RE - 2015 - Sessão: 05/10/2018 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Marau e por LUCIVANDRO SCORTEGAGNA contra a sentença do Juízo da 62ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, determinando, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 4.358,08 em virtude do recebimento de doações provenientes de fontes vedadas e de origem não identificada, acrescido de multa de 20% sobre o montante irregular. Além disso, determinou a suspensão dos recursos do Fundo Partidário da seguinte forma: (a) pelo período de 8 meses, quanto aos recursos de origem de fonte vedada, e (b) até que os esclarecimentos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral ou até o efetivo recolhimento do valor arrecadado ao Tesouro Nacional, no tocante aos recursos de origem não identificada  (fls. 78-85).

Em seu recurso, o partido entende que deve ser aplicada ao caso a lei posterior mais benéfica (Lei n. 13.488/17), a partir da qual a contribuição de filiado ao partido não é considerada fonte vedada. Sustenta, também, que o conceito de autoridade pública só foi caracterizado a partir da Consulta n. 109-98, deste Tribunal, publicada em 23.9.2015, e, portanto, afirma que até esta data, tais doações não podem ser consideradas vedadas. Além disso, afirma que se a intenção do TSE era vedar a doação efetuada por detentor de mandato eletivo, deveria ter feito menção expressa. Declara que o Estatuto do PDT prevê como obrigação do filiado a contribuição partidária, em consonância com o art. 17, § 1º, da CF, que dispõe que os partidos serão regidos pelos seus estatutos. Entende que é justa a contribuição do filiado que se utiliza da sigla partidária para se candidatar e se eleger. Ressalta ainda que a Resolução TSE n. 23.463/15 não veda a doação efetuada por detentor de mandato eletivo. Destaca, ainda, que as agremiações dos municípios menores sobrevivem de algumas poucas doações de seus filiados, de forma que, se for obrigado a recolher o valor da doação ora em análise, tornar-se-á inviável a existência do diretório. Ao final, requer a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas (fls. 88-92).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, a fim de ser mantida a sentença que desaprovou as contas da agremiação partidária (fls. 97-105).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

No mérito, o recorrente insurge-se contra sentença que desaprovou as contas do exercício financeiro de 2016, em razão do recebimento de receitas advindas de pessoas físicas detentoras da condição de “autoridade”, caracterizando fonte vedada de recursos.

Com efeito, a tabela da folha 55 demonstra o recebimento, no exercício de 2016, do total de R$ 1.439,27 advindos de doações de pessoas físicas detentoras de cargos de chefia e direção demissíveis ad nutum, tais como diretor, chefe de unidade, chefe de núcleo e chefe de turma, todos vinculados à Prefeitura Municipal de Marau.

Na hipótese em tela, deve ser aplicado o art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua dicção original, ou seja, sem as modificações trazidas pela Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Acerca do tema, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade). (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada as contas, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, deve ser aplicado à solução do caso concreto o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, a qual vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades, sem ressalvas quanto à eventual filiação do doador, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Por sua vez, o conceito de autoridade previsto nos dispositivos em comento abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Grifei.)

A mesma inteligência é trazida pela norma interpretativa contida no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2016, verbis:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

O dispositivo transcrito deixa indene de dúvida que a caracterização de “autoridade” como fonte vedada de recursos abrange o exercício de cargo demissível ad nutum de chefia ou direção na administração pública, seja o servidor filiado ou não a partido político.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, tendo em vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão de desigualar o embate político-eleitoral entre os partidos que não contam com tal mecanismo.

Assim, não prospera a afirmação recursal de que a referida compreensão do termo somente teria eficácia a partir da Consulta n. 109-98, deste Tribunal. Em realidade, o objeto da aludida consulta foi a questão da doação realizada por detentores de mandato eletivo, que não é a hipótese destes autos. Além disso, o pronunciamento foi publicado em 25.9.2015, ou seja, anteriormente ao início do ano financeiro em análise.

Cabe ainda afastar a alegação do recorrente no sentido de que a contribuição é prevista no Estatuto do Partido, tendo amparo na autonomia financeira e administrativa constitucionalmente reservada às agremiações.

Deveras, o fato de haver imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, do constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido ou inviabiliza o seu funcionamento, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos através de diversos outros meios não reprovados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

No tocante aos recursos de origem não identificada, o examinador técnico apontou a existência de um total de R$ 2.192,47 em créditos auferidos na conta da agremiação sem, porém, a identificação do CPF dos doadores nos extratos ou comprovantes bancários apresentados (fl. 55v.), em desacordo com o arts. 8º, § 2º, e 13, parágrafo único, inc. I, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Não se constata nos autos nenhuma iniciativa do prestador no sentido de fornecer esclarecimentos complementares acerca da falha, impedindo que se ateste a real procedência dos valores.

Assim, sendo acertado o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores advindos de fontes vedadas e de origem não identificada, acrescidos de multa de até 20% sobre a importância apontada como irregular, nos termos do art. 49, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Outrossim, o magistrado sentenciante, tendo em vista o fato de que as falhas apontadas contemplaram a integralidade dos recursos financeiros recebidos pelo partido, entendeu por fixar a multa no patamar máximo.

Entretanto, considerando, igualmente, o valor absoluto das máculas (R$ 3.631,74) e o pequeno potencial financeiro do diretório partidário em tela, entendo razoável e suficiente para censura das condutas o estabelecimento de penalidade no percentual de 10% sobre o montante irregular, ou seja, R$ 363,17, fixando o total condenatório em R$ 3.994,91.

Em relação à suspensão de quotas do Fundo Partidário em decorrência do recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15, este Tribunal admite a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na dosimetria da sanção, na esteira da jurisprudência consolidada do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.08.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.09.2013, p. 71). (Grifei.)

No caso dos autos, considerando os mesmos critérios alhures expostos na dosagem da multa pecuniária, tenho como adequada a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo período de 06 meses.

Por fim, no concernente à determinação de suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário até que os esclarecimentos sobre os recursos de origem não identificada sejam aceitos pela Justiça Eleitoral ou até o efetivo recolhimento do valor arrecadado ao Tesouro Nacional, entendo que a sentença merece reforma.

Com efeito, essa regra do art. 47, II, da Res. TSE n. 23.464/2015 aplica-se durante a instrução do feito somente e não quando da sentença.

Ademais, após a prolação da sentença, não teria lugar o exame de esclarecimentos. Ainda, representaria penalidade desarrazoada fixar a suspensão do Fundo Partidário até o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o valor da multa para 10% sobre a quantia irregular, totalizando o valor de R$ 3.994,91 a ser recolhido ao Tesouro Nacional, e readequar o período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, para 6 meses, bem como afastar o sancionamento do Fundo Partidário em relação aos recursos de origem não identificada.