam ciência da presença das servidoras no ato de campanha e influência sobre o Executivo, devendo ser responsabilizados pela conduta.

 

Sanções:

Concluindo, a sentença condenou cada um dos representados à multa de 15.000 UFIR, com fundamento no art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97 – que prevê multa de 5.000 a 100.000 UFIR –, pela prática reconhecida de 3 diferentes condutas vedadas.

Legítimo concluir que o juízo tenha fixado o valor de 15.000 UFIR para cada conduta. Como em grau recursal foi afastado o caráter ilícito de um dos fatos – postagens de propaganda no perfil pessoal das servidoras no Facebook –, mostra-se proporcional reduzir a multa aplicada para 10.000 UFIR, considerando que ainda restaram caracterizadas duas condutas vedadas, valor equivalente à R$ 10.641,00.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso de JULIO MIGUEL NUNES VIEIRA e ALENCAR FURLAN e pelo parcial provimento do recurso de LUIZ AFFONSO TREVISAN e ARMANDO MAYERHOFER, apenas para reduzir a multa aplicada para R$ 10.641,00.